“Mensaleiros”: prisão, espetáculo e história

“Não os vejo como vitimas, mas como homens vivendo as consequências do que construíram em termos políticos no primeiro governo Lula e no mais grave: na forma como lutaram para fazer da pequena política a prática política sua e de centenas de militantes petistas que embarcaram nessa”

Por Romero Venancio.

dirceu-genoinoSem grandes pretensões ou apenas me posicionando sobre o assunto da mídia brasileira. O meu interesse parte do que vejo na “mídia da casa grande” (Veja, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Globo, etc.) e alguns posicionamentos supostamente raivosos nas mídias sociais, em particular, no facebook. Ainda me surpreende alguns posicionamentos e os procuro entender. Só isto.

 Evitarei duas coisas de imediato: nem embarcar no espetáculo midiático de Joaquim Barbosa e seus aliados (não acredito mais que o direito exista para fazer justiça) e nem na vitimização autoproclamada por Dirceu, Genuíno, etc. (não se trata de crime político semelhante à prisão vivida brutalmente pelos dois citados durante a ditadura militar. A história é outra e temos fatos vivos e visíveis).

Neutralidade? Jamais. Lamento que pessoas de boa fé, fiquem tão felizes com as prisões de Dirceu e Genoíno como se com isto alguma justiça fosse feita num país estruturalmente desigual como o Brasil. Lamento ainda que não percebam uma grande jogada midiática articulada há meses, como uma espécie de crônica de uma morte anunciada, pelo ministro Joaquim Barbosa e a mídia da “nossa” casa grande.

Não há neutralidade em nada nas decisões do Supremo Tribunal Federal. Isso não significa dizer que as decisões do Supremo não tenham nenhum valor. A questão é outra. Existe claramente um interesse de classe envolvido na decisão do supremo e um programa de desqualificação de qualquer posicionamento de esquerda daqui para frente.

Dirceu-Genuíno-Delubio são o foco, e se faz uma tentativa de associar a história deles à de toda esquerda no Brasil. Pelo visto, conseguem numa certa classe média escolarizada. Estão em jogo as próximas eleições, alianças políticas, operação salva-PSDB e a defesa de uma fração da burguesia que não foi atendida pelo governo petista (que preferiu outra fração da burguesia brasileira e não por razões ideológicas).

Aqui o sociólogo Florestan Fernandes vem em nosso auxilio: a ideia de “frações burguesas no Brasil” e como suas disputas falseadas envolvem setores da classe trabalhadora… Aqui começa uma cilada bem armada: Ou Joaquim Barbosa e seu “porrete de justiça”, o negro e de origem pobre que agora faz “justiça”; ou Dirceu-Genoíno-Delubio, a esquerda perseguida, presos políticos. Discurso típico de bajuladores e figuras dos velhos cargos de comissão que abundam nos governos.

O trio em questão deveria ser avaliado pelo inicio do governo Lula em 2003 e na posição que ocupou o então ministro da casa civil José Dirceu. Aqui estaria um ponto bom de análise: o ministro claramente e a céu aberto priorizou uma fração da burguesia (fração esta já ciente do Lula daquela carta de agosto aos empresários) e logo desagradou a outro setor e que o marcou para o futuro e o futuro chegou.

Chegou com a novidade Marcos Valério, amigo de Delubio-Genoíno-Dirceu. A soma que este ilustre movimentou para o PT e aliados é algo impressionante e está documentada e assumida por Delubio-Genuíno como “Caixa 2” em público. Da casa civil a Marcos Valério, qualquer análise mais à esquerda – e não moralista – deveria se concentrar, pois é aqui que está o inicio de um projeto grandioso de se manter no poder um grupo de petistas e de aliados. Inclusive, Roberto Jeferson de triste memória desde o governo Collor… Dirceu que o diga mais que qualquer um de nós.

Lamento por demais que petistas históricos e de boa fé estejam tentando soltar um “balão de ensaio” com esta tese frágil de preso político ou de injustiça na prisão desse time. Presos políticos foram Dirceu e Genuíno durante a ditadura e por razões de discordância com o regime até chegar a luta armada. Lutavam pela derrubada de uma ditadura.

Me pergunto, foram presos agora por que razão? Estavam na luta com que grupos sociais? Com sem terra, sem teto, estavam eles com os “Amarildos” dessa vida tão cigana? Até as companhias com quem foram presos é sintomático: publicitário ladrão, funcionários de bancos laranjas, políticos historicamente de direita e burocratas sem compromisso social algum.

Isto não serviria como reflexão? As fotos que aparecem nas mídias sociais com os ilustres são todas do passado. Nenhum petista coloca fotos atuais e que temos várias, dos mesmos com empresários, banqueiros, políticos de direita e oligarcas do Nordeste ao Sul.

Essas fotos da história do presente deveriam aparecer também e avaliarmos de que lado estavam a tríade Dirceu-Genoíno-Delubio e de que lado nós poderíamos ou deveríamos estar enquanto esquerda que não se vendeu aos encantos do Capital e nem da pequena política, praticada por estes senhores a exaustão. Basta ver de relance o que é o PT hoje e sua seleições internas: uma vergonha da pior espécie em termos de uma mínima democracia liberal, inclusive.

Não os vejo como vitimas, mas como homens vivendo as consequências do que construíram em termos políticos no primeiro governo Lula e no mais grave: na forma como lutaram para fazer da pequena política a prática política sua e de centenas de militantes petistas que embarcaram nessa, onde alguns gostaram dos cargos e esquemas financeiros, estando lá até hoje.

A burguesia brasileira não é amadora em termos políticos e nem em termos econômicos, e jamais grupos oriundos das esquerdas podem se achar mais espertos do ela e de suas frações temporárias. Maquiavel e um pouco de história recente deveria nos ajudar bem mais na reflexão.

*Romero Venacio é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe

Fonte: Revista Rever.

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