Moradores da periferia de SP vivem 23 anos a menos do que os de áreas nobres

O dado é um dos 53 indicadores socioterritoriais apresentados pelo Mapa da Desigualdade 2019, lançado nesta terça (5).

Foto: Apu Gomes

Por Lu Sudré, com colaboração de Pedro Stropasolas.

Há uma diferença abismal na qualidade de vida e na garantia de direitos dos habitantes de São Paulo, que, apesar de morarem na mesma cidade, vivem realidades completamente diferentes. Isso é o que alerta o Mapa da Desigualdade 2019, organizado pela Rede Nossa São Paulo e lançado na manhã desta terça-feira (5).

Publicado anualmente desde 2012, o estudo analisa 53 índices de várias áreas da administração pública nos 96 distritos da capital, e determina o nível de desigualdade entre eles por meio de uma comparação entre o melhor e o pior indicador.

Na Cidade Tiradentes, por exemplo, extremo leste de São Paulo, em 2018, a média de idade com que as pessoas morreram foi de 57 anos. Em Moema, sofisticado bairro da zona sul, a média foi de 80 anos. Uma diferença de 23 anos em dois distritos relativamente próximos.

Vemos grandes disparidades. É um absurdo que dentro de uma cidade tenhamos várias cidades”, afirma Carolina Guimarães, coordenadora da Rede Nossa São Paulo, responsável pelo Mapa.

“É um absurdo que dentro de uma cidade tenhamos várias cidades”

 

É um absurdo que em 38 km de distância ‘se possa perder’ 23 anos. Essa perda é muito complexa, envolve muitas variáveis. É um desafio. É preciso ter uma governança melhor na cidade de SP e mais secretarias pensando conjuntamente como abordar esses desafios”, complementa.

Ainda de acordo com o levantamento, a proporção da população negra e parda nas diferentes regiões da cidade também é muito desigual. Enquanto no bairro Jardim Ângela 60% dos moradores são negros e pardos, o índice de pessoas negras é de apenas 5,8% em Moema.

Número de favelas

Outro dado apresentado pelo Mapa da Desigualdade se refere a proporção de favelas em comparação com o total de domicílios.

Vila Andrade é o distrito com o maior percentual de favelas (49.2). A região tem a maior disparidade socioeconômica do município. Lá onde vivem famílias tanto de alta renda quanto de baixa renda.

A média da capital é de 8.2. Em outros 11 distritos como Perdizes, Alto de Pinheiros e Consolação, não existem favelas.

Guimarães ressalta a importância de acompanhar tais dados para que se entenda quais são as diferenças socioterritoriais da cidade de São Paulo com clareza.

Esses dados são uma possibilidade de conscientizar as pessoas sobre o que lhes falta, sobre direitos que todos temos. O Mapa mostra que apesar de termos direitos garantidos na Constituição e no arcabouço legal de São Paulo, não temos esses direitos garantidos no território”, explica.

Criamos ilhas de círculos viciosos de desigualdade. Existem distritos, que, infelizmente, não conseguem sair disso. A mobilidade social é muito difícil e isso se dá, muitas vezes, pela ausência de equipamentos públicos e acessos a muitos direitos”, critica.

Todas as informações sistematizadas pelo Mapa são oficiais e foram disponibilizadas pelas secretarias do município, por meio da assessoria de comunicação ou da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Precarização

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada no fim de outubro, a oferta de postos de trabalho informais disparou e bateu o recorde da série histórica e atinge 38 milhões de pessoas. O número representa 41,4% da força de trabalho brasileira.

O Mapa da Desigualdade em São Paulo mostra como a cidade está incluída neste retrocesso e que a grande maioria das pessoas que se encontram nesta situação moram nas regiões periféricas.

Enquanto a média da taxa de emprego formal na população em idade ativa de toda a cidade é de 5,2%, no bairro da Barra Funda, região central, é de 59,2%. Neste índice, novamente, a Cidade Tiradentes apresentou o pior número entre todos os distritos: Apenas 0,2% dos trabalhadores que moram no bairro possuem emprego formal.

A pedagoga Cristiane Lima, moradora da Cidade Tiradentes, conta que a situação piorou nos últimos anos.

“Aqui o [trabalho] informal sempre foi muito grande, mas agora está maior. Se você andar na Cidade Tiradentes, vai ver o tanto de barraquinha que tem hoje de trabalho informal. O tanto de diarista que tem, de gente que trabalha de fato sem registro”, lamenta Cristiane, de 46 anos.

O que Cristiane relata, Elizangela Mendes Ferreira vive na pele. Moradora da Cidade Tiradentes há 30 anos, a artesã não possui trabalho fixo. Ela vende seus artesanatos em uma banquinha e está  sujeita a qualquer tipo de instabilidade e incerteza.

Para ela, o mais difícil em procurar uma vaga formal é a distância do local onde mora. “É muito longe de tudo. A discriminação vem de todos os lugares, mas fica mais inviável para quem mora aqui. Para arranjar serviço no centro da cidade, algumas pessoas as vezes dão outro endereço”, diz Elizangela.

Aos 44 anos, a artesã lida diariamente com as dificuldades que a falta de direitos traz a toda sua família. Tanto seu marido, quanto seu filho, também moradores da Cidade Tiradentes, estão na informalidade.

“Atualmente meu marido vende gás, mas já trabalhou com câmeras e equipamentos de segurança. Meu filho atualmente trabalha na Sé, na Barão, com ouro. Ele vende ouro. E desse jeito a gente vai se virando”, desabafa.

Políticas estruturais

A nova edição do estudo também apresenta indicadores sociais na área da saúde e da educação, que reforçam o retrato da não garantia de direitos a todos os cidadãos.

A proporção de matrículas no Ensino Básico em escolas públicas, por exemplo, do melhor para o pior valor, é 16,7x desigual. Enquanto no Iguatemi o número de matrículas alcança 86,7%, o índice do Jardim Paulista é de 5,2%. 

O tempo de atendimento para vaga em creche também é muito desigual. Em Guainases, por exemplo, são 18 dias de espera, o melhor índice relacionado a esse indicador social. No entanto, na Vila Andrade, localizada no outro lado da cidade, são 260 dias, média duas vezes maior do que a da capital inteira.

Em relação às políticas da área da saúde, os números da mortalidade infantil são alarmantes. A proporção de óbitos de crianças menores de um ano para cada mil crianças nascidas vivas em Marsilac, na zona sul, é de 24,6. Já em Perdizes, área nobre da região oeste, é de 1,1.

O distrito de Marsilac também apresenta o pior dado em relação à gravidez na adolescência. Quase 19% do total de nascidos vivos na região possuem mães com 19 anos ou menos. O índice em Moema é de 0,4%.

Direitos humanos

Uma novidade na edição do Mapa da Violência 2019 foi a inserção de 4 eixos temáticos relacionados a área dos direitos humanos como os números relacionados à violência contra mulher, feminicídio, violência racial e violência LGBTQI.

Segundo Carolina Guimarães, diferente dos outros indicadores sociais que apresentam uma concentração mais evidente, a violência contra as mulheres, negros e LGBTQI são pulverizadas em toda a cidade e podem ser analisados do ponto de vista quantitativo.

Em 2018, tivemos mais de 80 mil ocorrências de violência contra a mulher e mais de 200 feminicídios. Isso mostra que o machismo está presente e está presente em vários distritos, não tem uma concentração em um local específico. Precisamos trabalhar a prevenção e o acolhimento para a agressão não chegar ao feminicídio”, comenta a coordenadora da Rede Nossa São Paulo.

Confira o Mapa da Desigualdade 2019 na íntegra.

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