‘Estranho Encontro’: o cinema brasileiro encontra seu ‘Crepúsculo dos Deuses’

Imagem: Divulgação/ Cineplot.

A Companhia Cinematográfica Vera Cruz, antes conhecida por Brasil Filmes, foi uma das mais brilhantes do cinema brasileiro durante a segunda metade dos anos 1950 até meados dos anos 60. Em seu segundo longa-metragem, Estranho Encontro (1958), o brilhante diretor Walter Hugo Khouri não desperdiçou de seu talento como diretor e dos recursos de ponta da produtora. Inspirado nas grandes produções hollywoodianas do período, a qualidade do filme ostenta o glamour dos filmes de época: desde a trilha sonora de Gabriel Migliori aos enquadramentos e sombras característicos do film noir.

Na narrativa, o jovem Marcos (Mario Sergio), um rapaz atraente e bon vivant, encontra na estrada uma moça atordoada, a doce Júlia (Andrea Bayard). Fatalmente encantado pela fragilidade da mulher, Marcos a leva para uma grande mansão, a qual diz ser de uma prima. As fatalidades, no entanto, fazem ambos revelar a inconveniente situação em que se encontravam: Júlia estava fugindo de seu marido, Hugo (Luigi Pichi), um ex-combatente de guerra bastante sisudo, viciado em relógios e estranhamente compulsivo pela companhia da jovem. Já Marcos, na verdade, vivia na casa da amante (Lola Brah), uma rica mulher que viajava de tempos em tempos e tinha uma vida regada de luxo.

‘Estranho Encontro’ pode ser considerado facilmente um dos mais emblemáticos filmes do cinema nacional do período.

Se por um lado Júlia procurava em seu marido uma certa estabilidade emocional, Marcos encontrava na sua amante o dinheiro que precisava para quitar suas dívidas. O encontro entre os dois, guiado pelo medo de um e pela fatalidade do acaso para outro, não os impede de se apaixonar e querer fugir da situação que se encontravam. É interessante frisar que o filme teve suas cenas gravadas em uma grande propriedade em São Bernardo do Campo, no interior de São Paulo. A vista para um grande lago e a paisagem natural do espaço é uma constante durante todo o longa-metragem. O grande mérito de Khouri também é de filmar grandes ângulos, especialmente no que se refere à ambientação.

Ao frigir dos ovos, o roteiro de Estranho Encontro muito se parece com o clássico estadunidense Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder. Por exemplo, no filme do norte-americano Joe Gillis, interpretado por William Holden, também se refugia numa decadente mansão de uma mulher rica, Norma Desmond (Gloria Swanson). Além disso, as sombras e a trilha sonora em muito remetem ao cinema do diretor americano. A trama de Khouri, no entanto, desemboca em outro patamar. Ao contrário do filme de Wilder, as personagens femininas de Estranho Encontro são menos estigmatizadas pela fragilidade, especialmente a amante de Marcos. Há até, de certa forma, uma espécie de olhar sutil em torno das relações entre mulheres, uma sororidade que raro se via em produções do período.

Com uma belíssima direção de arte e um enredo pouco monótono, Estranho Encontro pode ser considerado facilmente um dos mais emblemáticos filmes do cinema nacional. É o marco de uma época em que as influências norte-americanas faziam parte do âmago do fazer cinematográfico. Ainda assim, é possível notar leves nuances de Khouri enquanto diretor: seja pela complexidade de suas personagens, que mais tarde o levaria a dirigir filmes geniais como Noite Vazia (1964) e O Palácio dos Anjos (1970), seja pelo seu modo muito particular de enquadrar a câmera e trazer a sombra para os seus longas-metragens.

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