Homo Eroticus, Super Macho

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Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info

Ontem, dando uma rápida lida durante o plantão de redes em Desacato.info olhei algumas notícias de importância, como as vitórias da Argentina e da Palestina na ONU, aí me deparo com um assunto que motivou milhares de alcances, curtidas e compartilhamentos. Como não sou jornalista especializado em gênero nem em saúde mental, vou declinar de elaborações labirínticas e, na condição de cidadão, vou repassar aos leitores do Portal uma postagem no facebook do Desacato que me teve como irônico ‘perguntador’.

Primeiro preciso dizer que o tema que estava sendo abordado por comentários inúmeros e grande compartilhamento era mais um fato infeliz do comentarista da corte RBS, Cacau Menezes, sobre uma policial militar. Esse comentário valeu rápidas notas de repúdio do Coletivo “Jornalismo sem Machismo” (http://desacato.info/destaques/nota-de-repudio-a-coluna-de-cacau-menezes-no-diario-catarinense/) e Associação de Praças de Santa Catarina, cuja colega foi maltratada por essa criatura.

É bom lembrar que esses comentários não podem ser só imputados ao consorte social da rede sulista. Gosto muito de ouvir futebol e, em certas horas da noite a emissora que costumo escutar, desaparece do meu radinho e me vejo obrigado a colocar CBN Diário, veículo da família monopólica. Ali, tanto os quadros “humorísticos” de fim de transmissão, de um tal Tarrafa, colecionador de frases célebres como esta: “As mulheres perdidas são as mais procuradas”, ou esta outra “ Mulher gorda é que nem Ferrari… quando sobe na balança vai de zero a cem em um segundo.” , como um narrador em particular, de nome Salles Jr., não perdem a oportunidade de fazer comentários semelhantes aos do socialite Menezes. Neste último domingo, o narrador referiu-se à Parada Gay como espaço onde tudo vale, em comentário de passagem. Pareceria que a parada gay fosse, para o emotivo locutor, uma projeção da RBS, onde sim, visivelmente, tudo vale.

Em fim, chega de rodeios. Vamos ao fato acontecido no facebook. Um leitor circunstancial do nosso Facebook, por causa das críticas ao comentarista Menezes, cujos sobrenomes estão relacionados à classe alta de Florianópolis, e evitarei de publicar para protegê-lo do ridículo, escreveu:

Que palhaçada!! Não há qualquer Machismo em apreciar a beleza. Mulheres são lindas. Mulheres se arrumam porque querem ser admiradas. Mulheres tem cabelos lindos, rostos lindos e delicados, seios lindos, cinturas lindas, quadris e bundas lindas, pernas lindas, pés lindos e a maioria (exceto as feministas) tem mentes lindas. Sabem disso e se vestem para realçar sua beleza. Acham que a soldado da foto está usando uma calça justa porque quer passar desapercebida? Acham que a soldado da foto está usando o lindo rabo de cavalo para passar desapercebida?” Acrescentando um emoticon sorridente.

Dentre o disparatário, chamou-me poderosamente a atenção a seguinte parte: “(exceto as feministas)”. Então, no embalo de brincar com o machão lhe respondi: “Amigo (nome…) desculpe a pergunta de um jornalista velho, redator, com 60 anos de idade, hétero e convencional: Por que as feministas não tem uma mente linda?” E assinei: Redator da noite.

Gentilmente, o convicto homem me respondeu: “Porque estão poluídas com ideias tolas, caro jornalista. São lindas, mas não querem ser admiradas. Querem fazer topless, mas não querem que olhemos para seus lindos seios; se depilam, mas não querem que admiremos suas lindas pernas, se maquiam e se vestem para realçar seus belos atributos, mas querem que ajamos com indiferença. Tolas…” Mais tarde constatei que seguiu o debate com outra leitora.

Desligado o computador, depois de tão edificante leitura, pairou em mim a necessidade de partilhar estes comentários. Vejam, não acho que o cidadão que escreveu isto tenha tido, embora o fez, vontade de ofender. Não. Acontece que a sociedade de Florianópolis, como muitas outras, está doente porque tem modelos doentios e formatadores de ideias infames.

Quando lia as palavras deste pobre leitor, me lembrava do simpaticíssimo filme italiano de 1971, Homo Eroticus, Super Macho, com a magistral atuação do ator e cantor Lando Buzzanca, época em que o cinema italiano se debruçava com as primeiras críticas corrosivas ao machismo da sociedade ocidental. Um ano depois, veio o filme de Lina Wertmuller, com Agostina Belli, Giancarlo Giannini e Mariangela Melato, “Mimi, metalúrgico, ferido na sua honra”, outro clássico do cinema que ironizava as condições machistas na máfia italiana.

Acontece que quando na sua simplória e trôpega mensagem, este leitor pretendeu lisonjear as qualidades femininas, me lembrou, inevitavelmente, a um promotor de produtos quaisquer. Colocou a modo de exaltação das qualidades femininas, conceitos adequados para a venda de bens tais como um bom quilo de alcatra, um armário novo, uma moto último modelo. Faz algumas referências patéticas, pés lindos, seios lindos, realçando a coisa-mulher, o objeto-mina. Mulher que usa “rabo de cavalo”, doravante, sabe, graças a este pobre senhor, que o usa, para chamar a atenção, para atrair, do mesmo jeito malévolo que a roupa que a soldado teria usado, para chamar a atenção dos homens.

A desgraça é que este cidadão, que afirma que as feministas “estão poluídas com ideias tolas”, este Homo Eroticus, está contaminado por uma sociedade comunicacionalmente deformada, socialmente mal educada, governada por uma elite escrota, ordinária, grosseira, impudica, vulgar, rasa, para a qual, basicamente, toda mulher é puta, degradada e quando a pretende lisonjear se usa dos mesmos conceitos que os reis medas e persas, para citar alguns, usavam para destacar as qualidades dos pobres eunucos, castrados contra sua vontade e escravos dos desejos nojentos dos seus senhores, tal como nos narra o livro O Garoto Persa, de Mary Renault, sobre a vida e época dos reis Alexandre Magno e Dário.

Se o mais importante de uma mulher são seus seios, seus pés, seus longos cabelos, bundas, quadris, aproveitarei minha vida de velho solteiro e comprarei uma boneca inflável de plástico, e satisfarei meus mais sensitivos pensamentos sobre o amor humano, em todas suas formas e dimensões. Se o plástico furar, comprarei outra, e outra, e outra. Viva o onanismo!

E continuem outorgando concessões a essas emissoras até que a civilização desapareça da Terra.

Imagem: Cena do filme “Homo Eroticus”

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