Assistindo à escalada em Israel/Palestina e aos preparativos para um possível grande assalto por terra contra a Faixa de Gaza, ouvem-se os mais variados comentários. Quando o comentário é novo, raramente é correto; e quando é correto, raramente é novo.
Netanyahu, como seus predecessores, está usando o assassinato do líder do Hamás, Ahmed al-Jaabari e a subsequente escalada militar para minar as lideranças políticas na Palestina (do Hamás e do Fatah) e aumentar suas chances de reeleição, incendiando as questões de segurança nacional de Israel, pondo-as em evidência acima das questões de segurança econômica, na mente dos eleitores israelenses. Há seis anos, escrevi um artigo sob o título “Oriente Médio: o ciclo das retaliações tem de acabar” (em inglês) que se aplica hoje, com pequenas correções de datas, alguns nomes etc. Dado que os fatos não mudam e repetem-se incansavelmente, repito também a análise.
Quando a poeira assentar, a ofensiva de Israel contra os territórios palestinos sitiados terá causado mais mortes e mais destruição; e o governo de Israel continuará preso no mesmo beco sem saída. Em vez de atacar os vizinhos, os israelenses têm de pôr fim ao ciclo vicioso de provocações e retaliações e engajar-se em negociações sérias e significativas.
O governo israelense do primeiro ministro [há seis anos, era Ehud Olmert; hoje, é Benyamin Netanyahu] fundamenta sua campanha contra a infraestrutura civil dos palestinos em três falácias:
(1) que Israel não inicia os ataques, apenas responde para proteger seus cidadãos, no caso de um soldado sequestrado;
(2) que sua resposta é proporcional e não visa a ferir a população civil; e
(3) que não negocia com terroristas.
Para começar, a ofensiva israelense não brotou, do nada, essa semana. O governo de Israel, no poder [então] há apenas dois meses, é responsável pela morte de 850 palestinos, entre os quais muitas crianças, em ataques com alvo definido e execuções extrajudiciais ilegais. O governo do Hamás manteve um cessar-fogo unilateral por 15 meses, mas os ininterruptos ataques israelenses tornaram a reação dos palestinos simples questão de tempo.
Desde o início da Intifada, em setembro de 2000, repetidos bombardeios israelenses e assassinatos predefinidos de palestinos agravaram a violência e resultaram em número maior, não menor, de israelenses mortos e feridos. De fato, praticamente todos os grandes atentados cometidos por suicidas-bomba palestinos desde 2001 foram atos de retaliação contra assassinatos cometidos por israelenses, a maior parte dos quais cometidos quando os palestinos discutiam ou já se autoimpunham decisão de cessar-fogo.
Mais três exemplos: dia 31/7/2001, Israel assassinou dois importantes militantes do Hamás em Nablus, assassinato que pôs fim a quase dois meses de cessar-fogo autoimposto pelo Hamás e levou ao terrível atentado do dia 9/8, de um suicida-bomba numa pizzaria em Jerusalem. Dia 23/7/2002, jatos israelenses bombardearam um prédio de apartamento lotado de moradores na cidade de Gaza, matando um alto dirigente do Hamás, Salah Shehada, e 15 civis, 11 dos quais crianças, horas antes de ser declarado um cessar-fogo unilateral já decidido e noticiado. Dia 4/8, pouco mais de uma semana depois, a resposta veio sob a forma de outro atentado de suicida-bomba.
Dia 10/6/2003, Israel tentou assassinar um alto líder político do Hamás em Gaza, Abdel-Aziz Rantisi; a tentativa fracassou, Rantisi escapou com vida, mas quatro civis palestinos morreram. Esse atentado levou à explosão do ônibus em Jerusalém, que matou 16 israelenses.
Embora os crimes-provocação de Israel não justifiquem os atentados de suicidas-bomba, eles demonstram suficientemente que a fonte do terrorismo é, sempre, a agressão militar israelense e a violência da ocupação. Nesse contexto, os civis palestinos não se veem como “dano colateral”, mas como vítimas do terrorismo de Estado.
