Bancada negra na câmara aumentou, mas só se você considerar que Rodrigo Maia é um deles

Foto: Fátima Meira

Por Bruno Sousa.

Em agosto de 2016, o então presidente Michel Temer viajou à China para participar da reunião do G-20. Como não tinha um vice, Rodrigo Maia, que já era presidente da Câmara dos Deputados na época, assumiu a presidência interina da República pela primeira vez – cargo que ocuparia outras 14 vezes. Mas o que Rodrigo Maia ou Michel Temer tem a ver com essa história? Calma que eu explico.

Com as eleições de outubro passado, o número de deputados federais negros subiu 20%, passando de 104 a 125. Me interessei, então, em descobrir quem eram os tais deputados. Quando pensamos nos parlamentares que compõem nosso Congresso, afinal, a primeira coisa que vem à cabeça são homens brancos, na casa dos 50 anos, imagem de fato muito próxima à realidade.

Todos esses 125 políticos se disseram negros ao TSE quando se candidataram. Vale lembrar que, de acordo com a classificação do IBGE, a categoria negros é composta de pretos e pardos. Foi aí que me surpreendi ao me ver, como jovem negro, representado na presidência da Câmara dos Deputados.

Rodrigo Maia é pardo. É o que diz a sua ficha na Justiça Eleitoral. Então vimos um negro sentar-se na cadeira de presidente da República 15 vezes nos últimos três anos, certo?

Errado.

Me parece pouco provável que Maia tenha sofrido com racismo durante a vida – tampouco que os líderes do movimento negro que se reuniram com o deputado nesta terça para debater “temas delicados à comunidade negra” soubessem que estavam conversando com um representante do grupo.

Além dele, encontrei vários outros casos questionáveis de autodeclaração nas fichas dos deputados. Poder se dizer negro tanto em uma eleição quanto em uma seleção estudantil é uma conquista importante, mas é preciso questionar até que ponto a autodeclaração é suficiente.

Perguntei então a Maia e aos outros 124 deputados sobre o porquê de suas escolhas, a fim de entender se as pautas do movimento negro eram lembradas de alguma forma em seus mandatos. A grande maioria ignorou minhas questões, já que discutir raça saiu da moda e agora todos têm a cor do Brasil – o gabinete de Maia pediu o link do TSE e não respondeu mais. Mas boa parte dos que responderam passaram vergonha.

Um deles foi o deputado Luiz Flávio Gomes, do PSB de São Paulo, o mais rico da lista, com mais de R$ 119 milhões em patrimônio.

Apesar de ter o ensino superior completo e ser professor, ele continua confundido território com raça – quando uma pessoa tenta justificar sua identidade com o local de nascimento. “Não tive problemas discriminatórios relacionados com a cor. Me julgo pardo porque sou filho de baiano, com pouca coisa de europeu no meu sangue”. Ora, deputado, morar na Bahia não torna ninguém negro. Menos ainda descender de alguém nascido lá.

Outros deputados disseram ter descoberto a sua negritude através de mim. “Deve haver um equívoco, não me autodeclarei”, responderam quase da mesma forma os deputados Fábio Mitidieri, do PSD-SE, Marcelo Ramos, do PR-AM, e Ricardo Teobaldo, do PODE-PE.

Eu visto preto por dentro e por fora

Diferente do que ocorre com as cotas raciais em concursos públicos, a – digamos – “autodeclaração irresponsável” dos deputados não é crime, uma vez que nenhuma lei reserva parte das cadeiras da Câmara aos negros.

Mas, para Rosália Lemos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas e responsável por uma das bancas que atestam se os inscritos em concursos para o IFRJ podem de fato ser considerados negros, trata-se de uma atitude muito grave, em especial por partir de quem deveria dar exemplo. “Isso mostra a falta de seriedade da população brasileira em relação à autodeclaração, e isso legitima o fato de muitas pessoas fraudarem concursos públicos.”

Lemos levanta outro ponto importante: a afroconveniência. Muitos partidos e deputados, diz a pesquisadora, querem se dizer “modernos e inclusivos”. Eles “fazem a Anitta“, resgatando uma herança ou traço de um parente muito distante pra afirmar sua negritude no momento que julgam oportuno. Como diria Bezerra da Silva, “Ele subiu o morro sem gravata / Dizendo que gostava da raça”.

Para o deputado Valmir Assunção, do PT baiano, um dos poucos pretos da lista, independente da autodeclaração, “quem é negro vai viver o racismo”. Ele, no entanto, não citou nenhum caso específico de racismo que tenha vivido na Câmara.

Não que todos os deputados negros pensem assim – o que nos leva à discussão sobre como a representatividade pela representatividade também é insuficiente. Hélio Negão, digo, Hélio Bolsonaro, do PSL, como ele se autointitula, foi o deputado federal mais votado no estado do Rio de Janeiro, com 345.234 votos. Famoso pela frase “minha cor é o Brasil”, é curioso pensar, que em 2016, quando concorreu a vereador como Hélio Negão, o parlamentar conseguiu menos de 500 votos, insuficientes para se eleger em Nova Iguaçu, baixada fluminense.

Sua votação seria motivo de orgulho dentro do movimento negro se o deputado não fizesse questão de rejeitar a existência do racismo. “Vamos acabar com essa divisão de classe! Somos todos iguais! Minha cor é o Brasil! A força do Brasil é a união do seu povo!”, escreveu Hélio. Sem apresentar nenhuma proposta para a população negra, ele é o bode expiatório perfeito para tirar do presidente a carapuça de racista. “No PSL do racista Bolsonaro, um negro foi o mais votado no Estado do Rio de Janeiro”, disse Hélio logo após ser eleito.

Um dos principais problemas da autodeclaração afroconveniente é a falsa sensação de que estamos evoluindo em direção à sonhada democracia racial. Amigos comemoraram o fato do número de negros na Câmara ter aumentado, achando que isso traria à luz questões básicas das lutas pelos direitos da população negra. Mas até que ponto “negros” como Rodrigo Maia e Hélio Bolsonaro se preocupam com essas pautas?

Para ver a lista dos nossos 125 deputados “negros” para que você possa tirar suas próprias conclusões, clique aqui.

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