Em marcha, romeiros/as recordam genocídio no Contestado, em Timbó Grande

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Por Claudia Weinman, para Desacato.info. 

O lugar remete ao maior conflito histórico da luta pela terra em Santa Catarina. Mártires como Maria Rosa, Chica Pelega, Monge João Maria e tantos outros\as que morreram pela liberdade do povo foram lembrados durante a 23ª edição da Romaria da Terra e da Água no domingo, dia 13 de setembro, em Timbó Grande\SC. Com o lema: “Redutos de resistência, esperança e encantamento da vida”, mais de 10 mil romeiros caminharam pelo chão de sangue onde caboclos e caboclas foram assassinados brutalmente e covardemente durante a Guerra do Contestado (1912-1916).

Após 100 anos da Guerra Sertaneja do Contestado, as cenas que permanecem vivas na memória do povo que participa da romaria, trazem para a reflexão a contínua concentração de terras no Brasil e no mundo, os conflitos entre povos originários e europeus, a não aceitação da real história de genocídio que refletiu em mudanças significativas na configuração de todo estado catarinense, principalmente, resultou na “limpeza” e “pureza” das áreas até então habitadas por indígenas e caboclos para o início de um desenvolvimento individual, baseado na lucratividade de patrões e exploração da mão de obra barata.

A romaria neste sentido, segundo o Educador Popular, Jilson Souza, faz uma recordação da história do genocídio do Vale de Santa Maria, ou Timbó Grande, o último reduto santo do Contestado. “É necessário fazermos uma reflexão sobre as injustiças que acontecem hoje, mesmo 100 anos após a Guerra Sertaneja do Contestado. A terra do Contestado continua marcada pelo conflito e pela acumulação. A romaria eleva a consciência dos romeiros e romeiras, e pode fortalecer as suas diferentes formas de organização, despertando em todas e todos a sensibilidade humana, o respeito pela vida, o repúdio à opressão e à violência”.

O Pároco da Igreja Matriz São Miguel Arcanjo, de São Miguel do Oeste\SC, Reneu Zortea, acrescenta que a 23º Romaria da Terra e da Água é elemento integrante de uma igreja CEBs de libertação. “Assumimos essa romaria como sendo algo especial em nossa opção de igreja. Nela participamos tendo como base, a formação junto as comunidades, em preparação a romaria. Por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), realizamos os seminários da terra em nossa região a fim de resgatar a memória histórica de resistência”.

Zortéa também enfatiza a necessidade da igreja voltar-se aos trabalhos de base e a formação de consciência. “Precisamos atuar na defesa daqueles\as que são excluídos\as da terra. O Contestado está vivo nas nossas vidas e fazer resistência a este acontecimento é também uma opção de fé, do evangelho de Jesus. Sabemos que é um desafio trabalhar nas escolas, na igreja, nas comunidades esse tema. Viemos de uma mentalidade formada dentro de uma ideologia capitalista, onde os pobres estão sendo deixados de lado e o que vale é o grande interesse dos que dominam, exploram. Por isso, a importância de uma aliança campo e cidade, para lutarmos na contramão da história”, enfatiza Zortéa destacando a participação de 60 lideranças da Paróquia São Miguel Arcanjo na Romaria, em Timbó Grande.

Além das lideranças, movimentos e organizações sociais, que participaram da 23º Romaria da Terra e da Água, Jovens da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR), contribuíram com a equipe de animação da romaria e trouxeram presente, a vida dos caboclos\as, indígenas que vivem as margens, sobrevivendo nas periferias. “Os jovens que contribuíram na animação da romaria, vivem nas favelas de São Miguel do Oeste\SC, carregam o grande desafio de fazer resistência a uma história que nega a sua existência e que massacrou o povo caboclo”, explica Pedro Pinheiro, da equipe de animação.

A resistência a história do Contestado, segundo o Jovem Paulo Fortes, da PJMP de São Miguel do Oeste\SC, vive em cada bandeira colocada em punho, seja na marcha da romaria, seja nas lutas cotidianas do povo sofrido da roça e da cidade. “Devemos trazer presente essa história na qual querem que a gente esqueça, história na qual um povo foi massacrado, e sem direito algum, sem chance alguma pra se defender. Precisamos sempre fazer memória e trazer presente pois foi por lutar pela mãe terra que muitos tombaram, deram suas vidas. Lutaram contra um sistema que rouba, mata e extermina. Eu carrego sangue caboclo nas veias e quero continuar fazendo resistência a essa história que é minha também”.

Primeira Romaria

O Educador Popular, Jilson Souza, faz uma recordação da primeira Romaria da Terra realizada no dia 14 de setembro de 1986, na Cidade Santa do Taquaruçu (Fraiburgo\SC), com o lema: “Da luta pela terra brota a vida”. Segundo ele, o local foi escolhido por ter concentrado um dos maiores massacres na luta pela terra. “De um lado os latifundiários e o exército e do outro os caboclos e suas lideranças. Estes, durante mais de quatro anos (1912 a 1916), lutaram por um novo céu e uma nova terra, na Guerra do Contestado”, enfatiza Souza lembrando ainda, as frases trazidas pelos romeiros\as com os dizeres: “Senhor teu povo passa fome”, “Terra e vida lutaremos juntos”, “Povo sem terra, povo sem vida”, “Fraiburgo é destaque na agricultura, mas não tem telefone rural”, “Terra não se ganha conquista” e “Pedimos condenação para os crimes que matam os padres e agricultores que lutam pela vida”.

