José Gregori: ‘mazela carcerária atravessa governos e ideologias’

Diante da crise escancarada pelos massacres em presídios do Amazonas e de Roraima no início de 2017, o Nexo conversou com quatro ex-ministros da Justiça para saber por que o Brasil convive há tantos anos com superlotação, rebeliões e mortes violentas em seu sistema prisional.

As entrevistas estão reunidas nesta série de “Expressos”, que teve início na segunda-feira (16) com José Carlos Dias, titular da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, e segue nesta terça-feira (17) com José Gregori, outro ministro da gestão tucana. Além deles, serão publicadas ainda entrevistas com Tarso Genro, que comandou a pasta no governo Luiz Inácio Lula da Silva, e com José Eduardo Cardozo, ministro da área no governo da também petista Dilma Rousseff.

A cada um deles, foi feita uma única pergunta: “Se o problema prisional brasileiro tem um diagnóstico tão unânime — do fracasso da política de encarceramento em massa, da morosidade da Justiça em analisar o caso dos que já cumpriram pena, da necessidade de reforma na lei de drogas, de estabelecer a audiência de custódia e de tratar com celeridade a situação das pessoas mantidas nos Centros de Detenção Provisória —, por que afinal é tão difícil solucionar essa crise endêmica, mesmo tendo ocupado um cargo tão influente quanto o de ministro da Justiça, que o sr. ocupou?”

Gráfico carcerário

 José Gregori foi ministro da Justiça de abril de 2000 a novembro de 2001, durante o segundo e último mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ele sucedeu José Carlos Dias no cargo, cuja entrevista foi publicada pelo Nexo na segunda-feira (16).

Gregori vinha da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (1997-2000) e, assim como Dias, havia militado na defesa de presos políticos durante a ditadura militar (1964-1985).

Foi na passagem de Gregori pelo governo federal que o Brasil formulou seu primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos. O documento dava peso institucional inédito a princípios que haviam sido negados até a redemocratização. Hoje, o Plano está em sua terceira versão.

No período em que Gregori respondeu pela Justiça, o número de presos no Brasil cresceu 0,45%. Foi pouco, se comparado com o ritmo de crescimento em outros anos. Na gestão anterior, de José Carlos Dias, por exemplo, o crescimento havia sido de 19,9%, de acordo com dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias). Abaixo está a resposta de Gregori:

‘Pouco mudou em mais de dez anos’- José Gregori- Ministro da Justiça em 2000 e 2001.

“Fazer um viaduto é um problema de cálculo e de matéria-prima. Reformar uma pessoa que está em conflito com os valores da sociedade é muito mais difícil.

Não obstante — como eu me convenci de que esse é um problema que requer medidas concretas, que não basta ficar indignado, fazendo diagnóstico crítico — fiz coisas que deram resultado.

Eu fiz por exemplo o primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos da história. E trabalhei muito para desativar o presídio do Carandiru [onde 111 presos haviam sido mortos pela polícia em 1992, no maior massacre do sistema prisional brasileiro].

‘A política de direitos humanos é uma coisa recente no país. Ela tem mudado, mas não o suficiente para colocar a questão prisional como uma coisa importante’

O mérito não é só meu, pois nesses assuntos difíceis é difícil ter um responsável único. São coisas que não podem ser reivindicadas por uma única pessoa, às vezes nem por um governo só. Mas, sem ofender a modéstia, eu posso dizer que fui decisivo na desativação do Carandiru.

Coisas como essas não podem ser deixadas por último numa gestão. Elas são, ao contrário, muito importantes, não só do ponto de vista dos direitos humanos e da paz social, mas também para a imagem do país.

O problema é que, no meu tempo, essa não era uma questão que a sociedade valorizasse. Em todas as questões de governo, você precisa — numa escala de um a dez — pôr cinco de força. Na questão prisional você precisa pôr dez de força. A sociedade não te ajuda. A sociedade acha que bandido bom é bandido morto.

A política de direitos humanos é uma coisa recente no país. Ela tem mudado um pouco essa visão, mas não o suficiente para colocar a questão prisional como uma coisa importante.

Na repartição de recursos, por exemplo, na hora de definir a prioridade de um governo, dificilmente, o ministro da Justiça, por mais competente que fosse — e eu me refiro, pelo menos, ao meu tempo — tem dificuldade imensa quando se trata de conseguir melhoras nessa área.

Existe uma ideia arraigada na sociedade de que essa questão é insolúvel. As pessoas acham que você até muda uma planta torta, mas não muda o destino de pessoas que fazem coisas erradas.

Então, há dificuldade no governo, na hora de eleger prioridades, sobretudo financeiras. E você tem um problema com a sociedade também. Só agora é que a sociedade está se dando conta de que um mau tratamento da questão prisional só agrava o problema, não melhora o problema.

Em dez anos, isso mudou pouco. E é algo que atinge governos diferentes, é da sociedade, não é ideológico. Então, é preciso começar pelos direitos humanos, que é o básico. Sem isso não vai se alfabetizar as pessoas numa outra visão.”

Fonte: Nexo. 

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