Por Paula Guimarães.
Por 37 votos favoráveis e 14 contrários, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (21), o substituto ao Projeto de Lei N 5069/2013 do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), proposto pelo relator Evandro Gussi (PV/SP). O novo texto propõe alterações na lei de atendimento a vítimas de violência, no que diz respeito ao acesso às informações sobre a pílula do dia seguinte e ao aborto, além de passar a exigir o exame de corpo de delito para a comprovação do crime. Ao mesmo tempo criminaliza profissionais de saúde que passarem qualquer informação sobre o aborto. Pessoas que, exercendo o seu direito à liberdade de expressão, manifestem-se favoráveis à descriminalização também podem ser consideradas criminosas. Somente os parlamentares do PT, PSOL, PSD, PCdoB e PTB posicionaram-se contra o texto. Antes de ser votado no plenário, os deputados precisam decidir sobre as sugestões de emenda.
Juntando no mesmo pacote o código penal e a Lei N 12.845 de 2013 que trata sobre o atendimento a mulheres vítima de violência sexual, o PL tipifica como crime o “induzimento, instigação ou auxílio ao aborto” com pena de até cinco anos e o “anúncio de meio abortivo” – atualmente considerado contravenção – com pena de até três anos. Altera os artigos 1 , 2 e 3 da Lei N 12.845 de 2013, exigindo como prova da violência sexual o exame de corpo de delito e os incisos III e IV, que tratam respectivamente, da facilitação do registro da ocorrência e da profilaxia da gravidez (pílula do dia seguinte). Neste último artigo, acrescenta o parágrafo único que desobriga o profissional de saúde a dar informações sobre o acesso ao aborto, contrariando o inciso VII que cita como um dos serviços o “fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis”.
Na parte que trata do acesso à pilula de emergência, o texto é alterado para “procedimento ou medicação, não abortivos, com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro”. Ou seja, existe a possibilidade de o meio contraceptivo ser interpretado como “abortivo”. Já, o direito à informação sobre o aborto legal fica refém da boa vontade (ou crença) do profissional de saúde: “nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo.”
A mulher como mentirosa
Atualmente, a palavra da mulher como vítima de violência sexual basta para que ela receba acolhimento e seja atendida por uma unidade de saúde. Porém, o projeto passa a exigir comprovação com exame de corpo de delito, pois seus defensores acreditam que a legislação possibilita que mulheres se coloquem na condição de vítima apenas para burlar a lei e ter acesso ao aborto permitido.
O atendimento às vítimas
A mulher que busca o serviço de saúde é atendida conforme um protocolo. No caso de a violência ter sido recente, a vítima recebe informações e tem acesso à pílula do dia seguinte. Nas situações em que não é mais possível a indicação do contraceptivo de emergência, ela é informada sobre o direito ao aborto previsto por lei em casos de estupro.
Mesmo que a palavra da mulher baste para a constatação de violência sexual, o aborto só pode ser realizado com a confirmação por exames, como a ultrassonografia, por exemplo, que permite saber o tempo de gestação, como explica Olímpio Barbosa de Moraes, vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “É possível coincidir a data da agressão com o tempo de gestação. Quando a data não coincide, avisamos à mulher e, assim, a interrupção não é realizada”, explicou o médico.
O obstetra considera preocupante a criminalização de médicos que “prestarem informação ou qualquer auxílio para que o faça”, porque contraria o código de ética médica, no que diz respeito ao direito humano à informação e à vida. “Informação é um direito humano e não pode ser negado”, afirmou.
Para ter acesso ao aborto, a mulher precisa assinar três termos, o Consentimento Livre e Esclarecido, em que escolhe por manter ou não a gravidez, o Termo de Responsabilidade, onde declara legítima expressão da verdade e o Termo de Relato Circunstanciado, no qual detalha como a agressão ocorreu.
De acordo com a norma técnica, o objetivo do serviço de saúde é garantir o exercício do direito à saúde e seus procedimentos não devem ser confundidos com aqueles reservados à polícia ou à justiça. O código penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento, a não ser o consentimento da mulher, que não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Garante que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde “afirmando ter sofrido violência deve ter credibilidade, ética e legalmente, deve ser recebida como presunção de veracidade”.
A via sacra das mulheres vítimas de violência sexual
Uma pesquisa da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) mostra que no país todo há 37 serviços ativos voltados para o aborto legal, sendo que sete estados não contam com infraestrutura, ao contrário do que aponta o Ministério da Saúde que lista 62 serviços em funcionamento. O estudo levantou os dados nos três casos permitidos por lei: estupro, anencefalia e risco de morte para a mãe. Das 1.283 pacientes das cinco regiões brasileiras, 40% têm até 19 anos. Em cinco casos, as meninas tinham 10 anos ou menos. Só 10% das mulheres estão na faixa de 35 anos ou mais.
O trabalho apontou que 94% das interrupções decorreram de violência sexual e alguns centros de atendimento fazem exigências fora da lei: em 14% dos casos as mulheres tiveram que apresentar boletim de ocorrência, em 11% foi pedido parecer do comitê de ética da unidade de saúde e 8% só realizaram abortos mediante alvará judicial. Mais de 50 mil estupros foram registrados em 2013, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente. Pesquisas internacionais apontam que apenas 35% das vítimas procuram a polícia, o que elevaria a estimativa anual para 143 mil estupros no país.
Fotos: Gilmar Felix – Câmara dos Deputados