Economistas da Unicamp lançam Manifesto em Defesa da Civilização

Diante do quadro de regressão social que atinge os países ditos desenvolvidos, um grupo de economistas formados pela Unicamp decidiu elaborar um “Manifesto em Defesa da Civilização”. “Estamos, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? Quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?” – pergunta o manifesto. As respostas para tais questões, acrescenta, não serão encontradas nos meios de comunicação de massa, “ocupados hoje por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades”.

São Paulo – Diante do quadro de regressão social que atinge os países ditos desenvolvidos, com supressão progressiva de direitos, um grupo de economistas formados pela Unicamp decidiu elaborar um “Manifesto em Defesa da Civilização”. Assinaturas começaram a ser colhidas tambémpelo site Petição Pública e a iniciativa se espalhou. O documento pergunta:

Estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?

Segue a íntegra do manifesto:

MANIFESTO EM DEFESA DA CIVILIZAÇÃO

Vivemos hoje um período de profunda regressão social nos países ditos desenvolvidos. A crise atual apenas explicita a regressão e a torna mais dramática. Os exemplos multiplicam-se. Em Madri uma jovem de 33 anos, outrora funcionária dos Correios, vasculha o lixo colocado do lado de fora de um supermercado. Também em Girona, na Espanha, diante do mesmo problema a Prefeitura mandou colocar cadeados nas latas de lixo. O objetivo alegado é preservar a saúde das pessoas.

Em Atenas, na movimentada Praça Syntagma situada em frente ao Parlamento, Dimitris Christoulas, químico aposentado de 77 anos, atira contra a própria cabeça numa manhã de quarta-feira. Na nota de suicídio ele afirma ser essa a única solução digna possível frente a um Governo que aniquilou todas as chances de uma sobrevivência civilizada. Depois de anos de precários trabalhos temporários o italiano Angelo di Carlo, de 54 anos, ateou fogo a si próprio dentro de um carro estacionado em frente à sede de um órgão público de Bologna.

Em toda zona do euro cresce a prática medieval de anonimamente abandonar bebês dentro de caixas nas portas de hospitais e igrejas. A Inglaterra do Lord Beveridge, um dos inspiradores do Welfare State, vem cortando recorrentemente alguns serviços especializados para idosos e doentes terminais. Cortes substantivos no valor das aposentadorias e pensões constituem uma realidade cada vez mais presente para muitos integrantes da chamada comunidade europeia. Por toda a Europa, museus, teatros, bibliotecas e universidades públicas sofrem cortes sistemáticos em seus orçamentos. Em muitas empresas e órgãos públicos é cada vez mais comum a prática de trabalhar sem receber. Ainda oficialmente empregado é possível, ao menos, manter a esperança de um dia ter seus vencimentos efetivamente pagos. Em pior situação está o desempregado. Grande parte deles são jovens altamente qualificados.

A massa crescente de excluídos não é um fenômeno apenas europeu. O mesmo acontece nos EUA. Ali, mais do que em outros países, a taxa de desemprego tomada isoladamente não sintetiza mais a real situação do mercado de trabalho. A grande maioria daqueles que hoje estão empregados ocupam postos de trabalhos precários e em tempo parcial concentrados no setor de serviços. Grande parte dos postos mais qualificados e de melhor remuneração da indústria de transformação foram destruídos pela concorrência chinesa.

Nesse cenário, a classe média vai sendo espremida, a mobilidade social é para baixo e o mercado de trabalho vai ficando cada vez mais polarizado no país das oportunidades. No extremo superior, pouquíssimos executivos bem remunerados que têm sua renda diretamente atrelada ao mercado financeiro. No extremo inferior, uma massa de serviçais pessoais mal pagos sem nenhuma segurança, que vivem uma realidade não muito diferente dos mais de 100 milhões que recebem algum tipo de assistência direta do Estado. O Welfare State, ao invés de se espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos, encolhe, aumentando a quantidade de deserdados.

Muitos dirão que essa situação será revertida com a suposta volta do crescimento econômico e a retomada do investimento na indústria de transformação nestes países. Não é verdade. É preciso aceitar rapidamente o seguinte fato: no capitalismo, o inevitável avanço do progresso tecnológico torna o trabalho redundante. O exponencial aumento da produtividade e da produção industrial é acompanhado pela constante redução da necessidade de trabalhadores diretos. Uma vez excluídos, reincorporam-se – aqueles que o conseguem – como serviçais baratos dentro de um circuito de renda comandado pelos detentores da maior parcela da riqueza disponível. Por isso mesmo, a crescente desigualdade de renda é funcional para explicar a dinâmica desse mercado de trabalho polarizado.

Diante desse quadro, uma pergunta torna-se inevitável: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?

