10 Notas de Barcelona sobre Vinícius e o Racismo na Espanha

Por Flávio Carvalho.

“Un país en el que tiene que insultarse al jugador de un equipo grande de fútbol para que haya un debate durante horas sobre si el racismo es un problema, tras décadas viendo cómo mueren decenas de personas cada año frente a sus costas, no solo tienen un problema con el racismo “ (Gabriel Rufián, deputado da Esquerda Republicana da Catalunha no Parlamento Espanhol).

“Quando eu passo e vejo uma pessoa sendo chutada nas ruas eu defendo aquela pessoa que está sendo chutada, senão quem o está chutando sou eu” (Chico César, no programa de TV Provocaçoes).

1. O Racismo anda de mãos dadas com o capitalismo. Ainda que seja rico, Vinícius Júnior não está livre disso. Se confundem, um e outro, capitalismo e racismo, beneficiando-se das mesmas injustiças.

2. Branco que diz que não é racista, desconfie. País, Espanha, que diz que não é racista, não acredite. Leia mais sobre o racismo estrutural, sobre as estruturas em que se desenvolve o racismo. Não somente dentro das pessoas, mas nas estruturas históricas que ajudou a construir ou a destruir cada país.

3. Branco opina sempre desde uma situação de privilégio, ainda que não perceba ou que o negue. Não depende dele, da pessoa branca. Já existia, antes dele, branco, nascer. Mas isso não o exime, ao branco, de somente optar por duas situaçoes, sem meio termo: ou compactua e se beneficia do privilégio; ou luta contra ele, contra o privilégio, beneficiando-se da luta. Porque lutar contra qualquer injustiça sempre nos faz crescer.

4. Eu moro na província de Barcelona e sou torcedor do Futebol Clube Barcelona, principal adversário do Real Madri. Eu sempre tive muito orgulho do Barça, como carinhosamente o chamamos, por ser um time de futebol que defende valores importantes na vida. O seu lema é Mais que um clube de futebol. E eu, ao mesmo tempo, identifiquei no Real Madri, durante tantos anos, os valores opostos do Barcelona; porque a essência de criação do RM é franquista, da ditadura, na sua essência, de mãos dadas com a monarquia corrupta. Tem gente no seu direito de torcer por um time qualquer, sem esses valores no meio. Eu, não. E isso é um fato, o vínculo social do time de futebol com uma burguesia monárquica vinculada às opressoes históricas da capital do reino da Espanha. Um fato contra o qual podem tentar-se sem êxito, vários argumentos.

5. Porém, devo dizer, honestamente, que pela primeira vez na vida eu tive vergonha de poucos e determinados colegas torcedores do Barcelona, por terem sido incapazes de colocar a rivalidade esportiva em segundo plano e optaram por não condenar o racismo, pela conveniência de olhar para o outro lado. E falar mal da vítima (principalmente por ser do time adversário), jamais do racismo que sofreu.

6. O pior de tudo é que não é a primeira vez. Em tempos recentes, neste mesmo ano, eu sofri ao assistir um desfile de (poucos e determinados, insisto em destacar) torcedores do Barcelona que optaram por defender o criminoso Dani Alves, usando argumentos baratos de presunçao de inocência. Insistiam em lamentar pelo algoz, sem nenhuma palavra em relação à vítima. Contra todos os fatos, ou até mesmo deixando-se levar pelo mais perverso instinto machista, na hora de defender corporativamente o ex-jogador brasileiro – hoje, preso.

7. Hoje eu defendo que todos devemos agradecer ao esportista brasileiro, Vini Jr. Não haver calado, como fizeram tantos outros, em legítima defesa própria ou até mesmo para evitar mais sofrimentos, tornaram Vinícius Júnior, um atleta excepcional, não somente dentro do campo. Ele também poderia haver optado para olhar para o outro lado. Acabou ousando encarar o racismo. Ganhou o mundo com isso.

8. É preciso lembrar que, além de tudo, existe um vivo debate sobre vários aspectos que esta triste história de racismos, nos tenta encobrir. Primeiro, uma questao de origem: não haver nascido na Espanha ou na Europa. Não é a toa que as mesmas pessoas que defendem o Estado Espanhol, como uma estrutura que não é racista (como se não fosse), são as mesmas pessoas que apresentarão elevadíssimo grau de xenofobia, preconceito e discriminação contra pessoas que imigraram à Espanha. Revela-se, assim, uma soma de camadas distintas e cruéis de ignorância, medo e ódio contra o que boa parte das pessoas espanholas consideram diferente delas.

9. Além disso, o atleta do Real Madri representa uma forma de jogar futebol, diferente do que se poderia considerar um modelo europeu. Sem negar-se a colaborar com todo o jogo coletivo (assim depöem seus próprios companheiros), destaca-se pela individualidade, no drible, no ritmo, na ousadia, principalmente. Não se pode negar que na América Latina o nascer na pobreza transforma o futebol em uma das principais opções de lazer e ócio coletivo, fazendo parte da infância e juventude de todas as classes sociais (das mais pobres, principalmente). Diferencia o aprendizado “peladeiro” (do futebol de rua) de quem teve dinheiro para, na Europa, já quase nascer dentro de uma cara escolinha de futebol. O importante é que muitos brasileiros como Vinícius se dispuseram a migrar (também por dinheiro) para adaptar-se ao futebol europeu, sem negar as suas origens. Ensinam e aprendem ao mesmo tempo, numa mesma dinâmica formativa. Enquanto os europeus não estao acostumados ao contrário. Quantos europeus você conhece que migraram para jogar futebol no Brasil?

10. E, por último, até mesmo na alegria da comemoração do gol, destacou-se Vinícius. Pra completar, reconheço – entre uns quantos, por aqui na Espanha – um tipo de europeu conservador, travado, votante de partidos com mensagens racistas e fascistas, incapaz de dançar uma única vez na sua vida, e que castrada sua própria expressao corporal, odeia quem o faz com alegria, espontaneidade e prazer.

Aquele abraço.

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Flávio Carvalho é sociólogo, participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya.

@1flaviocarvalho. @amaconaima. Sociólogo, Escritor e Poeta (é o que dizem).

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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