Por um vintém

Vintém-11A ampliação da luta não pode vir seguida por uma diluição irrestrita de suas pautas

Por Guilherme Riscali.

Não, os protestos que acontecem por todo o país e, agora, por todo o mundo, não são contra a corrupção. Não, os protestos não são consequência do mensalão, tampouco fruto das inúmeras hashtags de protesto. #acordabrasil #sqn

Os protestos são, sim, por 20 centavos. Esses mesmos centavos que, no final do mês, no bolso de uma grande parcela da população, significam a diferença entre uma ou duas refeições, entre poder ou não poder se deslocar até o local de trabalho.

É claro que, em uma grande mobilização popular como a que estamos vivendo, diversas questões entram, e devem entrar, em pauta. O poder reivindicatório de dezenas de milhares de pessoas nas ruas é imenso e, por si só, levanta fagulhas de indignação. É imprescindível aproveitarmos a mobilização para evidenciar os problemas da violência policial e da própria situação da nossa polícia, militarizada. É essencial escancararmos o cinismo dos gestores da cidade ou do estado que, atados com a especulação imobiliária e os setores mais fortes da indústria, estão longe de priorizar a pressão popular ao tomarem decisões ditas “administrativas”. É ineludível discutirmos a suposta liberdade de imprensa e manifestação no país, quando ativistas e jornalistas são presos sob acusações estapafúrdias e condenados por formação de quadrilha. Tudo isso faz parte do jogo e é nosso papel nos levantarmos contra cada uma dessas questões. Também vale ressaltar que a experiência de luta coletiva é, em si, transformadora, e caminho para a abertura de novas possibilidades de atuação no espaço público. O resultado é inesperado e pode ser maior do que o que qualquer um tenha previsto.

Certas considerações são importantes, entretanto, diante da rápida ampliação do alcance da luta. É preciso analisarmos de que tipo é a virada quando alguns setores que, tradicionalmente, se posicionam a favor do massacre em Pinheirinho, da perseguição da população indígena, do extermínio policial nas periferias e, vejam, até da repressão policial contra estudantes da Universidade de São Paulo (USP) de repente se voltam a apoiar as recentes manifestações.

Vitória política a se comemorar? Capacidade de diálogo e expansão das nossas pautas? Talvez. Muito provavelmente. Mas é preciso lembrar que este suporte tem que vir acompanhado do reconhecimento daquilo pelo que se está lutando. Em outras palavras, a ampliação da luta não pode vir seguida por uma diluição irrestrita de suas pautas.

Se é verdade que o apoio à Revolta da Tarifa (ou do Vinagre, como for) tem crescido, desponta também, aqui e ali, algo semelhante à velha estratégia: se não consegue vencê-los, junte-se a eles e torne-os triviais. Ora, se criminalizar não é mais possível, há uma saída mais simples – e mais perigosa, porque mais sutil – para esvaziar a discussão política. Dizer que protestamos contra tudo é dizer que protestamos contra nada.

E com a diluição da pauta inicial no meio de tantas bandeiras e outras tantas denúncias fica cada vez mais difícil conquistar, de fato, aquilo pelo que lutávamos desde o começo: a reversão do aumento e, no limite, a tarifa zero. Ou talvez, dirão alguns: conforme eles se dispersam, fica cada vez mais fácil ignorar o cerne do problema.

Não podemos esquecer que há uma questão material que é reivindicada, antes de mais nada. Desprezar que há um problema concreto, anterior às bandeiras abstratas ou problemas generalizados (cuja discussão, ainda assim, é importantíssima) é abrir mão daquilo que primeiro motivou a indignação. E ignorar que a conquista de um objetivo, de um direito que nos foi expropriado, é combustível para o fortalecimento da revolta.

Há, por fim, nessa operação, uma manobra – consciente ou não – de deslocar a organização do protesto, que acontece em torno da convocatória do Movimento Passe Livre. Afinal, esses badernistas são muito radicais, não? E que toda a organização, assim, se dê pelo Facebook (desse jeito, quem sabe, aquela “gente diferenciada” nem aparece). Aliás, o objetivo de muita gente parece ser deixar claro que o movimento não se trata mais de transporte, mas sim uma espécie de #Cansei2.0: é que 20 centavos são apenas detalhe para a classe média. Ah, e, claro, sempre vestidos de branco. Sem vandalizar a Bastilha, né, pessoal?

Todos às ruas por 20 centavos!

Todos às ruas pelo fim da tarifa!

Fonte: Passa Palavra.

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