Maior escândalo de corrupção no futebol é travado na justiça brasileira

Por Patricia Faermann.

Entre setembro e outubro de 2015, duas decisões de tribunais brasileiros barravam o acordo de cooperação internacional para apurar a corrupção na Fifa. Sem precedentes que justificassem o rompimento na ajuda para as investigações contra cartolas, dirigentes e empresas envolvidas no maior escândalo do futebol, provas estão guardadas a sete chaves no Brasil e a suas remessas ao FBI impedidas por decisão estagnada no Superior Tribunal de Justiça (STJ). E dessa mesma resposta dependem as ações que desaguam na prisão de Del Nero e Ricardo Teixeira.

Já passaram um ano e três meses desde que o maior caso de corrupção do futebol foi deflagrado pelas autoridades suíças e norte-americanas. Mas assim que solicitou documentos da empresa Klefer Produções e Promoções Ltda, do empresário Kleber Leite, e do ex-presidente da CBF e genro de João Havelange, Ricardo Teixeira, as autoridades dos Estados Unidos enfrentaram grandes obstáculos para acessar provas aqui retidas contra os dirigentes brasileiros.

A primeira delas partiu da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo). Em sessão secreta no dia 30 de setembro de 2015, dois dos três desembargadores quebraram a cooperação internacional firmada entre o Brasil e a Promotoria Federal de Nova York para investigar as denúncias.

Um Habeas Corpus impetrado pela empresa de marketing esportiva, suspeita de pagar propinas a dirigentes da CBF no Brasileirão, questionava a decisão da 9ª Vara Federal Criminal, de maio de 2015, que realizou buscar e apreensões na Klefer, coletando documentos e que determinou a quebra de sigilo fiscal de Ricardo Teixeira e de sua filha, Antonia, para enviar aos EUA. Naquele despacho, a justiça de primeira instância também havia decretado a quebra de sigilo bancário e o bloqueio de bens de 15 pessoas, incluindo o empresário e o cartola brasileiro.

O pedido da empresa investigada no TRF-2 era para anular todas as decisões da 9ª Vara, inclusive o desbloqueio de bens dos alvos – solicitação aceita pelos desembargadores Ivan Athié e Paulo Espírito Santo, naquela sessão secreta. Com isso, todos os documentos apreendidos e enviados às autoridades norte-americanas tiveram que ser devolvidos, assim como os recursos congelados.

Em seguida, alguns dias depois, a juíza Débora Brito da 9ª Vara Federal, que substituía o magistrado anterior no caso, não teve outra saída que não a de tomar decisões iguais à instância superior. Débora, que havia determinado o bloqueio de bens e aberto o sigilo bancário de 15 investigados, teve que desfazer as ações.

A magistrada também encaminhou um ofício ao Coordenador do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), pedindo a devolução dos documentos apreendidos. Junto com o despacho, Débora Brito anexou a decisão do TRF-2, indicando que foi o Tribunal quem rompeu a cooperação.

Histórico cooperações

A cooperação internacional nas investigações está prevista tanto em tratados assinados pelo Brasil junto a Cortes internacionais, como também em entendimento do Judiciário.

Quando argumentaram seus votos, os desembargadores do TRF-2 afirmaram que era preciso ter uma decisão anterior do STF ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesse sentido, para serem autorizadas as cooperações bilaterais. Os membros do Tribunal esqueceram-se, entretanto, que o STJ já criou jurisprudência, quando Teori Zavascki ainda integrava a turma.

Hoje no Supremo, o então desembargador determinou que um pedido do Ministério Público de outro país deve ser encaminhado diretamente ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e à Procuradoria da República, que deve, só então apresentar o pedido a um juiz de primeira instância.

Mas para Teori, a análise deve ser no sentido de apoiar a colaboração, a menos que afete alguma determinação da legislação brasileira. “O compartilhamento de prova é uma das mais características medidas de cooperação jurídica internacional, iterativamente prevista nos acordos bilaterais e multilaterais que disciplinam a matéria”, disse Zavascki, em 2009.

Em seu voto para o caso de um empresário investigado de lavagem de dinheiro em negociação do Corinthians com investidores britânicos e russos da MSI (Media Sports Investment), o desembargador, hoje ministro do STF, concordou com a cooperação internacional direta (leia, abaixo, a íntegra do voto do ministro).

