Kerry em Havana: compromisso com Cuba rende mais aos EUA do que isolamento, diz analista

A bandeira dos Estados Unidos será hasteada novamente em Havana nesta sexta-feira (14/08), em uma cerimônia que concluirá a reaproximação diplomática entre os dois países. O evento terá como destaque a presença de John Kerry, o primeiro secretário de Estado norte-americano a pisar na ilha desde 1945. A visita acontece menos de um mês após a restauração oficial dos laços diplomáticos com a reabertura das embaixadas, em 20 de julho passado. Os dois governos romperam relações em 1961, após a revolução castrista.

Para muito além do símbolo do hasteamento da bandeira, a chegada do chanceler norte-americano “marca o fim da era da Guerra Fria, abrindo o caminho para o aumento do comércio e do investimento”, ressalta Diego Moya-Ocampos, analista sênior do IHS Country Risk, consultoria com sede em Londres. Ele afirma, porém, que isso não implica o fim do embargo econômico contra a ilha, e que as mudanças serão graduais, “minadas pelas exigências dos EUA em termos de reformas políticas e econômicas”.

Agência Efe
Embaixada HavanaFachada da sede da Embaixada dos EUA em Havana, onde John Kerry irá hastear a bandeira norte-americana

Leia abaixo os principais trecho da entrevista concedida por Diego Moya-Ocampos a Opera Mundi:

Opera Mundi: Qual é a importância da viagem de Kerry a Cuba?
Diego Moya-Ocampos:
Ela marca o fim da era da Guerra Gria, abrindo o caminho para o aumento do comércio e do investimento. A viagem vai muito além do simbólismo. É um grande passo adiante rumo à normalização das relações. Também é um sinal claro de que, para o governo de Barack Obama, a política de engajamento e compromisso com as autoridades cubanas está rendendo muito mais do que o isolamento

OM: Os Estados Unidos e Cuba restabeleceram relações diplomáticas no mês passado com a abertura das embaixadas. No entanto, o embargo comercial dos EUA contra Cuba continua intacto. Isso deveria persistir?
DMO:
Acho que sim. É pouco provável que o embargo contra Cuba seja totalmente removido enquanto os republicanos ainda controlarem o Congresso dos EUA. Também é provável que seja mantido até 2018, quando o presidente Raúl Castro deverá sair do poder — pelo menos até que Cuba envie indicações firmes de abertura no que diz respeito à questão dos dissidentes, mas até agora, não há nenhum sinal disso. As autoridades cubanas deixaram claro seu objetivo de perpetuar o sistema político de partido único, um singularidade no hemisfério ocidental.

OM: A candidata democrata Hillary Clinton expressou claramente seu apoio à normalização das relações entre os EUA e Cuba, inclusive pedindo ao Congresso que levantasse o embargo. Por outro lado, alguns candidatos republicanos prometeram, caso sejam eleitos, recuar e voltar a endurecer o tom contra Havana. Que impacto Cuba terá sobre as eleições norte-americanas de 2016?

DMO: Será sem dúvida muito importante no estado da Flórida e de forma mais ampla entre a população “latina”. Várias pesquisas estão sugerindo que os cubano-americanos querem que o embargo seja removido, mas no sul da Florida, as coisas não são tão claras. Lá, uma parte da população cubano-americana tem o sentimento contrário.

Diego Moya-Ocampos é analista da consultoria IHS, com sede em Londres

Diego Moya-Ocampos é analista da consultoria IHS, com sede em Londres

OM: O senhor acha que os Estados Unidos vão condicionar a abertura comercial à abertura política?
DMO: Certamente. Aliás, acho que o trabalho de aproximação entre ambos os países são suscetíveis de serem minado pelos esforços dos EUA de incentivar uma reforma política e econômica, e pelo provável envolvimento de Washington com atores da sociedade civil.

OM: O senhor acha que, após a visita de John Kerry, ocorrerá aumentos velozes em comércio e investimentos?
DMO: O embargo restringe as possibilidades de desenvolvimento rápido. O comércio e os investimentos vão aumentar, mas continuarão enquadradas como atividades de assistência humanitária ou educacional. O que vai mudar é que, a partir de agora, seções do governo norte-americano ligadas aos departamentos de Comércio e Tesouro terão mais espaço para conceder licenças neste contexto de comércio ligado a atividades humanitárias em Cuba. Estas poderiam incluir a venda, a exportação ou a reexportação de medicamentos e de material médico, alimentos e commodities agrícolas para a ilha, mas também serviços financeiros, aéreos e marítimos.

OM: Existe a possibilidade de que, frente à ameaça de destabilizaçao da economia, as autoridades cubanas sejam tentadas a aumentar o controle do Estado sobre a economia no curto prazo em vez de uma liberalização gradual?
DMO: Se as elites do Partido Comunistas perceberem que há ameaças, é provável que as coisas caminhem de modo mais devagar. A atual liderança cubana quer ter certeza de que as alterações no sistema político não coloquem em perigo o status quo, e que a nova liderança nacional emergente esteja alinhada à visão do partido.

OM: Para evitar uma futura dependência muito alta dos EUA, Cuba construiu, há anos, laços com países de America Latina e Europa. Este movimento vai continuar?
DMO: Sem dúvida. Existe já um comércio significativo com parceiros latino-americanos regionais, como o Brasil e os países do Caribe. Os europeus também são já bastante presentes, sobretudo Itália, Espanha e França. O problema é que fica difícil para novos atores entrar no jogo enquanto durar o embargo dos EUA. As empresas ocidentais que operam nos EUA podem ser expostas a sanções a menos que obtenham uma licença do Tesouro norte-americano, mas que se limita a assistência humanitária.

Fonte: OperaMundi.

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