Entre mixofobia e mixofilia

O prefeito de Cannes proibiu o acesso à praia àqueles que usarem roupas que não respeitem o secularismo. Foto: Reuters
O prefeito de Cannes proibiu o acesso à praia àqueles que usarem roupas que não respeitem o secularismo. Foto: Reuters

Por Thiago Burckhart, Blumenau, para Desacato.info.

Em seu recente livro intitulado “Sobre Educação e Juventude”[1], Zygmunt Bauman analisa, a partir das conversas com Riccardo Mazzeo, o papel da educação no mundo contemporâneo, marcado por incertezas e liquidez, onde não há mais visão clara de futuro. Trata-se de uma problemática que atinge diretamente a juventude, esta parcela da população que vive à mercê de políticas de Estado, de modo que muitos dos tomadores de decisão pensam e reverberam que o “problema dos jovens” não é mais prepara-los para o futuro, mas adestra-los para o consumo, para tornarem-se bons consumidores.

A crise do sistema de educação, aliada à crise ética, estética, política e econômica, produz o cenário perfeito para a proliferação daquilo que Bauman chama de mixofobia. A mixofobia é o típico medo de se envolver com estrangeiros, o diferente, o desconhecido. Este medo é alimentado por discursos vazios e demagogos que passaram a ganhar notoriedade nos meios social e político contemporâneos. A crise migratória no mundo que vem interferindo diretamente na Europa – mas também, no Brasil e em demais países –, alimenta a expansão do sentimento mixofóbico em grande parte do mundo. No entanto, este mesmo acontecimento também pode impulsionar o desenvolvimento do sentimento de mixofilia (o oposto da moxofobia) que é o prazer de estar em um ambiente diferente e estimulante.

A questão da diferença é premente hodiernamente, e o modo pelo qual lidamos com o outro não trata-se somente de uma questão ética e individual, mas também é um dos principais desafios de um projeto de educação libertadora.

Culturas que se fecham

A dialógica que permeia o processo do contato com o outro, diferente, pode ter dois resultados principais, tanto de abertura quanto de fechamento cognitivo e cultural. Numa visão geral, pode-se dizer que esses dois processos ocorrem no atual contexto sócio-político em escala mundial. O processo de “fechamento de culturas”, que se desenvolve tanto em países “autoritários” como em “democráticos”, é um ameaça à construção de um projeto humanista e cosmopolita de humanidade, pois contribui para uma cegueira cultural pelo qual sociedades se inserem. Ademais, esse processo nega a singularidade de cada sujeito e o seu direito de ser, aparecer e atuar.

A recente proibição do uso do “burquini” em diversas cidades litorâneas francesas é o retrato desse fechamento cultural. A alegação do primeiro-ministro francês de que o burquíni não é compatível com os “valores franceses e republicanos” evidencia a incapacidade de governos “democráticos” lidarem com a própria democracia e a liberdade de expressão. Proibir o burquini, como afirma a jornalista italiana Bia Sarasini, atenta contra liberdade das muçulmanas de banhar-se de modo compatível aos princípios delas, sendo uma medida que pouco se distingue da imposição pelo Estado iraniano de utilização do hijab às mulheres.

Os governantes, como afirma Bauman, ganham apoio eleitoral culpando os imigrantes, por sua relutância, genuína ou putativa, em “se integrar” aos padrões dos nativos. Nesse processo, depreciam ou solapam os mesmos padrões que afirmar estar protegendo da invasão estrangeira[2]. Nesse sentido, as políticas culturais assimilatórias na perspectiva clássica do Estado-Nação não são mais adequadas para o momento histórico que vivemos, marcado pelas redes, pelas trocas inter-culturais e epistemológicas.

Este é sem dúvida apenas um exemplo dentre inúmeros de fechamento cultural e busca por uma (inexistente) pureza. No caso, a “outra” é a mulher muçulmana que tem sua liberdade tolhida por uma determinação governamental. Essa medida, entretanto, contribui para o crescimento da islamofobia na França e em grande parte da Europa. Elege-se a figura do muçulmano enquanto bode expiatório nesse processo e assim a mixofobia se enraíza e se reproduz. O “outro” nesse processo tem nome, cor, religião, gênero e sexo, e evidentemente não faz parte do padrão estético europeu imperante.

Uma educação libertadora deve e necessita estar aberta epistemologicamente para o diferente, abrindo espaço para a construção de uma cultura que leve a mixofilia em consideração como proposta ética, política e cultural.

[1] BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude. Conversas com Riccardo Mazzeo. Traduação de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro : Zahar, 2013.

[2] BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude, p. 10.

Thiago Burckhart é estudante de Direito.

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