Wall Street e o golpe econômico do século

Por Mike Whitney, para o CounterPunch.

wall streetOs líderes do Comitê Bancário do Senado dos EUA, os senadores Tim Johnson e Mike Crapo, lançaram no último domingo um projeto de lei que proveria garantias explícitas por parte do governo sobre títulos lastreados em hipotécas (MBS, em inglês) gerados por bancos privados e instituições financeiras. Um gigantesco lucro para Wall Street colocaria a corda no pescoço dos pagadores de impostos norte-americanos pelos 90% de perdas dos MBS envenenados, como aqueles que quebraram o sistema financeiro em 2008 e atolaram a economia no maior pântano desde a Grande Depressão.

Defensores da lei dizem que as novas regras feitas pelo Escritório de Proteção ao Consumidor (CFPB, em inglês) – que coloca padrões para o que seria uma “hipoteca qualificada” – garantem que aqueles que pegarem emprestado terão condições de pagar suas dívidas, o que reduziria as chances de uma nova quebra do sistema no futuro. No entanto, estas regras foram feitas por lobistas e advogados da indústria dos bancos, que acabaram com requerimentos rigorosos – como as tabelas FICO e os 20% de pagamentos adiantados – com o intuito de emprestar livremente a pessoas que talvez fossem menos capazes de pagar suas dívidas. Além disso, uma cláusula particularmente letal foi inserida na lei e provê uma cobertura geral a todos MBS (tanto se estiverem dentro ou fora dos padrões da CFPB) caso outra crise financeira ocorra. Eis o parágrafo:

Sec. 305. Autoridade para proteger os pagadores de impostos em condições de mercado incomuns…
Se a Corporação, o Chefe da Reserva Federal dos Governadores e o Secretário do Tesouro, em acordo com o Secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano, determinarem que circunstâncias incomuns e exigentes ameaçam a disponibilidade do crédito hipotecário junto ao mercado habitacional norte-americano, o FMIC pode prover cobertura sobre títulos que não estejam dentro dos requisitos da seção 302, incluindo aqueles da perda em primeira posição dos acionistas do mercado privado.” (“Freddie And Fannie Reform – The Monster Has Arrived”, Zero Hedge)

Em outras palavras, se a lei passar, os pagadores de impostos dos EUA serão responsáveis por todo e qualquer resgate considerado necessário pelos reguladores citados acima. E, tendo em vista que estes reguladores estão no bolso dos lobistas de Wall Street, não há dúvida do que eles farão quando este tempo chegar: vão resgatar os endinheirados e deixar os prejuízos ao povão.

Se você não consegue acreditar no que está lendo ou se pensa que o sistema é tão corrupto que não poderia ser corrigido, você não está sozinho. Esta última afronta apenas confirma que o Congresso, o Executivo e todos os reguladores são meras marionetes que fazem qualquer coisa pedida pelos chefões de Wall Street.

O objetivo da lei Johnson-Crapo é a de “inspecionar” as gigantes da hipoteca como a Fannie Mae (Federal National Mortgage Association – Associação Federal das Hipotecas, em português)  e a Freddie Mac (Federal Home Loan Mortgage Corporation, Corporação Federal de Empréstimos Imobiliários Hipotecários, em português) para que “o capital privado possa ter o papel principal nas finanças.” (foi assim que Barack Obama resumiu isso.) É claro que este não é o verdadeiro propósito. O objetivo real é que o domínio dos mecanismos de lucratividade esteja com os bancos privados (Fannie e Freddie têm nadado no dinheiro nos últimos três anos) enquanto os prejuízos sejam passados ao público. Isto é o que está ocorrendo de fato.