Quanto à natureza da “retaliação” pelos israelenses, difícil considerar “proporcional e moderada” a destruição que Israel promove de toda a infraestrutura civil da região onde vivem 1,3 milhões de palestinos. O Exército de Israel abriu a ofensiva da semana passada contra Gaza bombardeando pontes, estradas, redes elétricas e redes de suprimento de água.
A própria natureza da ofensiva israelense visa a castigar, intimidar, assustar, apavorar e conter, com força bélica desproporcional, indiferente ao sofrimento que a ação inflija a civis. Cortar serviços básicos de toda a população é ação não apenas injustificável: implica castigo coletivo, ação ilegal expressamente proibida nos termos da Convenção de Genebra.
A assimetria entre o poder de fogo de Israel e dos palestinos não pode ser traduzida em assimetria também entre o valor da vida de israelenses e de palestinos. O mundo alarmou-se quando os palestinos capturaram um soldado israelense. Mas não se veem iguais sinais de alarme quando Israel mantém [então, 9 mil; hoje vários milhares de] prisioneiros palestinos.
Por mais que Israel diga que não negocia com terroristas, negociou, sim, pelo menos, com certeza, com o Hezbollah. O bombardeio israelense dos geradores elétricos que alimentam a cidade de Beirute e a grande ofensiva em 1996, que levou ao massacre de Qana, não foi suficiente para conter a resistência libanesa; e Israel, sim, foi obrigada a negociar, usando intermediários, com um grupo que, para Israel, é grupo terrorista; e foi obrigada a aceitar a troca de centenas de prisioneiros libaneses e palestinos, para receber os restos mortais de soldados israelenses mortos no Líbano. E Israel, como se sabe, também negociou com palestinos, para obter a libertação do soldado Gilad Shalit.
Dado que [então, 39; hoje 45] anos de esforços israelenses para intimidar os palestinos, não conseguiram intimidá-los e, sim, só conseguiram levar os palestinos à radicalização, não seria hora de Israel mudar de tática?
Naquele minúsculo território, os israelenses jamais viverão em segurança, enquanto mantiverem os palestinos em situação de insegurança desumana.
A saga ainda em andamento comprova o absurdo do unilateralismo como opção. O então primeiro ministro Olmert usou a captura de um soldado israelense para minar o acordo histórico firmado com o Hamás, e que acabava de ser negociado com o partido Fatah do presidente Mahmoud Abbas, para formar um governo de unidade: seria o reconhecimento de facto, pelo governo palestino, do estado de Israel e da possibilidade de negociar com Israel.
O ocidente goste ou não, o Hamás, como o Hezbollah, são, sobretudo, produtos da violência e da opressão da ocupação israelense, não o contrário. Por isso, Israel teria tudo a ganhar se moderasse o uso de seu aparato bélico e se dedicasse a negociar o fim da ocupação. Não há como pensar em segurança de Israel, sem isso.
Se insistir no uso desproporcional da violência, Israel só conseguirá fazer aumentar a popularidade e o prestígio do Hamás e empurrar o grupo de volta à clandestinidade e à guerra.
Este sítio utiliza cookies para melhorar a sua experiência de navegação. Os cookies catalogados como necessários são armazenados em seu navegador porque são essenciais ao trabalho de funcionamento das funcionalidades básicas do sítio.
Também utilizamos cookies indiretos que nos ajudam a analisar e entender como você utiliza esse sítio. Esses cookies só serão armazenados no seu navegador com sua autorização. Você também tem a opção de excluir esses cookies. Mas optar pela exclusão de alguns desses cookies pode ter um efeto na sua experiência de navegação.
Os cookies necessários são absolutamente essenciais para que o sítio funcione adequadamente. Essa categoria só inclui cookies que garantem a funcionalidade básica e características de segurança da nossa página. Esses cookies não armazenam nenhuma informação pessoal.
Qualquer cookie não especialmente necessário para que o sítio funcione e é utilizado para coletar dados pessoais do usuário vía analíticas, anúncios, outros conteúdos incorporados é catalogado como cokie não necessário. A autorização prévia do usuário/a é obrigatória.