A angústia torna-se ainda maior quando constatamos que as possibilidades de conforto material para a grande maioria da população deste planeta são reais. É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc. Numa expressão, escassez de bem estar!

Um bem estar que marcou os conhecidos “anos dourados” do capitalismo. A dolorosa experiência de duas grandes guerras e da depressão pós 1929, nos ensinou que deveríamos limitar e controlar as livres forças do mercado. Os grilhões colocados pela sociedade na economia explicam quase 30 anos de pleno emprego, aumento de salários e lucros e, principalmente, a consolidação e a expansão do chamado Estado de Bem Estar Social. Os direitos garantidos pelo Estado não deveriam ser apenas individuais, mas também coletivos. Vale dizer: sociais. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o direito à saúde, à previdência, à habitação, à assistência, à educação e ao trabalho eram universalizados, milhares de empregos públicos de médicos, enfermeiras, professores e tantos outros eram criados.

O Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e política. Ele é, nesse sentido, revolucionário. Não foi um presente de governos ou empresas, mas a consequência de potentes lutas sociais que conseguiram negociar a repartição da riqueza. Isso fica sintetizado na emergência de um Estado que institucionalizou a ética da solidariedade. O individuo cedeu lugar ao cidadão portador de direitos. No entanto, as gerações que cresceram sob o manto generoso da proteção social e do pleno emprego acabaram por naturalizar tais conquistas. As novas e prósperas classes médias esqueceram que seus pais e avós lutaram e morreram por isso. Um esquecimento que custa e custará muito caro às gerações atuais e futuras. Caminhamos para um Estado de Mal Estar Social!

Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho. É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na sociedade: vencedor ou perdedor. Ainda que a grande maioria das pessoas seja perdedora e não concorra em condições de igualdade, não existem outras classificações possíveis. Não por acaso o principal slogan do movimento Occupy Wall Street é “somos os 99%”. Não por acaso, grande parte da população espanhola está indignada.

Mesmo em um país como o Brasil, a despeito dos importantes avanços econômicos e sociais recentes, a outrora chamada “dívida social” ainda é enorme e se expressa na precariedade que assola todos os níveis da vida nacional. Não se pode ignorar que esses caminhos tomados nos países centrais terão impactos sob essa jovem democracia que busca, ainda, universalizar os direitos de cidadania estabelecidos nos meados do século passado nas nações desenvolvidas.

Como então acreditar que precisamos escolher entre o caos e austeridade fiscal dos Estados, se essa austeridade é o próprio caos? Como aceitar que grande parte da carga tributária seja diretamente direcionada para as mãos do 1% detentor de carteiras de títulos financeiros? Por que a posse de tais papéis que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza gerada pela totalidade da sociedade ganham preeminência diante das necessidades da vida dos cidadãos? Por que os homens do século XXI submetem aos ditames do ganho financeiro estéril o direito ao conforto, à educação e à cultura?

As respostas para tais questões não serão encontradas nos meios de comunicação de massa. Os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva foram ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades. É mais importante perguntar o que o sujeito comeu no café da manhã do que promover reflexões sobre os rumos da humanidade.

A civilização precisa ser defendida! As promessas da modernidade ainda não foram entregues. A autonomia do indivíduo significa a liberdade de se auto-realizar. Algo impensável para o homem que precisa preocupar-se cotidianamente com sua sobrevivência física e material. Isso implica numa selvageria que deveria ficar restrita, por exemplo, a uma alcateia de lobos ferozes. Ao longo dos últimos de 200 anos de história do capitalismo, o homem controlou a natureza e criou um nível de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima parte. Mesmo porque, o bem estar de um só é possível quando os demais à sua volta encontram-se na mesma situação. Caso contrário, a reação é inevitável, violenta e incontrolável. A liberdade só é possível com igualdade e respeito ao outro. É preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização.

