Tempos felizes 2: Chuva no telhado

CHUVANOTELHADO

Por Urda Alice Klueger.

(Excerto do livro “Meu cachorro Atahualpa”, publicado em 2010)

Nas primeiras semanas foi um pouco traumático para Atahualpa se adaptar à nova realidade de viver numa casa, e ainda por cima numa casa com piso cerâmico. Era um tempo muito frio e de muita chuva – eu logo me acostumei a andar de tênis todo o tempo, mas cachorrinhos não usam calçados e se deitam em qualquer lugar. Tratei de providenciar diversas camas para o meu bichinho – de novo foi minha amiga Rovena quem costurou capas para grandes blocos de espuma, que podiam ser colocados em diversos lugares e formar diversas camas – ao menos no inverno, pois no verão ele gosta, mesmo, é de se deitar de barriga no piso cerâmico para se refrescar.

Havia diversas novidades na nova casa, e há algumas que causaram tais reações no meu cachorrinho que até hoje rio e me emociono ao me lembrar.

Nossa casa tem uma laje de concreto abaixo do telhado, mas há três pontos dela em que não há tal cobertura: a varanda, a cozinha e um ponto de luz central, como um pequeno jardim de inverno, recoberto por uma coifa de acrílico transparente. Morando no apartamento e no depósito de livros onde vivêramos, na verdade Atahualpa nunca tinha ouvido chuva no telhado, e na primeira noite de chuva forte em que dormimos na nova casa, meu bichinho teve reações que me criaram preocupação. Algo o assustava terrivelmente, e a princípio imaginei que deveria haver algum animal selvagem desconhecido na mata dos fundos da casa, para ele ficar tão perturbado. É claro que se entocou no meu quarto, penso que para me proteger e para se sentir protegido, e escondido debaixo da cama, com os dentes à mostra, rosnava todo o tempo olhando para fora do quarto como se uma onça fosse pular em nós a qualquer momento. Cheguei a levantar-me diversas vezes, para ver se não havia algum animal escondido dentro de casa, pois não conseguia entender a atitude do meu cachorro. A noite entrou pela madrugada e nem ele nem eu dormíamos: ele, de algum medo que eu não conseguia descobrir; eu, por causa do medo dele. Volta e meia saía da minha cama e tentava alcançar Atahualpa sob ela, tentando confortá-lo, mas ele estava tão assustado que fugia de mim, enquanto continuava olhando firmemente para fora da porta do nosso quarto, com os dentes à mostra, pronto para atacar o grande perigo que estava lá fora.

Diversas vezes, também, levantei-me e tentei encorajá-lo a enfrentar seu medo, andando pela casa e acendendo as luzes, e às vezes meu cachorrinho até se encorajava e saía pela casa atrás de mim, mas bastava eu me virar e tentar pegá-lo para que ele voltasse correndo para debaixo da minha cama.

Já eram umas três horas da madrugada quando eu entendi o que se passava, o que estava causando todo aquele pavor no meu bichinho: a chuva forte caindo sobre a coifa de acrílico do ponto de luz central da casa fazia um delicioso barulho de chuva no telhado, e para um cachorro que nunca ouvira tal coisa, aquilo acabara se tornando assustador. Minha vontade foi cair na risada, mas tinha que entender o que se passava no coração apavorado do meu bichinho. Então rastejei sob a cama até conseguir alcançá-lo, de dentes à mostra e rabo entre as pernas e o puxei para o meu colo – e o levei ao pequeno jardim de inverno, acendi as luzes, elevei-o no ar, para que ele se certificasse que não havia nenhum perigo, e fiquei ali conversando com ele:

– Vês, meu amor? É só a chuva caindo, está tudo certo! Não precisas ficar com medo, não, está tudo normal! Podes ficar tranqüilo, vamos dormir!

Juro que ele entende quando eu falo assim com ele! Naquela madrugada, com um suspiro, Atahualpa tirou o rabo do meio das pernas, descansou a cabeça no meu ombro e deixou-me colocá-lo direitinho na cama dele, onde dormiu, exausto, no outro dia, até depois do meio dia!

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