Ainda os médicos cubanos…] O Imponderado

20130905_washington1Por Washington Araujo.

Um dos piores textos sobre a questão dos médicos estrangeiros que chegam ao Brasil é, sem dúvida, este do filósofo Luiz Felipe Pondé, publicado na Folhade S.Paulo com o título “O fascismo do PT contra os médicos”. Do princípio ao fim encontramos um amontoado de lugares comuns, e retóricas com a profundidade de um pires de chávena de chá. E é isto o que mais chama a atenção: porque o articulista Pondé não faz um revalida em filosofia? Seria aprovado? Tenho cá minhas dúvidas.

Vamos, ponto a ponto:

Pondé: O PT está usando uma tática de difamação contra os médicos brasileiros igual a usada pelos nazistas contra os judeus: colando neles a imagem de interesseiros e insensíveis ao sofrimento do povo e, comisso, fazendo com que as pessoas acreditem que a reação dos médicos brasileiros é fruto de reserva de mercado. Os médicos brasileiros viraram os “judeus do PT”.

– Não vemos nenhuma organização, política ou não, difamando os médicos brasileiros. São eles mesmos. Basta ver imagens de médicos cubanos passando por “corredor polonês” em Fortaleza. Basta ver presidente do CRM-MG afirmando que “seus médicos” não irão ajudar a corrigir erros de médicos estrangeiros. Basta ver que 701 municípios brasileiros com comprovada carência de médicos não recebeu uma mísera inscrição. Basta ver o corporativismo ácido de tantos médicos nas redes sociais, ora ridicularizando os médicos estrangeiros, ora torcendo para que o Brasil profundo continue sem a presença do profissional médico.

Pondé: Uma pergunta que não quer calar é por que justamente agora o governo “descobriu” que existem áreas do Brasil que precisam de médicos? Seria porque o governo quer aproveitar a instabilidade das manifestações para criar um bode expiatório? Pura retórica fascista e comunista.

– O mesmo poderia se perguntar: “Por que justamente agora a classe médica ‘descobriu’ que não existe infraestrutura médica ou hospitalar em áreas do Brasil? Seria porque a classe médica deseja manter sua reserva de mercado e, por isso, boicota o Programa Mais Médicos? Pura retórica fascista e elitista.

Pondé: E por que os médicos brasileiros “não querem ir”? A resposta é outra pergunta: por que o governo do PT não investiu numa medicina no interior do país com sustentação técnica e de pessoal necessária, à semelhança do investimento no poder jurídico (mais barato)?

– E por que os médicos brasileiros não querem que médicos vindos de outros países sigam para esses lugares perdidos no mundo de meu Deus? A resposta é outra pergunta: por que a classe médica, através de suas associações, tenta a todo o custo dificultar o acesso de populações pobres (e muito carentes) à atenção de médicos? Por que os médicos perderam seu senso de missão, que é de forma simplista, aliviar a dor e salvar vidas?

Pondé: O PT não está nem aí para quem morre de dor de barriga, só quer ganhar eleição. E, para isso, quer “contrapor” os bons cidadãos médicos comunistas (como a gente do PT) que não querem dinheiro (risadas?) aos médicos brasileiros playboys. Difamação descarada de uma classe inteira.

– Não vou entrar nessa questão, porque ela está contaminada de preconceito e malícia e também porque não tenho procuração e nem interesse seja para defender ou acusar o PT, nem quaisquer outros partidos políticos. Miopia descarada e que envergonha qualquer pessoa de bom senso.

Pondé: A população já é desinformada sobre a vida dos médicos, achando que são todos uns milionários, quando a maioria esmagadora trabalha sob forte pressão e desvalorização salarial. A ideia de que médicos ganham muito é uma mentira. A formação é cara, longa, competitiva, incerta, violenta, difícil, estressante, e a oferta de emprego decente está aquém do investimento na formação.

– A população está desinformada sobre os reais interesses que movem muitos médicos, achando que todos eles são minimamente preocupados em aliviar a dor humana ou em salvar vidas humanas, quando muitos preferem claramente –e não há desdouro nisso– viver com suas famílias em lugares mais desenvolvidos economicamente, com boas escolas para seus filhos e excelentes opções de lazer. Boa parte dos médicos tem sua formação em universidades públicas, pagas como seu, o meu e o nosso dinheiro arrecadado como pagamento de impostos, não seria razoável que pudessem atuar como médicos em lugares onde nunca pisou um único médico?

