Escolham seus lados, só não vê quem não olha pra história

O acordo está claro. Os dados foram lançados. Escolham seus lados, não há o que esperar. Só não vê quem não olhou o suficiente para trás.

RIO DE JANEIRO,RJ,27.08.2017:PROTESTO-RJ – Manifestantes realizam protesto pedindo a volta da ex-presidente Dilma Rousseff, na Rua Joaquim Nabuco, em Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro (RJ), neste domingo (27). Manifestantes do protesto contra a impunidade e pela renovação, convocado pelo movimento Vem Pra Rua, se encontraram com o grupo. A polícia militar fez a segurança dos manifestantes favoráveis à volta da ex-presidente. (Foto: Alessandro Buzas/Futura Press/Folhapress)

Por Carla Borges.

Quando a gente falava que era importante conhecer o passado para não repetir as atrocidades da ditadura militar, não era pura retórica. Lamentavelmente, nunca foi algo tão atual.

Comparar ontem e hoje passa por muitas frentes. São incontáveis as analogias. E maiores, conforme avança o novo golpe. Uma das mais importantes é denunciar as permanências da violência de Estado, que segue lastimando corpos, sobretudo corpos negros – desde sempre. Mas vai além. É preciso também compreender de que forma as estruturas autoritárias se arrastam, sorrateiras, até o bote fatal. Caminham lentamente, estrategicamente, forjando legalidade e conquistando a opinião pública até a maioria achar que é normal.

Assim foi no Holocausto, com a poderosa propaganda nazista que cegou a tantos. Ou com o Apartheid, que convenceu que direitos eram só para alguns. E com a escravidão, que igualou pessoas a coisas e imprimiu em sua pele marcas da submissão. Não foi diferente com o regime militar, que prometeu, não por coincidência, instalar-se “para limpar o país da corrupção até a ordem se restabelecer“. Ali ficaram por 21 sangrentos anos, com 70 mil torturados e milhares de mortos e desaparecidos políticos, incluindo tribos inteiras, camponeses, jovens vítimas dos grupos de extermínio.

Há tempos dizemos vivenciar um golpe, mas de fato não paramos para enfrentá-lo como tal. Então ele ganha nuances sofisticadas – ou, no nosso caso, mais perversas mesmo – de toda forma, cada vez menos controláveis. Uma sucessão de golpes dentro do golpe a nos nocautear.

Hoje, quem tem olhos e ouvidos atentos sabe que tomamos mais uma entrada de direita no maxilar. Sem nem nos recuperarmos do ataque a Marielle – assim como a Edson Luís, há exatos 50 anos – assistimos chocados o cerco se fechar. A declaração do comandante das forças é clara, ecoada com entusiasmo em cadeia nacional. Uma chantagem entoada na cara dura, ovacionada pelos barões oligárquicos, na frieza de quem calcula cada movimento que faz.

E aquela cena, que parecia tão inverossímil pra alguns lá atrás, insiste em se anunciar. Cada vez mais nítida, escrachada, incontornável. A suspensão das eleições soaria absolutamente absurda, não fosse a meticulosa propaganda servida fresca nas casas brasileiras a cada jantar.

Um golpe, para ser certeiro, nunca se faz de uma só vez nem por uma única mão. Estão ali, há muito entrelaçadas, as da grande mídia, do legislativo, do judiciário e, agora, mais recentemente, também as desse executivo ilegítimo que se agarra a qualquer possibilidade de permanência, para passar reformas impensáveis, inelegíveis, custe o que custar.

Certamente, vão fazer parecer que vai tudo muito bem, obrigada. A bolsa bombando, a economia se recuperando lindamente, os jornais aclamando uma prisão completamente inconstitucional. Até a Copa é bem capaz de a gente ganhar – não seria ideia nova. Só que antes de melhorar mesmo, ainda tem muito o que piorar. Não está tudo bem, como não estava 54 anos atrás. Como, na verdade, nunca esteve de fato nesse tempo todo em que recusamos a olhar pro que restou de lá.

O acordo está claro. Os dados foram lançados. Escolham seus lados, não há o que esperar. Só não vê quem não olhou o suficiente para trás.

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