Livros que Amei…

Por Magali Moser.

Livros que Amei é o nome da série exibida pelo Canal Futura toda a terça, às 22h30min. A cada programa, a série apresenta os três livros mais marcantes na vida de personalidades convidadas. Desde que o descobri, tornou-se programa obrigatório na minha rotina. Discutir preferências literárias e perceber a maneira como as leituras influenciaram a transformação e o modo de pensar de cada um são sempre práticas enriquecedoras. E se tivesses de escolher, quais seriam os três livros de tua vida? Ao fim do programa eu inevitavelmente me vejo fazendo esta pergunta. Este ano tive uma ótima surpresa literária com a leitura de A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera. Certamente estaria na minha lista dos melhores.

A obra foi adaptada para o cinema por Fhilip Kaufman quatro anos depois do lançamento do livro, em 1988. O filme não deixa a desejar. Mas é o livro, carregado de simbolismos, que desconcerta e desequilibra. Há tempos ouvia indicações desta que é considerada uma obra-prima da literatura contemporânea. Resisti à leitura. No entanto, depois que comecei as primeiras páginas, fui absolutamente absorvida pela história. A Insustentável Leveza do Ser é um livro que se lê de forma compulsiva. Tomas, Teresa, Sabina e Franz nos conduzem para uma profunda e densa reflexão da existência humana que por vezes incomoda. No decorrer da trama, os personagens se entrelaçam. Cada um trava uma batalha para resolver seus dramas pessoais e crises existenciais. O romance se passa na cidade de Praga em 1968, durante o período subsequente à “Primavera de Praga”. A instável situação da Tchecoslováquia serve não só de pano de fundo para a trama. O contexto político em alguns momentos interfere na trajetória dos personagens.

As percepções do próprio autor dão o tom do romance. Temas como leveza e peso (Parmênides), compaixão, e o eterno retorno (Nietzsche) acompanham os personagens. Depois de começar a ler o livro emprestado de um amigo, não descansei até adquiri-lo. Encontrei a obra num sebo do Centro por R$ 6 (!) e cedi à tentação de sublinhar as partes que mais me tocaram. São trechos que sintetizam a riqueza da reflexão feita por Kundera.

Para o autor, só podemos tomar a mesma decisão uma única vez, porque a vida não permite ensaios. Ainda quando surge a chance de refazermos as nossas vidas, as circunstâncias, a conjuntura envolvente já não é a mesma. O conjunto de variáveis já se alterou. Portanto, a decisão já não é a mesma. No conceito de “eterno retorno”, de Nietzsche, a vida seria cíclica, estaríamos fadados a reviver eternamente as mesmas dores, carregar os mesmos pesos. Eis o mais pesado dos fardos. Continuaríamos a procura desenfreada por um sentido para a vida se reconhecêssemos que tudo seria eternamente repetido na infinitude do tempo?

Kundera explora ainda os valores absorvidos pela sociedade e a busca do ser humano na tentativa de se libertar de imposições e padrões pré-estabelecidos. A ambivalência está presente em toda a obra, a começar pelo título. A dicotomia entre “leve” e “pesado” permeia as reflexões sobre as relações afetivas entre homens e mulheres. Tomas, o médico tcheco dividido entre duas belas mulheres, Teresa e Sabina, procura saber o que é mais importante na relação amorosa: o peso ou a leveza. Qual deles é o pólo positivo e qual o negativo?

Sabina é a beleza sensual, a leveza, a paixão, a liberdade. Ao contrário, Teresa é uma jovem garçonete carente que consegue prender Tomas usando da compaixão. Ele no entanto se envolve com várias mulheres. Para Tomas, o milionésimo de diferença que separa uma mulher de outra só é possível vivenciar através da sexualidade. Mas para ele as traições não alteram seu amor por Teresa. A leitura nos remete a uma reflexão sobre nossas próprias contradições e paradoxos.

Boas leituras são capazes de provocar verdadeiras metamorfoses. Alterar o modo como toda uma geração observa o mundo que a rodeia. Livros transformam o mundo e as pessoas, diz o slogan da 22ª Bienal do Livro de São Paulo este ano. A Insustentável Leveza do Ser é daqueles livros que te provocam, enchem de interrogações, derrubam lógicas pré-concebidas. A leitura do livro terminou, mas os questionamentos gerados a partir dele, seguem sem respostas, reforçando a máxima de Kundera: “Todo o romance não é senão uma longa interrogação”.

 

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