Cerca de 25 mil romeiros\as, 60 padres, 46 celebrantes e seis bispos, trazidos em 321 ônibus, 70 caminhões e 477 veículos pequenos participaram da primeira Romaria. Souza faz um apontamento ainda as pessoas que andaram a pé até o reduto para fazer resistência a memória e vida dos lutadores do Contestado.

 

O último Reduto Santo do Contestado

A 23 º Romaria da Terra e da Água, aconteceu na cidade Santa de Timbó Grande, onde segundo o Educador Popular, Jilson Souza, o espaço é marcado como sendo o último Reduto Santo do Contestado. “Timbó Grande foi vila de Curitibanos e depois passou a ser distrito de Santa Cecília, do qual se emancipou em 26 de abril de 1989 tendo o município sido oficialmente instalado em 1 de Janeiro de 1990”, cita Souza.

O Vale de Santa Maria atualmente conhecido como Timbó Grande, caracteriza-se conforme Souza, como uma pequena cidade localizada no Planalto Norte Catarinense. “Teve como primeiros habitantes os índios dos grupos Kaigang, Coroados, e os Xokleng, também conhecidos como Botocudos. Esses índios viviam como nômades e moravam em choupanas de pau a pique, cobertas de palha. Ali se alimentavam de caça, pesca e frutos da terra. Hoje, já não existem mais índios no município, seus remanescentes estão aldeados no vale do Itajaí e no Oeste Catarinense”.

Souza salienta ainda que a ocupação da região do Timbó Grande foi feita com a vinda das famílias Alves de Almeida, Castro e Matos. “As famílias pioneiras mencionadas, são diretamente ligadas aos caboclos e caboclas, antes e durante a Guerra Sertaneja do Contestado (termo usado pelo professor Paulo Pinheiro Machado para se contrapor ao termo Guerra do Contestado). Aos índios, índias, caboclos e caboclas juntaram-se os imigrantes que vieram para a região, oriundos do processo colonial que ocorria no estado e, sobremaneira, no planalto de norte catarinense, basicamente italianos, alemães, ucranianos e polacos (política de branqueamento da região promovida pelo governo estadual da época)”, contextualiza.

O nome do município, segundo Souza, originou-se da existência de grande quantidade de árvore Timbó – Ateleia glazioviana (Leguminosae – Papilionoideae), que, segundo o Instituto Brasileiro de Florestas, é uma árvore caducifólia, com cerca de 5-15 metros de altura e 20 a 30 cm de diâmetro, é moderadamente densa e com casca e alburno, desprende odor forte e desagradável. “A palavra ‘Grande’ foi acrescida ao nome do município, para diferenciar este município do de Timbó, cidade que fica próxima de Blumenau, além disso, devido à grande extensão de terra que forma o território do município com quase 598,473 km², sendo um dos três maiores municípios catarinenses em extensão territorial”.

Outro elemento importante citado pelo Educador, diz respeito a Páscoa do ano de 1915, período marcado, no Vale de Santa Maria, pela fome desesperadora, pelos bombardeios quase ininterruptos do exército brasileiro. Souza, ao citar a data, aponta para uma Páscoa sangrenta, a Páscoa do genocídio. “Os caboclos confinados naquele fundo de vale foram impiedosamente atacados pelo poder militar da ‘república do diabo’ ao longo dos dias e noites da quinta-feira santa, sexta-feira santa, sábado de aleluia, e as tropas de Potyguara, tido, pela historiografia brasileira, como o grande carniceiro do Contestado. Um telegrama avisou ao Brasil, a Santa Catarina e ao Paraná que Santa Maria havia caído, que tudo estava queimado e que havia sido eliminada da região a dita horda de facínoras que pesteavam a paz nos planaltos e vales do Contestado. Venceu a República, pelas bocas dos seus canhões. Em toda a região do Contestado, 80% do efetivo militar da época se fez presente”, recorda.

Souza cita uma passagem descrita pelo professor Nilson César Fraga, onde ele contextualiza o que ocorreu no Vale de Santa Maria. “Nos registros do Capitão Tertuliano Potyguara nas incursões do exército brasileiro, houve a queima de 902 casas, uma igreja, a morte de 133 caboclos e 22 soldados. Ao fundo do vale, tem-se outros 91 rebeldes e 18 soldados mortos”.

Outras fontes históricas citadas por Souza, mencionam a morte de milhares de crianças, mulheres e homens assinados nos dias 03, 04 e 05 de abril de 1915. “O Reduto de Santa Maria passou por uma ‘queima geral’ e várias famílias caboclas foram calcinados pelo fogo, dentro dos casebres e das mais de uma dezena de igrejas incendiadas”.

Texto e Fotos: Claudia Weinman

 


 

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