Ocupação Amarildo visibiliza a luta por moradia em Florianópolis

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Por Clarissa Peixoto.

A manhã do dia 15 de abril era de completa apreensão, embora o esforço coletivo fosse para não deixar a “peteca cair”. Os moradores da Ocupação Amarildo da Silva convidaram seus apoiadores para uma vigília, enquanto aguardavam o desfecho da situação. Mais de 500 famílias compõem o acampamento que, durante quatro meses, esteve localizado às margens da rodovia 401, ao norte da ilha. Para o poder público, a área precisa ser desocupada, conforme a reintegração de posse já expedida.

As famílias começaram a chegar ao local em 16 de dezembro de 2013. De lá para cá, deram vida àquelas terras. A área, entre os bairros de Ratones e Vargem Grande, é 250 hectares, numa área total de 900, onde as famílias já iniciaram o cultivo de hortaliças e também de sonhos por terra, trabalho e teto.

 O dourado do sol reluz nas folhas verdes que se tornaram mais bonitas com as cerca de 200 crianças que vivem na ocupação. Todas frequentando a escola. Também porque aquele lugar voltou a ter uma função social e produtiva. “Não fazemos a luta apenas por moradia. Embora ela seja essencial, queremos terra para produzir. Iniciamos o cultivo de hortaliças, pois nossa intenção é garantir alimento para os moradores e também gerar renda”, conta Rui, morador da ocupação.

Com o lema “Terra, Teto e Trabalho”, a comunidade se organiza em núcleos que cuidam dos diversos setores da vida coletiva, como segurança e educação. Marli é responsável pela coordenação do núcleo “Um por todos e todos por um”, que reúne 10 famílias. “A organização se dá na parceria. Cada família traz o que pode e contribui com o que tem. Temos algumas dificuldades para manter nossa estrutura funcionando, mas seguimos em frente, confiantes”, afirma.

A educação e a formação de uma consciência crítica é, sem dúvida, uma das preocupações no acampamento. Isso acontece de várias formas. “Já organizamos cursos de formação e estamos recebendo doações de livros e materiais para montarmos uma escola de formação”, conta Rui, que é também responsável pela organização da pequena biblioteca que começam a constituir.

 A formação também se dá de forma prática. Todas as decisões são tomadas em assembleia, garantindo que os encaminhamentos sejam feitos de forma consciente e coletiva. “A pedagogia do exemplo é bastante trabalhada. Queremos democratizar não só a decisão, mas o pensamento que a define”, completa Rui. Nessa mesma tônica, a comunidade tem desenvolvido formas para a comunicação interna e para o enfrentamento à mídia tradicional que divulga informações distorcidas sobre a ocupação. Em fevereiro, o grupo lançou um jornal chamado Gazeta da Ocupação Amarildo.

A maior parte dos integrantes da ocupação já vivia na Grande Florianópolis. “Somos trabalhadores e trabalhadoras que, com as condições impostas pelo capitalismo, não conseguem sobreviver. Temos direito a terra, teto e trabalho. E é isso que temos construído com a Ocupação Amarildo”, fala Dalton, integrante do grupo.

Segundo a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), a terra é pública. No entanto, logo após a ocupação, o ex-deputado estadual, Artêmio Paludo, reivindicou a propriedade da terra. “Até chegarmos aqui, essa terra não tinha função produtiva e agora estamos dando outro destino a ela”, reforça Rui que vive na ocupação com a companheira Luana e o filho Pedro, de um ano.

A batalha é intensa e a luta pelo direito é sufocada por uma série de medidas de cunho judicial. Nesses quatro meses, foram inúmeros os diálogos entre os integrantes da comunidade, Ministério Público Federal, Defensoria Pública, parlamentares e tantos outros agentes públicos. Paludo entrou com pedido de reintegração de posse e a data para desocupar a área ficou estabelecida para 15 de abril. No intervalo entre o pedido de reintegração e sua execução, a SPU se manifestou, alegando que a região é propriedade da União.

Nova etapa de luta

Na manhã de outono do dia 15, em assembleia, os Amarildos decidiram aceitar as condições contidas no termo de compromisso de desocupação e alocação, celebrado entre integrantes do movimento e agentes públicos envolvidos no processo. A medida propôs o deslocamento da comunidade para uma área de sete hectares no bairro Maciambú, na cidade de Palhoça. A área é particular e pertence ao Instituto Kairós. Segundo o acordo estabelecido, as pessoas ficarão provisoriamente nessa área, até que a União decida o futuro das terras às margens da rodovia 401. Instalados em Palhoça desde a noite do dia 15, os Amarildos devem continuar a luta para que possam voltar para a área no norte da ilha.

O pano de fundo da contraofensiva à Ocupação Amarildo é uma questão de classe. Grupos que, a longo da história, se apropriaram indevidamente de terras públicas não podem aceitar a força simbólica de um aglomerado de gente que ousa ocupar com trabalho e resistência uma área que há muito não encontrava uma função social e produtiva. A Ocupação Amarildo resiste e revigora a luta por terra, teto e trabalho.

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