De acordo com o Wall Street Journal, a lei irá:

“Construir e elaborar uma nova plataforma na qual um certo número de entidades do setor privado, junto de aparelhos públicos administrados por empresas privadas e reguladas federalmente, substituiriam o papel chave desempenhado há tempos pela Fannie e Freedie (N.E: que são entidades públicas)…”

“A legislação substitui as gigantes das finanças hipotecárias por um novo sistema onde o Governo continuaria a desempenhar um papel significativo nas dívidas habitacionais norte-americanas.” (“Plan for Mortgage Giants Takes Shape”, Wall Street Journal)
 
“Papel significativo”? Que papel significativo? (E aqui fica mais interessante.)
 
Ainda segundo o Wall Street Journal:

“A lei do Senado ainda redirecionaria as reguladoras das empresas como uma nova “Corporação de Federal de Segurança das Hipotecas” (FMIC, em inglês) e atribuiria a esta agência a capacidade de aprovar que novas empresas possam transformar empréstimos em títulos. Estas empresas poderiam ter garantias federais de pagamento aos seus investidores. A FMIC asseguraria os títulos hipotecários quase da mesma forma que a Corporação Federal de Segurança dos Depósitos provê segurança aos depósitos bancários.”
 
Isto é inacreditável. Então eles querem transformar a Fannie e Freddie em uma companhia de seguros que protegeria as hipotecas quebradas criadas pelos mesmos bancos que acabaram de roubar de todos nós trilhões de dólares na mesma fraude maldita?

Mais no Wall Street: “seriam necessários avalistas das hipotecas para manter uma margem de capital de 10% contra perdas antes que o seguro federal fosse acionado.”

10%?? E que raio de diferença fazem 10%? Isto é uma gota no oceano. Se os bancos vão oferecer hipotecas a quem não pode pagá-las, então eles mesmos devem cobrir suas perdas ou não deveriam ser bancos, certo?
 
Isso é um roubo tão grande que deveria ser impossível. Estes palhaços deveriam ser colocados pra fora do Senado. Mas a lei está seguindo adiante, e o Presidente Duas-Caras nem está se importando. Há algum tipo de atividade ilícita feita por baixo da mesa que esse presidente não apoia? 
Não quando ela vem da parte de algum de seus grandes amigos banqueiros. Confiram este trecho do economista Dean Baker. Baker está se referindo a lei Corker-Warner, mas a Crapo-Johnson é quase a mesma coisa.
 
“A lei Corker-Warner faz muito mais do que eliminar a Fannie e Freddie. Em seu lugar, ela estabeleceria um sistema em que as instituições financeiras privadas poderiam emitir títulos hipotecários segurados (MBS) que teriam uma garantia do governo. No caso de que um grande número de MBS dessem errado, os investidores perderiam apenas 10% de seu valor, depois disso quem arcaria com as dívidas seria o governo.”  

Se você acha que isto parece um sistema razoável, então você não deve ter estado por perto durante a crise imobiliária e a crise financeira que a seguiu. No pico da crise nos anos de 2008 e 2009, a pior MBS era vendida entre 20 e 40 centavos de dólar. Isso significa que o governo arcaria com uma parte enorme dos custos sob o sistema Corker-Warner, mesmo se os investidores tivessem sido forçados a arcar com 10% do preço das MBS.

A estrutura financeira pré-crise deu aos bancos um enorme incentivo para fazer pacotes de MBS de baixa qualidade ou até mesmo fraudulentas. Um sistema baseado na lei Corker-Warner faria com que esses incentivos fossem ainda maiores. (“The disastrous idea for privatizing Fannie and Freddie”, Dean Baker, Al Jazeera). 

Apenas pondere esta última parte por um minuto: “a lei faria com que estes incentivos fossem ainda maiores.”

Você realmente acha que deveríamos criar incentivos ainda maiores para que continuem a nos roubar? Mais um trecho de Baker:

“As mudanças na regulação financeira também não devem prover muita proteção. Logo quando a crise começou, havia demandas para que as seguradoras mantivessem uma participação substancial nas hipotecas que elas colocassem nos seus lotes, para que tivessem um incentivo de segurar apenas boas hipotecas. Alguns reformadores estavam demandando algo em torno de 20% de participação para cada hipoteca.

