Lutar ao máximo para evitar o rebaixamento dos acordos coletivos

Imagem de capa: Fabricação de aço, 1930, Alexander Kuprin

Por José Álvaro Cardoso.

Obviamente cada categoria, juntamente com seu respectivo sindicato, têm autonomia para tomar decisões acerca da negociação coletiva. No entanto, a equipe do DIEESE tem orientado os dirigentes à resistirem ao máximo a propostas de acordo com perdas, sejam salariais ou de outra natureza. As razões para defendermos tal posição são várias:

1º) Reajuste salarial não deveria nem ser objeto de discussão nas mesas. Se não houver correção monetária nos salários, o trabalhador vai perdendo poder aquisitivo a cada negociação. A reposição de perdas deveria ser um pressuposto da mesa de negociação, especialmente com a inflação geral nos patamares em que se encontra, em torno dos 3%;

2º) Além disso, devemos observar as especificidades da inflação. Os índices gerais estão em torno de 3%, mas os alimentos têm aumentado em ritmo bem superior à média inflacionária. Segundo o DIEESE, na pesquisa de Cesta Básica de Agosto, 8 das 17 capitais pesquisadas, apresentaram variações anuais acima de 15%. Em Florianópolis uma CB está custando R$ 530,42 e aumentou 14,26% em 12 meses. Esta é uma cesta para uma pessoa adulta suprir suas necessidades;

3º) Quanto mais baixo o salário, maior o peso relativo dos alimentos sobre o orçamento. Uma família que tenha renda domiciliar de R$ 1.500,00, que tenha apenas um membro da família empregado, provavelmente gasta a totalidade dos recursos com comida, limpeza e higiene. É o que acontece com uma parcela muito expressiva dos trabalhadores brasileiros, especialmente neste momento;

4º) Além disso, inflação de alimentos é um mecanismo adicional de transferência rápida de renda dos mais pobres para os mais ricos, que assim enriquecem ainda mais com a fome e a piora de vida da população mais pobre. E a fome está aumentando rapidamente. Segundo o IBGE, na população de 207,1 milhões de habitantes em 2018, 122,2 milhões eram moradores em domicílios com segurança alimentar, enquanto 84,9 milhões viviam com algum grau de insegurança alimentar. Ou seja, mais de 41% dos brasileiros, em 2018, penavam algum grau de insegurança alimentar (hoje, claro, a situação está pior);

5º) O salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE, em agosto, foi de R$ 4.536,12. Este é o mínimo necessário para uma família de 4 pessoas, dois adultos e duas crianças. Equivale atualmente a 4,3 salários mínimos. Este indicador, bastante simples, revela como os salários médios no Brasil são baixos;

6º) Em função dos salários serem extremamente baixos, e a cesta alimentar para uma pessoa custar acima de R$ 500,00, boa parte das negociações, na prática, são negociações “por comida”. Ou seja, o trabalhador negocia o direito a colocar comida na mesa, e alimentar a sua família, no próximo ano. Este fenômeno é agravado pelo fato de que, tirando um segmento pequeno da classe trabalhadora brasileira, os acordos são extremamente pobres, não dispõem de muito benefícios e outras vantagens;

7º) Nos últimos anos tem aumentado a exploração dos trabalhadores, através da destruição de direitos, dos benefícios existentes, ou da redução dramática do número de trabalhadores em cada local de trabalho, obrigando os que permanecem a acelerar o ritmo de trabalho;

8º) Toda a negociação salarial é feita com base em índices que medem a inflação no varejo. O problema é que, no atacado, temos o dobro do acumulado dos índices de varejo. Enquanto o INPC totalizou menos de 3%, entre outubro de 2019 e agosto, o IGP-M (calculado pela Fundação Getúlio Vargas) entre setembro/19 a agosto/20 ficou em 13,02% (334% acima). Um IGP-M acima de 13% em 12 meses, significa que os preços no Atacado (que compõem 60% do referido índice) estão aumentando num ritmo acima dos preços ao consumidor. Mais cedo ou mais tarde, tal aumento será repassado ao varejo, de forma mais ou menos veloz, a depender de outras variáveis, como nível de retomada do crescimento, nível de emprego, etc. Por isso é importante o aumento real. No primeiro semestre de 2021, a inflação anual poderá subir bastante, o que levará a queda inevitável e rápida do poder de compra.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

#AOutraReflexão
#SomandoVozes

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.