Valorização do salário mínimo: o subdesenvolvimento é uma vontade de Deus? Por José Álvaro Cardoso.

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Por José Álvaro Cardoso.

A luta pela implantação de um salário mínimo, que seja suficiente para suprir as necessidades do trabalhador e sua família, é essencial. Mas será que existem condições materiais no Brasil, para a implantação de um mínimo de quase R$ 5.000,00, que é o valor atual do Salário Mínimo Necessário calculado pelo DIEESE? Sem dúvidas. Faço aqui uma conta muito simples, acredito que verdadeira. Segundo a Lei Orçamentária Anual – LOA/2020, neste ano o Brasil irá gastar R$ 409 bilhões de reais com a dívida pública, cujos credores são cerca de 20.000 famílias de ultra milionários, sendo que boa parte deles nem mora no país.

Se fosse declarada moratória e feita a auditoria da dívida (neste caso, como determinou a Constituição Federal), estes recursos poderiam colocar no bolso de 40 milhões de brasileiros R$ 786,54, todo mês, incluindo um décimo terceiro salário. Seriam R$ 10.225,00 para cada um desses brasileiros que ganham menos. Seria um aumento de 75% sobre o salário mínimo nacional de R$ 1.045,00. Muita gente que não têm renda poderia ganhar um benefício que é muito superior aos atuais R$ 300,00 da Renda Emergencial.

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O pagamento de juros e amortização da dívida pública é feito todo ano, há décadas, e já drenou trilhões de reais do Brasil para os bancos. É como se o povo brasileiro todo, tendo cometido um pecado muito grave, fosse condenado a pagar, durante toda a eternidade 5%, 6%, ou mais do PIB para um grupo de super ricos, de 200.000 pessoas. Sendo que uma parte deles nem mora no Brasil. Como se sabe, essa dívida é ilegítima, já foi paga várias vezes, e não passa de um sistema de sucção de riqueza do país, que jamais terá fim, exceto se nos mobilizarmos contra essa tirania. É um sistema que garante uma exploração extra da população para beneficiar super ricos.

Esse é um exemplo de onde se poderia tirar os valores para pagar um salário mínimo de R$ 5.000,00. Mas há outros. Por exemplo, no início da pandemia, sem pestanejar o governo liberou R$ 1,216 trilhão para os banqueiros. Este valor chegou rapidamente aos cofres dos bancos, mas não voltou para a irrigação da economia, para os investimentos na produção, como deveriam. Esse dinheiro está sendo usado para especulação financeira, como se pode ver pelo baixíssimo nível de investimentos produtivos da economia. O objetivo do recurso, equivalente à 17% do PIB, era o de “manter a liquidez no sistema”, isto é, a disponibilidade de dinheiro para que os bancos pudessem operar normalmente. Isso é dinheiro público, que poderia ser usado para um fundo salarial de emergência que garantisse um salário mínimo para todos os trabalhadores. Estes recursos, ao invés de ficarem esterilizados numa conta bancária, iriam para a economia gerar riqueza, o que expandiria o PIB, como vimos em experiência recente no Brasil, antes do golpe de 2016.

Uma política de valorização do salário mínimo tem que vir colada a uma política de desenvolvimento, que gere empregos e amplie a produção de riquezas. O Brasil está caminhando para trás: a renda per capita de 2019 (R$ 34.532,60) foi inferior a de 2010 (R$ 35.040,55), consequência direta da política recessiva dos golpistas. A política votada no governo Lula em 2006 (começou a vigorar em 2007), discutida com as centrais, tinha essa característica de colar o crescimento do salário mínimo ao crescimento do PIB. Quando o PIB não crescia, como em 2015 e 2016, não havia aumento do salário mínimo, apenas a correção pela inflação do ano anterior. A partir do golpe já se deixou de praticar essa política e, em janeiro de 2020 Bolsonaro acabou em definitivo com essa política.

A proposta de deixar de pagar os especuladores e transferir os recursos para 40 milhões de assalariados de salário mínimo ou menos, é extremamente viável do ponto de vista técnico. Um dinheiro que será entesourado ou ficará “girando em falso” sem gerar riqueza no mercado financeiro seria injetado na veia da economia real, que produz pão, cerveja, vinho, feijão, passagem de ônibus, encomenda de pizza, conserto de sapato, ou seja o mercado consumidor interno. O problema deste tipo de proposta é de natureza política. Sem mobilização dos trabalhadores, propostas desse tipo são rapidamente desautorizadas e derrotadas. O próprio movimento sindical tem grandes resistências em se engajar num processo destes, que certamente exigiria uma certa dose de coragem e ousadia.

Haveria um número razoável de medidas que poderíamos apontar para viabilizar um salário mínimo de R$ 5.000,00. Mas o problema não é técnico e sim de correlação de forças. Se os trabalhadores tivessem força para impor essa medida, especialmente em conjunto de uma série de medidas integradas, certamente funcionaria. É como diz aquela frase atribuída a Nelson Mandela, “tudo sempre parece impossível até que seja feito”. Agora, digamos que fosse verdadeira a tese que, se instituído um salário mínimo de R$ 5.000,00 (próximo ao salário mínimo do DIEESE) a economia iria afundar, como diziam os defensores da escravidão no Brasil? Deixa afundar. Nenhuma política justifica que, no país que é o segundo maior produtor agrícola do mundo, 85 milhões de brasileiros vivam algum tipo de insegurança alimentar. Nada justifica isso, então é preferível afundar.

Tem outro debate essencial, em toda essa questão, que é a relação com o imperialismo. Como um pais neocolonial, o Brasil tem que transferir permanentemente riqueza para o centro capitalista. Vimos isso no golpe de 2016 quando perdemos a soberania sobre os destinos da imensa riqueza do pré-sal. Pela lei de partilha, boa parte da renda petroleira seria destinada ao povo brasileiro através de vários mecanismos, a começar pelos royalties do petróleo, que seriam destinados à educação e saúde. As multinacionais do petróleo disseram “nada disso”, e com aliados externos e internos (incluindo traidores, como Sérgio Moro) e muito dinheiro, financiaram o golpe, para nos roubar as imensas jazidas do pré-sal. A ruptura com o imperialismo seria fundamental para garantir salários melhores aos brasileiros, é impossível manter a condição de país neocolonial e melhorar significativamente a situação da classe trabalhadora.

Mas o caminho de libertação nacional é extremamente árduo e só se poderá conseguir com muita determinação e, principalmente, ação. Nessa discussão é extremamente atual a questão trazida pelo escritor Eduardo Galeano, referindo-se à América Latina como um todo: “tudo nos é proibido, a não ser cruzarmos os braços? A pobreza não está escrita nos astros; o subdesenvolvimento não é fruto de um obscuro desígnio de Deus”.

 

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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