Durante o debate sobre a lei Dodd-Frank, as regras subsequentes sobre esta participação se tornaram ainda menores. Ao invés de 20%, ficou decidido que as seguradoras teriam de manter 5% de participação. E para hipotecas de certos padrões elas não teriam de ter participação alguma.

Originalmente, apenas hipotecas nas quais o proprietário da casa tivesse pagado adiantado 20% ou mais da hipoteca é que poderiam ser consideradas deste bom padrão. Este corte fez com que esta porcentagem fosse para 10% e depois para 5%. Mesmo que as hipotecas como apenas 5% de pagamento adiantado tenham 4 vezes mais chances de não serem pagas, não será requisitado que as seguradoras mantenham nenhuma participação ao colocá-las em uma MBS.”

Espere aí, Dean. Você quer dizer que Dodd Frank não colocou as coisas de “maneira certa”? Eu pensava que “novas regras mais duras” nos asseguravam que os bancos não explodiriam o sistema de novo em 5 anos. Isso era conversa fiada?

Sim, claro que era. 100% conversa fiada. Uma vez que os bancos soltaram seu exército de advogados e lobistas em Capital Hill, as novas regulações não tiveram a menor chance. Transformaram Dodd Frank em comida de rato e agora estamos de volta onde começamos.

E não espere que as agências de classificação de risco irão ajudar, porque elas ainda agem como antes da crise, sem mudança alguma. Elas continuam sendo pagas por caras que emitem os títulos hipotecários, o que é como se você pagasse o salário do cara que dá sua nota em um concurso. Você não acha que isso turvaria seu julgamento? Claro que iria: e pagar as agências de classificação é garantir que você ganhará a nota que quiser. O sistema todo é horrível.

Os bancos desempenharam um papel no rascunho destes novos padrões de “Hipotecas Qualificadas” também, que não é na verdade padrão algum, mesmo porque nenhum emprestador de respeito jamais usaria o mesmo critério para emitir um empréstimo ou uma hipoteca. Por exemplo, nenhum banqueiro vai dizer, “puxa, Josh, nós não precisamos das suas pontuações de crédito, nós não precisamos de nenhum pagamento adiantado. Somos amigos, certo? Então, velho, quanto você precisa para essa hipoteca? $300.000? $400.000? $500.000? Pode dizer, o céu é o limite.”

Sem pagamentos adiantados? Sem pontuações de crédito? E eles têm a audácia de chamar isso de hipoteca qualificada?

Qualificada para quê? Para ser paga pelo pagadores de impostos? O propósito real das hipotecas qualificadas é o de proteger os bancos de seus próprios negócios matreiros. Isto lhes oferece “porto seguro” no caso de falta de pagamento. E o que isso significa?

Significa que o governo não pode pegar seu dinheiro de volta se os empréstimos explodirem. A hipoteca qualificada protege na verdade os bancos, não os consumidores. E aí está a farsa, como Dodd Frank é uma farsa. Nada mudou. De fato, tudo isso piorou. Agora estamos com a corda no pescoço para qualquer perda dos bancos.

Deixaremos a última palavra com Dean Baker, pois parece que ele é o único cara nos Estados Unidos que percebeu o que está acontecendo:

“Resumindo, o plano de Corker-Warner de privatizar a Fannie e Freddie é essencialmente uma proposta para reinstituir a estrutura de incentivos que nos deu a bolha imobiliária e a crise financeira, mas desta vez aumentando à garantia explícita do governo sobre as MBS. Se isso não soa como uma grande ideia para eles, então você não dispendeu tempo suficiente junto com os poderosos de Washington.”

A lei Johnson-Crapo não tem nada a ver com o encerramento da Fannie e Freddie ou uma vistoria da industria das hipotecas. Isso é um roubo na cara dura feito por dois senadores que estão colocando o país sob os riscos de Wall Street.

Isto é o golpe do século.  

Tradução de Roberto Brilhante

Foto: Wikimedia Commons.

Fonte: Carta Maior.

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