Pondé: Ganha-se menos do que a profissão exige em termos de responsabilidade prática e do desgaste que a formação implica, para não falar do desgaste do cotidiano. Os médicos são obrigados a ter vários empregos e a trabalhar correndo para poder pagar suas contas e as das suas famílias.

– Esta seria a realidade apenas dos médicos? E os professores? Não serão obrigados a ter vários empregos, aturar horas a fio com quadros negros e pó de giz, sofrer com pressões psicológicas, financeiras a custo do declínio da própria saúde?

Pondé: Trabalha-se muito, sob o olhar duro da população. As pessoas pensam que os médicos são os culpados de a saúde ser um lixo.

– Os médicos em geral não são exemplos de humildade e modéstia, muitos nem olham os pacientes nos olhos e a tendência para diagnosticar como virose qualquer aperto no coração ou unha encravada é simplesmente imensa. Não tem aumentado crescentemente o número de erros médicos, devidamente identificados e sujeitos a processos? E os muitos casos de assédio por parte de médicos? Basta passar alguns minutos com o Dr. Google e pesquisar um pouco o acervo dos jornais. E a grande parte dos erros médicos nem chega perto do “olhar duro da população”.

Pondé: Assim como os judeus foram o bode expiatório dos nazistas, os médicos brasileiros estão sendo oferecidos como causa do sofrimento da população. Um escândalo.

– Aqui vemos uma clara ‘forçação’ de barra: médico não é crença, não é religião, não é etnia e não se sabe de perseguição a médicos pelos nazistas, salvo se fossem judeus. O bode expiatório é sim o corporativismo médico. Um escândalo inverter o protagonismo dos médicos em defesa do que consideram ser seu direito sagrado e inalienável – o de se recusar a residir em cidades pequenas e perdidas no meio do Brasil e, ao mesmo tempo, impedir que seus colegas de outros países possam lá residir. Um escândalo de lesa humanidade.

Pondé: É um erro achar que “um médico só faz o verão”, como se uma “andorinha só fizesse o verão”. Um médico não pode curar dor de barriga quando faltam gaze, equipamento, pessoal capacitado da área médica, como enfermeiras, assistentes de enfermagem, assistentes sociais, ambulâncias, estradas, leitos, remédios.

– Risível tal afirmação. Quem, em sã consciência, abriria mão de uma consulta médica só porque não tem um centro cirúrgico à mão, um hospital bem equipado ali próximo de sua casa? E quando a Médicos Sem Fronteiras leva milhares de médicos para lugares conflagrados como o Iraque, Afeganistão, Somália, Bósnia Erzegovina, Congo, Síria, Líbia, Tunísia (e tantos outros países), será que eles seguem para esses países certos de que encontrarão gaze, equipamento, pessoal capacitado da área médica, como enfermeiras, assistentes de enfermagem, assistentes sociais, ambulâncias, estradas, leitos, remédios? Risível, para dizer o mínimo. Nesses casos, a MSF deveria fechar as portas de sua valiosa ajuda humanitária e aguardar que esses países disponham de hospitais, pessoal de apoio, remédios?

Pondé: Só o senso comum que nada entende do cotidiano médico pode pensar que a presença de um médico no meio do nada “salva vidas”. Isso é coisa de cinema barato.

– Só o senso do filósofo que entende tanto do cotidiano médico quanto do problema matemático sem solução por 271 anos, conhecido como a “conjectura fraca” proposta por Christian Goldbach, em 1742, poderia menosprezar a importância da presença de um médico no meio do nada, ou melhor, em cidades como Santo Antonio do Salto da Onça e Caiçara do Rio dos Ventos, no Rio Grande do Norte. Isso é coisa de cinema mudo. Mudo e também sem imagem.

