Eleições na Itália: a degenerescência da vida política continua

Os comunistas no ponto mais baixo desde 1945

Por AC.

Os resultados das eleições legislativas de 25 de Fevereiro confirmam a Itália como um laboratório da degenerescência da vida política tradicional: um centro-esquerda às ordens do capital e da UE, “populismos” canalizando a cólera popular, comunistas apagados.

Para fazer uma ideia das escolhas do capital, basta dar uma olhadela à Bolsa de Milão: indiferente ao resultado do saltimbanco Grillo, eufórica diante do resultado para a Câmara baixa do centro-esquerda Bersani e depois amuada diante do retorno ao Senado do demagogo Berlusconi.

O programa da Confindustria (Confederação da Indústria) é claro: por um lado continuar as “reformas estruturais” e as medidas de austeridade encetadas pelo “ditador” europeu Monti, por outro salvar o Euro e aprofundar a integração europeia.

A escolha número um do patronato e da UE era o antigo comissário europeu Monti, aliado à democracia cristã de Casini e aos ex-neo-fascistas de Fini, no governo alternativo ficaria o antigo ministro de Romano Prodi, Pier-Luigi Bersani.

Se a hipótese de um governo de união Bersani-Monti for suspensa, é certamente o candidato do capital Bersani que sai vencedor por margem estreita na Câmara com 29,7% dos votos e 340 cadeiras (mas 31,6% no Senado sem maioria), ao passo que Monti não totaliza senão 10,5% dos votos e 46 cadeiras.

Bersani, candidato da Confindustria

Para a Confindustria e os meios financeiros, o ex-comunista Bersani é o candidato do “pragmatismo” e do “rigor”, aquele capaz de manter a direcção da integração europeia e da austeridade.

O programa de Bersani: manter a Itália no Euro, defender as medidas de austeridade de Monti e ir mais longe nas “reformas estruturais” a começar por uma reforma do trabalho prevendo reduções de contribuições para as empresas em nome da competitividade.

O percurso de renegado de Bersani é uma garantia de segurança para o capital. Homem de aparelho por excelência, o jovem lobo do PCI faz parte da ala “centrista” que pensa e depois executa friamente o processo de liquidação do Partido Comunista durante o ano de 1991.

Firme nas suas posições económicas liberais e europeístas, Bersani foi o ministro da privatização da electricidade e do petróleo em 1999, sob o governo Prodi I, aplicando ao pé da letra as directivas europeias de liberalização.

Ele reincidirá em 2006, no governo Prodi II, liberalizando certas profissões fechadas (táxis, farmácias) e abrindo os transportes urbanos comunais à concorrência privada.

O álibi de esquerda no seu futuro governo: Nichi Vendola, o antigo liquidador da Refundação Comunista, líder do movimento gay e integrista católico, governador da Apúlia louvado pelo ex-patrão da Confindustria e comunista arrependido.

Berlusconi, demagogo embaraçoso e franco-atirador imprevisível para o capital europeu

Neste contexto, o retorno de Sílvio Berlusconi embaraça os meios financeiros e sobretudo o grande capital europeu, com um resultado inesperado de 29% na Câmara e de 30,6% no Senado.

Franco-atirador que serve tanto os interesses de uma fracção do capital italiano como os seus interesses egoístas, mas também portador das aspirações contraditórias dos pequenos empresários: as posições demagógicas do Cavaliere são demasiado imprevisíveis para o capital e a UE.

No seu retorno, Berlusconi alimentou a soberba anti-europeia. Jogando na cólera contra a moeda europeia, Berlusconi praguejou contra a hegemonia alemã mas evitou cuidadosamente pronunciar-se pela saída do euro, centrando suas palavras na reorientação do BCE.

Multiplicando as invectivas contra Mario Monti, o “Homem da Merkel”, Berlusconi não deixou de propor retirar a sua candidatura para se alinhar atrás do “Homem de Estado” Monti se este encabeçasse uma coligação de centro-direita.

No plano económico, a soberba demagógica atingiu o máximo com promessas de baixas de impostos beneficiando as empresas e os ricos: redução do IVA, supressão do imposto sobre as residências principais (IMU), baixa do imposto sobre o rendimento, isenções patronais.

Para o capital europeu, as promessas demagógicas e inconsequentes de Berlusconi constituem um perigo neste momento. Por um lado porque mantêm um sentimento anti-europeu. Pelo outro, porque tornam impossível a adopção das futuras reformas estruturais.

Este impasse conduzira em 2009 à demissão forçada de Berlusconi, incapaz de executar a reforma das aposentações, sob pressão da sua base popular. O capital europeu substituiu-o então por Mario Monti que lançou o maior plano de austeridade na Itália desde 1945.

“Nem de direita, nem de esquerda”: o populismo de Grillo e os perigos da indiferença (qualunquismo)

Mas em termos de populismo descabelado, Silvio Berlusconi talvez haja encontrado o seu mestre. Também ele humorista, mas voluntário, Beppe Grillo, soube manejar a invectiva para fustigar, com uma violência verbal muitas vezes próxima do insulto pândego, a “casta” política italiana.

Com 25,5% dos votos e 110 cadeiras, ele é o grande ganhador do escrutínio. Grillo congrega muito, os decepcionados de todos os lados. Todos unidos numa mesma raiva nascida da crise económica, todos unidos no “Que se vão todos” de Grillo.

