Nosso racismo e suas múltiples manifestações

Por Rodrigo Gagliano.

Não sou fã de coisas como MMA e congêneres. Para mim, simbolizam um esvaziamento do principal das artes marciais. Nosso ocidentalismo maníaco… Mas, mesmo não assistindo, sei quem é Anderson Silva, por sua superexposição na mídia.

Sábado agora, estava numa loja de materiais esportivos, enquanto esperava a vendedora que me atendia, olhava a loja. De repente, vi bonecos de lutadores de MMA, boas réplicas dos mesmos, reconheci alguns pelo mesmo motivo que reconheço Anderson Silva, e, então, vi o boneco dele. Para minha surpresa: o boneco era branco!!! Pensei: “como branco? O cara é negro”. Fiquei indignado e exclamei, já com a vendedora ao meu lado: “nossa, como é o nosso racismo, fizeram o boneco de Anderson Silva branco”, a vendedora, fenotipicamente tão branca quanto eu, fez cara de paisagem… Nem sei se ela entendeu o que eu dizia…

Saí com aquilo na cabeça e coração: por que fariam aquilo? Eu só tinha aquela infeliz resposta: racismo. Dentro da sociedade capitalista, aquilo que é considerado sucesso (fama, dinheiro, etc.) não pode pertencer a negros? As crianças não podem ver isso: negros tendo sucesso? A indústria responsável pelo boneco é o capitalismo. E o capitalismo é uma invenção branca e cristã. E o racismo é uma proibição silenciosa e, às vezes, quase, invisível…

Nasci na periferia de São Paulo. Eu, mais outro menino, éramos os únicos brancos, contudo, todos, brancos ou negros, muito pobres. Era uma rua que só tinha meninos e todos os dias brincávamos e brigávamos juntos, sob o sol, sob a lua e sob a chuva. Aos 14/15 anos, fui estudar numa escola estadual, em outro bairro, que minha mãe considerava ter um melhor nível educacional que as escolas de meu bairro. Isso significou um grande afastamento dos meus amigos, porém, só depois fui me dar conta disso.

Uma lacuna. Aos 18/19 anos, eu era o único a cursar uma universidade, também estatal, não tinha condições de pagar universidade, para além dos impostos. Olhei para trás e o que vi foi estarrecedor: meus amigos negros, ou estavam mortos, ou presos, ou tinham sido pais precocemente e viviam vidas precárias com família e subemprego. Não sei o que aconteceu com o outro menino branco. Apenas sei que aquela foi a primeira trombada que levei com o racismo. Quando meninos, todos éramos iguais, a cor não era uma questão, nem em casa, minha mãe (solteira) branca já tinha tido um ou outro namorado negro e tinha vários amigos negros. Então, nesse ambiente, não enxergava o que provavelmente acontecia ao meu redor com meus amigos…

Toda essa história me veio ao ver aquele boneco do Anderson. Mas as reflexões não pararam por aí. O uso da imagem desse lutador deve ser vendida, se é assim, como ele pode aceitar isso? Será que ele não notou a cor do boneco? Será que quem cuida disso é seu empresário (se ele tem um) e o empresário não se importou? Ou será que o dinheiro é tão mais importante? Será que Anderson nunca sentiu na pele o nosso racismo (duvido) e, por isso, nem sequer notou a cor do boneco? É tão amargo perceber que somos parte efetiva no capitalismo… Não conheço história de vida do Anderson e não sei se posso exigir de uma pessoa, pelo simples fato de ser negra, que ela automaticamente tenha consciência étnico-política. Não é mais uma exigência que um cara branco está fazendo? Não seria aqui também um racismo só mais sofisticado? Mais difícil de ser apreendido? Não sei, espero sinceramente que não…

Se tudo isso traz desconforto, se tudo é muito delicado, ainda sim, penso que a discussão deve ser posta, não importa por quem… Não é o Anderson Silva que deve estar na berlinda e sim todos nós…

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