Pondé: E tem mais. Além do fato de os médicos cubanos serem mal formados, aliás, como tudo que é cubano, com exceção dos charutos, esses coitados vão pagar o pato pelo vazio técnico e procedimental em que serão jogados. Sem falar no fato de que não vão ganhar salário e estarão fora dos direitos trabalhistas. Tudo isso porque nosso governo é comunista como o de Cuba. Negócios entre “camaradas”. Trabalho escravo a céu aberto e na cara de todo mundo.

– Dispensa comentários, pois o argumento é tão válido quanto um curso para ensinar um peixe a escalar uma árvore. Um primor de tolerância comopiniões contrárias. Um convite afetuoso ao bom debate de ideias e sem cabrestos ideológicos, né?

Pondé: Quando um paciente morre numa cadeira porque o médico não tem o que fazer com ele (falta tudo a sua volta para realizar o atendimento prático), a família, a mídia e o poder jurídico não vão cobrar do Ministério da Saúde a morte daquele infeliz.

– O quem não pode faltar: presença física do médico, calor humano, conhecimentos e intuições médicas, experiência médica, percepções certeiras para diagnosticar a enfermidade. Precisa mais? Depois, vejamos, espalhando médicos por centenas de cidades e lugarejos “onde jamais um médico pisou”, não teremos aí o início de uma verdadeira revolução? Ou será que esses médicos não começariam esforços –e mesmo campanhas– para sensibilizar o poder público (federal, estadual e municipal) a investir pesado na construção de postos de saúde, hospitais, acesso a medicamentos, equipamentos? Permanecendo como estão, alguém em sã consciência poderia antever que nos próximos 100 ou 200 anos a realidade da saúde nesses lugares iria verificar algum progresso?

Pondé: É o médico (Dr. Fulano, Dra. Sicrana) quem paga o pato. Muitas vezes a solidão do médico é enorme, e o governo nunca esteve nem aí para isso. Agora, “arregaça as mangas” e resolve “salvar o povo”.

– Antes tarde que nunca. Desde Deodoro da Fonseca, em 1889, quando foi proclamada a República, até este ano de 2013 da graça de Nosso Senhor muito foi feito na área da saúde pública. Poderia ter sido feito mais? Poderia. Mas, o correto, por essa singularíssima forma de raciocínio, seria deixar tudo ao “Deus dará” que assim as coisas se resolveriam por acaso, né?

Pondé: A difamação vai piorar quando a culpa for jogada nos órgãos profissionais da categoria, dizendo que os médicos brasileiros não querem ir para locais difíceis, mas tampouco aceitam que o governo “salvador da pátria” importe seus escravos cubanos para salvar o povo. Mais uma vez, vemos uma medida retórica tomar o lugar de um problema de infraestrutura nunca enfrentado.

– Só quem pode difamar os médicos são os próprios médicos. Com sua recusa a clinicar em lugares perdidos no mapa do país; com sua crescente xenofobia; com seu obtuso corporativismo e com sua assegura convicção de que não são apenas deuses, mais, muitos se sentem como patologistas de Nietzsche, aquele do “Deus está morto”. Ou seja, se acham mais que deuses. Citar Nietzsche parece démodé. Ele foi de um tempo em que filosofia era algo sério. Seriíssimo mesmo.

Pondé: Ninguém é contra médicos estrangeiros, mas por que esses cubanos não devem passar pelas provas de validação dos diplomas como quaisquer outros? Porque vivemos sob um governo autoritário e populista.

– Finalmente, o fecho do artigo conseguiu romper a barreira do vil preconceito xenófobo e corporativista: “Ninguém é contra médicos estrangeiros”. Ainda bem que o filósofo resolveu esclarecer esse ponto. É tão útil quanto um par de galochas para o piloto de um possante Airbus. Sobre o Revalida: que tal aplicar também para os nossos médicos?

Fonte: Adital

2 COMENTÁRIOS

  1. Desculpe-me a franqueza mas lugares comuns e superficialidade são a marca da sua argumentação. Falta-lhe percepção da realidade de forma imparcial e vivência.
    Por outro lado, admirável o texto de Luiz Felipe Pondé. Filósofo renomado e, como pudemos ver por este e outros brilhantes textos, consciente, realista, com impressionante clareza de idéias, um cidadão!
    Abs.

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