O “Vaffanculo” (“Foda-se”) que fora a palavra-de-ordem que o havia tornado conhecido em 2007, encontra um novo impulso no “Tutti a casa” (Todos para casa) ou no “Tutti fuori” (Todos para fora).

Poujadista, sobretudo “qualunquista”, este velho movimento de fundo de rejeição da política italiana, centrado sobre o supostamente ressentido italiano médio, misturando sentimentos contraditórios entre anti-política e anti-classe política, entre anti-Estado e anti-“ricos”.

É isto que faz a unidade do movimento, seu denominador comum é uma rejeição da “classe política” em torno de um programa suficientemente vago para satisfazer tanto os decepcionados da direita como da esquerda.

“Nem esquerda, nem direita: contra a casta política”, é o discurso de Grillo em tempo de crise, portador igualmente de perigos.

O “Movimento 5 estrelas” de Grillo nasceu dos movimentos cívicos de base, nomeadamente pela água pública, classificados à esquerda, mas funciona doravante sobre uma relação orgânica entre um “chefe”, tribuno e salvador, e uma “massa” subjugada por suas diatribes inflamadas nas praças.

Grillo pragueja com veemência nestes comícios, grita bem alto o que o patrão do Norte, ex-eleitor da Liga do Norte, anti-Estado e racista, ou o intelectual precário do Centro, decepcionado da esquerda, ligado ao serviço público e à ecologia, pensa de modo cada vez menos baixo.

Mas Grillo diz tudo e o seu contrário: diminuir os impostos sobre as empresas para relançar o crescimento mas lançar uma transição ecológica para o decrescimento, defender certos serviços públicos como a água mas enfurece-se contra os sindicatos e os funcionários efectivos.

Sobre as questões da sociedade, Grillo é o primeiro a defender a “democracia participativa” mas numa relação quase pessoal com o chefe, ele é pela luta contra a moeda única europeia mas também contra as vagas de imigração extra-europeias que ameaçam a Itália.

As posições de Grillo são a ilustração de uma radicalização real de partes importantes da população italiana, de classes médias desqualificadas, uma população sem referências nem perspectiva política coerente, sujeita a todas as recuperações populistas e potencialmente reaccionárias.

Face a este quadro desolador de uma vida política italiana em plena decrepitude, a necessidade de um Partido Comunista italiano forte faz-se sentir mais do que nunca.

Lamentavelmente, a escolha efectuada pelos dois partidos comunistas italianos (PdCI e Refundação comunista), a de um apagamento táctico, apadrinhada estrategicamente pelo Partido da Esquerda Europeia (PEE), não se revelou eleitoralmente compensadora.

Os comunistas italianos haviam feito a aposta, para retornar ao Parlamento, de se apagarem por trás de uma lista unitária, com os Verdes e o partido centrista “Itália dos valores” do juiz Antonio di Pietro, uma lista conduzida pelo juiz anti-máfia, o íntegro Antonio Ingroia.

Após o fracasso da tentativa liquidadora da equipe dirigente Bertinotti-Vendola em 2008, com a Esquerda arco-íris que havia rebaixado os comunistas italianos de 9% para 3% e os havia excluído do Parlamento, os comunistas caem ainda mais.

Com 2,2% na Câmara dos Deputados e 1,8% no Senado para a “Revolução civil” de Ingroia, os comunistas não retornarão ao Parlamento. Eles arrastam consigo o partido centrista “Itália dos Valores” que havia obtido 4,5% dos votos em 2008 e conseguido 29 deputados.

Partindo de um potencial de cerca de 9% em 1008, a lista da “Revolução civil” de Ingroia cai para 2% nas duas câmaras, longe das previsões das sondagens que lhe davam um teto de 4-5%.

Ingroia e os dirigentes da Refundação comunista denunciaram a seguir o blackout mediático de que a lista foi vítima e lamentaram sobretudo que o PD não tenha levado em conta as propostas de aliança da coligação, preferindo tratar com Monti.

“Bersani preferiu a opção suicidária da aliança com Monti ao invés da aliança connosco: contundo nós lhe havíamos proposto mas ele nunca respondeu”, lamentou-se Ingroia.

Paolo Ferrero, secretário da Refundação comunista, acrescentou: “ficámos presos entre o voto útil de Bersani e o resultado de Grillo: propusemos o diálogo ao PD mas a porta ficou fechada”.

Em Fevereiro último havíamos exposto nossas dúvidas sobre as escolhas de alianças eleitorais dos comunistas italianos, nossos camaradas do PdCI desejaram defender uma aliança que consideravam indispensável para salvar uma representação parlamentar.

As escolhas tácticas hesitantes dos nossos camaradas provocaram o debate na Itália. Após novo revés eleitoral, eles sem dúvida continuarão a debater do outro lado dos Alpes. Os comunistas italianos são os únicos a julgar suas orientações estratégicas e tácticas.

Em todo caso, na Itália como alhures, o povo tem necessidade mais do que nunca de um Partido Comunista à altura do nosso tempo para travar a luta contra os políticos ao serviço do capital, contra aqueles que os põem a actuar à “esquerda” e aqueles que tentam recuperar a cólera popular para conduzi-la rumo a perigosos impasses.

Fonte: Resistir.info

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