Assinaturas

DAVI DONIZETI DA SILVA CARVALHO

EDUARDO FAGNANI

CAMILA LINHARES TEIXEIRA

CLAUDIO LEOPOLDO SALM

MILTON LAHUERTA

EDSON CORREA NUNES

MIRIAM DOMINGUES

WILMA PERES COSTA

NEIRI BRUNO CHIACHIO

NATÁLIA MINHOTO GENOVEZ

PEDRO GILBERTO ALVES DE LIMA

SAMIRA KAUCHAKJE

FABIO DOMINGUES WALTENBERG

ALICIA UGÁ

JULIANO SANDER MUSSE

AMÉLIA COHN

LIGIA BAHIA

MAGDA BARROS BIAVASCHI

FABRÍCIO AUGUSTO DE OLIVEIRA

ANTONIO CARLOS ROCHA

RODRIGO PEREYRA DE SOUSA COELHO

GABRIEL QUELHAS DE ALMEIDA

MARIENE GONÇALVES TUNG

AMILTON MORETTO

ANA AURELIANO SALM

MARCIO SOTELO FELIPPE

FREDERICO MAZZUCCHELLI

CELIO HIRATUKA

EDUARDO BARROS MARIUTTI

ANGELA MOULIN SIMÓES PENALVA SANTOS

ANGELA MARIA CARVALHO BORGES

JOÃO MIRANDA SILVA FAGNANI

RODOLFO AURELIANO SALM

EVA LUCIA SALM

ÉDER LUIZ MARTINS

FERNANDA MAZZONI DE OLIVEIRA

MICHELLE MAUREN DOVIGO CARVALHO

FELIPE LARA CIOFFI

ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO

RONEY MENDES VIEIRA

NAIRO JOSÉ BORGES LOPES

MARIA FERNANDA CARDOSO DE MELO

WILSON CANO

NEREIDE SAVIANI –

FREDERICO LOPES NETO

MARIA DE FÁTIMA BARBOSA ABDALLA

BRANCA JUREMA PONCE

LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO

ALAN GUSMÃO SILVA

JOSE ANTONIO MORONI

VANESSA CRISTINA DOS SANTOS

JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI

EDSON DONIZETTI XAVIÉR DE MIRANDA

MARIA EDUARDA PAULA BRITO DE PINA

MARIA DE FATIMA FELIX ROSAR

CÁSSIA HACK

DERMEVAL SAVIANI

ROBSON SANTOS DIAS

RODRIGO TAVORA GADELHA

JORGE LUIZ ALVES NATAL

LUCIANO VIANNA MUNIZ

ALUIZIO FRANCO MOREIRA

MARISE VIANNA MUNIZ

JURACI COLPANI

ALESSANDRO CESAR ORTUSO

GENILDO SIQUEIRA

CARLOS EDUARDO DE FARIAS

CARLOS ALONSO BARBOSA DE OLIVEIRA

JOSE DAMIRO DE MORAES

FERNANDO MOREIRA MORATO

CELSO JOÃO FERRETTI

SILVIA ESCOREL DE MORAES

DANIEL ARIAS VAZQUEZ

EVERTON DAB DA SILVA

JOÃO GABRIEL BARRETO SILVA ROCHA

CELSO EUGÊNIO BRETA FONTES

SARAH ESCOREL

VINICIUS GASPAR GARCIA

DENIS MARACCI GIMENEZ

DENISE DO CARMO SILVA PEREIRA

JEFFERSON CARRIELLO DO CARMO –

VAGNER SILVA DE OLIVEIRA

GABRIEL PRIOLLI

JÉSSICA MARCON DALCOL

MARINA VENÂNCIO GRANDOLPHO

PEDRO HENRIQUE DE MELLO LULA MOTA

DANIEL SANTIAGO MOREIRA

VANESSA MORAES LUGLI

SANDRA MARIA DA SILVA LIMA

CARLOS RAFAEL LONGO DE SOUZA

MARIA SILVIA POSSAS

LUCIANA RAMIREZ DA CRUZ

CAROLINA PIGNATARI MENEGHEL

PEDRO DOS SANTOS PORTUGAL JÚNIOR

JOSÉ AUGUSTO GASPAR RUAS

WELLINGTON CASTRO DOS SANTOS

ALESSANDRO FERES DURANTE

DANIEL HERRERA PINTO

PEDRO HENRIQUE VERGES

DAVI JOSÉ NARDY ANTUNES

CARLA CRISTIANE LOPES CORTE

CARLOS ALBERTO DRUMMOND MOREIRA

DANIEL DE MATTOS HÖFLING

MARCELO WEISHUPT. PRONI

ENIO PASSIANI

JOSÉ DARI KREIN

ANSELMO LUIS DOS SANTOS

FABIO EDUARDO IADEROZZA

HIGOR FABRÍCIO DE OLIVEIRA

DANER HORNICH

HELDER DE MELO MORAES

JOSE EDUARDO DE SALLES ROSELINO JUNIOR

JULIANA PINTO DE MOURA CAJUEIRO

FERNANDO CATALANI

FERNANDA PIM NASCIMENTO SERRALHA

LEANDRO PEREIRA MORAIS

MARCELO PRADO FERRARI MANZANO

OLIVIA MARIA BULLIO MATTOS

RENATO BROLEZZI

LUCAS JANNONI SOARES

MÁRCIO SAMPAIO DE CASTRO

MARIA PINON PEREIRA DIAS

LUIZ MORAES DE NIEMEYER NETO

RODRIGO COELHO SABBATINI

LÍCIO DA COSTA RAIMUNDO

FERES LOURENÇO KHOURY

Agência Carta Maior.

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