Casos de racismo sacodem universidades nos EUA

Universidade de Missouri estudantes comemoram saída do presidente racista.

Por Alessandra Corrêa.*   

Uma série de protestos contra casos de racismo em diversas universidades americanas vem colocando novo foco sobre o debate a respeito de questões raciais nos Estados Unidos.

No episódio mais recente, o presidente da Universidade do Missouri e o chanceler do principal campus da instituição, na cidade de Columbia, foram forçados a renunciar após semanas de manifestações de estudantes, funcionários e professores contra o que consideram um clima de hostilidade racial.

Os manifestantes acusavam o presidente, Timothy Wolfe, de não levar suficientemente a sério reclamações sobre casos de racismo na universidade, que tem 77 mil alunos e 6 mil professores espalhados por quatro campi.

Entre os episódios relatados está o caso do presidente da Associação de Estudantes do Missouri, Payton Head, que é negro e disse ter sido alvo de ofensas racistas gritadas por um motorista enquanto caminhava pelo campus.

“Vivi momentos como esse várias vezes nesta universidade, fazendo com que eu não me sinta incluído aqui”, disse Head em um relato no Facebook que foi compartilhado milhares de vezes.

Em outubro, um homem branco invadiu o palco onde um grupo de estudantes negros ensaiava uma apresentação e gritou ofensas raciais.

Em outro incidente, uma suástica foi desenhada com fezes na parede de um dormitório.

Greve de fome

Irritados com o que consideram falta de ação por parte da administração, estudantes e alguns funcionários e professores lançaram um protesto que envolveu um acampamento no campus em Columbia e uma petição com mais de 7 mil assinaturas exigindo a saída de Wolfe.

Um estudante chegou a fazer greve de fome até que Wolfe deixasse o cargo.

O time de futebol americano da universidade anunciou que iria boicotar os próximos jogos caso Wolfe não renunciasse – o que traria prejuízo calculado em US$ 1 milhão somente na primeira partida, marcada para sábado.

Greve de fome no campus da Universidade de Missouri

Greve de fome no campus

Diante da pressão, Wolfe e o chanceler do campus em Columbia, R. Bowen Loftin, renunciaram no início da semana.

“Assumo total responsabilidade por essa frustração e assumo total responsabilidade pela inação”, disse Wolfe ao anunciar sua decisão.

Logo após as renúncias, a universidade anunciou a nomeação de um vice-chanceler interino para tratar de questões relacionadas a inclusão e diversidade.

Também foram anunciadas medidas como treinamento obrigatório sobre diversidade para estudantes, professores e funcionários, esforços para diversificar o corpo de professores e apoio para os que sofreram discriminação.

Atenção nacional

A polêmica na Universidade do Missouri atraiu atenção nacional.

A saída de Wolfe foi saudada pelo governador, o democrata Jay Nixon, como um passo necessário para a reconciliação na instituição.

“Há mais trabalho a ser feito, e agora a Universidade do Missouri deve seguir adiante, unida por um comprometimento com excelência e respeito e tolerância por todos”, disse Nixon em um comunicado.

O porta-voz da casa Branca, Josh Earnest, elogiou os manifestantes e disse que os protestos nesta e em outras universidades tocam na “questão fundamental de garantir que haja espaço para todos” nos campi americanos.

O campus em Columbia fica próximo a Ferguson, cidade onde no ano passado a morte do jovem negro Michael Brown por um policial branco mergulhou o país em um profundo debate sobre questões raciais, que continua até hoje, alimentado por diversos outros casos de negros desarmados mortos pela polícia, muitos deles capturados em vídeo e vistos por milhares de pessoas.

Inspiradas pelo movimento Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”, em tradução livre), que ganhou força a partir da morte de Brown, e com seu alcance ampliado pelas redes sociais, iniciativas semelhantes têm se espalhado por diversas outras universidades.

Yale

Na prestigiosa Universidade de Yale, no Estado de Connecticut, dois incidentes recentes levaram a um confronto entre alunos e a direção, acusada de fechar os olhos para o clima de racismo na instituição.

No fim de outubro, mulheres negras disseram ter sido impedidas de entrar em uma festa de Halloween no campus, organizada pela fraternidade Sigma Alpha Epsilon.

Segundo elas, um membro da fraternidade que controlava a portaria da festa disse que só aceitava garotas brancas. O presidente da Sigma Alpha Epsilon nega que o episódio tenha ocorrido.

A outra polêmica começou com um e-mail distribuído antes do feriado de Halloween, que pedia aos estudantes sensibilidade para evitar fantasias que pudessem ser consideradas ofensivas, como cocares ou o rosto pintado de preto.

Após ver esse comunicado, uma educadora infantil, mulher de um membro da administração, enviou um e-mail dizendo que os estudantes não deveriam se ofender com fantasias que brincam com estereótipos culturais e reclamando que os campi americanos estão virando locais de proibição e censura.

A mensagem revoltou alunos, que chegaram a agredir verbalmente o marido da autora.

Na semana passada, os manifestantes confrontaram a administração da universidade dizendo que esses episódios não são isolados e pedindo que autores de atos de racismo sejam responsabilizados por suas ações.

Caso de Ferguson e grandes protestos no EUA

Após se reunir com estudantes representantes de minorias, o presidente de Yale, Peter Salovey, disse que ficou perturbado com alguns relatos de vítimas de discriminação e reconheceu que a universidade falhou com eles. A autora do segundo e-mail e seu marido se desculparam.

Outros casos

Há diversos outros episódios recentes de mobilização contra casos de racismo. Em uma escola secundária em Berkeley, na Califórnia, alunos deixaram as salas de aula em protesto contra uma mensagem de cunho racista deixada em um computador de uso público.

Na UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles), estudantes invadiram o escritório do chanceler no mês passado e realizaram uma marcha no campus depois que alguns convidados em uma festa no campus apareceram com os rostos pintados de negro.

Em setembro, um ex-estudante da Universidade do Mississippi foi condenado a seis meses de prisão após pendurar uma corda em volta do pescoço da estátua do primeiro estudante negro da universidade.

No início do ano, um vídeo que mostrava membros de uma fraternidade da Universidade de Oklahoma cantando músicas racistas foi visto por milhares de pessoas e gerou comoção nacional. Dois membros foram expulsos.

Críticas

Apesar de chamarem a atenção para o problema do racismo nas universidades e de receberem elogios, algumas dessas mobilizações também provocam críticas.

O fato de manifestantes acampados no campus no Missouri terem impedido jornalistas de filmarem suas atividades foi interpretado por alguns críticos como prova de que esses ativistas muitas vezes não lidam bem com liberdade de expressão e com visões diferentes das suas.

O vice-governador do Missouri, o republicano Peter Kinder, disse em um comunicado que o incidente com a imprensa deve ser examinado e que “professores e funcionários não podem escolher que direitos, pontos de vista e liberdade respeitam”.

Kinder disse que, enquanto não há espaço para racismo em uma universidade pública, também é preciso impedir que “uns poucos dissidentes conduzam as ações e decidam o futuro da universidade do nosso Estado”.

“As preocupações dos estudantes devem ser ouvidas”, afirmou. “No entanto, nossas universidades não podem ser conduzidas por indivíduos fazendo exigências ou recorrendo a ações extremas.”

*De Winston-Salem (EUA) para a BBC Brasil

Images: copyrightGettyImage e copyright Sid Hastings/EPAImage

Fonte: BBC Brasil 

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