Em um ofício enviado no dia 21 de outubro pelo Ministério Público à Justiça Federal do Rio, os procuradores alertaram que a decisão contrária “viola o tratado bilateral de cooperação internacional entre o Brasil e os EUA, podendo por em risco pedidos semelhantes expedidos por autoridades brasileiras àquele país”.

Para o MP, a troca de informações é “uma prática comum”. “Uma prática que vem se utilizando para facilitar a colaboração entre países. Afinal, a criminalidade também é globalizada. Hoje em dia não existem mais fronteiras, não existem mais limites dos países para a prática de crime. Então os países têm que se auxiliar”, afirmou um dos procuradores que atua no caso Fifa.

As decisões ainda vão contra mecanismos de colaboração incentivados pelo Executivo e Legislativo. Ainda em outubro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei n.º 13.170, que versa sobre o congelamento de bens e valores de pessoas ou empresas submetidas a sanções por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU.

Na prática, trata-se de uma facilidade para o Brasil punir sujeitos envolvidos em crimes organizados ou terrorismo, tomando as mesmas providências e sanções em território nacional contra aquelas já punidas no exterior, em primeira instância.

Consequências

O resultado das decisões tomadas pelo TRF-2 e pela Justiça da 9ª Vara do Rio de Janeiro é que mesmo dois dos principais dirigentes na mira do maior escândalo de corrupção da Fifa, Marco Polo del Nero e Ricardo Teixeira, já serem acusados nos Estados Unidos por corrupção, eles não podem ser presos e tampouco outras cooperações podem ser solicitadas pelas autoridades americanas ao MPF brasileiro.

Em manifestação protocolada no dia 4 de abril deste ano, a Procuradoria-Geral da República contestou as decisões e pediu que o Brasil volte a colaborar com a Justiça norte-americana. De acordo com o sub-procurador-geral da República, Moacir Mendes, as buscas e apreensões, quebras de sigilos bancários e congelamento de valores são necessário “para a retomada do curso processual”. Ainda em outubro, o MPF se disse “preocupado com as consequências que a decisão pode gerar para o caso”.

Ao GGN, a PGR informou que uma nova petição foi enviada em junho pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitando prioridade no julgamento. Recorrendo da colaboração com os Estados Unidos, a decisão depende, agora, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nas mãos do ministro Jorge Mussi, desde o dia 5 de abril.

Em três de dezembro, o Departamento de Justiça dos EUA indiciou Del Nero e Ricardo Teixeira. Investigados pelo FBI, foram acusados formalmente de receber propinas em contratos comerciais da CBF. Enquanto as apurações contra Teixeira aqui já eram travadas, o governo norte-americano tentava outra cooperação, no fim do ano passado, para que Del Nero fosse preso ou prestasse depoimento às autoridades.

Mas o despacho dos desembargadores da segunda instância enterrou de vez as possibilidades de cooperação, até agora.

O caso de Del Nero ainda implicava nas suspeitas de pagamentos feitos por J. Hawilla, dono da Traffic, que compartilhou com a Klefer um contrato que detinha junto à CBF para a Copa do Brasil, a partir de 2011. A polícia norte-americana descobriu que a Klefer se propôs a pagar R$ 128 milhões pelo torneio entre 2015 e 2022, minando as chances de Hawilla.

Para isso, a Klefer também repassaria uma propina anual a um cartola da CBF, não revelado. Mas, após um acordo comercial, Hawilla e Klefer decidiram fechar um entendimento, beneficiando-se ambos: a partir de 2012, a propina seria paga pelos dois, em quantia elevada. A suspeita é que os beneficiários desse repasse eram José Maria Marin, preso em Zurique e extraditado aos Estados Unidos, e Del Nero.

Mas enquanto Marin foi preso, o ainda presidente da CBF está apenas impedido de viajar ao exterior, desde a deflagração do esquema, em maio de 2015. A Justiça americana analisa depósitos e pagamentos feitos pela Traffic nos EUA, assim como da Klefer, para relacionar o cartola brasileiro ao esquema. Mas os documentos detidos pela justiça brasileira impedem o avanço do caso.

Paralelamente, o Comitê de Ética da Fifa encaminha investigações para punir Del Nero. Sem sair do Brasil, protegido sob o risco de ser preso no exterior, o cartola se manteve no posto de presidente da CBF. Mas a imagem para os dirigentes brasileiros vem pressionando para que o alto escalão da Fifa agilize o processo e suspenda-o do futebol até o final deste ano.

Fonte: Jornal GGN

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