A saga dos empresários juniores em seu capítulo místico: “pluralidade” sem pluralidade, “democracia” sem democracia

downloadPor Allan Kenji Seki.

É sempre importante notar como certas estratégias argumentativas enunciam por vezes o seu contrário, estabelecendo o que aparentemente seriam paradoxos. Vejamos por exemplo, o caso do movimento empresa júnior. Ao longo de todos os debates sobre as Empresas Juniores no CFH, foram dirigidas perguntas da maior importância ao MEJ: se existe a proposta de serviço modelo estudantil que garante autonomia e protagonismo dos estudantes, vincula a teoria e a prática profissional numa situação de atuação condizente com as condições de ensino que os alunos necessitam, atua nas necessidades (e não nas demandas) sociais, então, porque vocês não abrem mão do modelo empresarial e vem junto com a gente? Qual a concepção do papel de universidade pública que vocês defendem? A formação do empresário tem que ser o foco principal de um serviço modelo estudantil? Isso não contradiz uma educação superior crítica, ampla e integral (na qual o sujeito está tão bem formado, que se ele quiser ser empresário ele já está pronto para isso. Para isso e também para fazer muito mais!)?

Essas questões são cruciais para pensarmos a instauração das EJs no CFH e na UFSC, e não respondê-las é passar por cima de uma discussão séria sobre a Universidade Pública. Se queremos que nossas instituições públicas (saúde, educação, transporte, cultura) sejam levadas à sério, temos que resgatar o verdadeiro sentido delas. E só quando o MEJ responder o que pretende, poderemos entender se estão de acordo com o papel da universidade pública.

Uma única afirmação tem sido feita pelos empresários juniores nos debates já realizados: a presença das EJs é uma garantia de pluralidade e democracia. Estou de acordo, embora em parte! O debate sobre as empresas juniores diz sim respeito à pluralidade e ao senso democrático dentro da universidade. Estamos num esforço de debates que realmente coloca diante de nós o desafio de pensar, como protagonistas, o que queremos para a nossa universidade. É um exercício deliberativo que consome nossas energias, mas apenas por estar em realização resgata o senso democrático quase sempre ausente em todas as grandes decisões nas universidades brasileiras. Uma pena que tal debate não tenha sido realizado ao longo do processo de criação das demais EJs na UFSC. Pelo que nos mostra a história dessas organizações na UFSC, o interesse no debate parte daqueles que as criticam, como foi o caso no CFH.

Contudo, a falácia é que pluralidade e democracia não podem significar a imposição de toda e qualquer posição política ou projeto (mesmo aqueles que vêm dos estudantes). Do contrário, a democracia e a pluralidade seriam o principio impositivo que definiria a existência concomitante de todas as coisas. Não há motivo algum para debater, ler, pesquisar, aprender sobre algo se, em nome da pluralidade, essa coisa terá que ser aprovada de qualquer forma.

E o pior, se qualquer coisa tivesse que ser aceita apenas em nome da boa vizinhança, da pluralidade, da democracia, o que não haveria é a “pluralidade democrática”. Um exemplo rápido. Existe no Brasil um setor social que defende que as universidades públicas e gratuitas são um grave problema social, que se gasta muito para manter a gratuidade de mensalidades para pessoas que, em geral, poderiam pagar por essa educação. Com isso, para esse setor, duas coisas acontecem: a) perde-se o lucro que poderia ser obtido com o pagamento dessas mensalidades, e b) o governo concorre deslealmente com as faculdades e universidades privadas, pois oferece uma “mercadoria” gratuita contra a qual o setor privado não pode concorrer. Outras pessoas defendem que a educação não é uma mercadoria, portanto, ela não poderia ser vendida, principalmente, pois diz respeito à forma como uma sociedade prepara as suas novas gerações para o futuro. Essas pessoas, nas quais eu me incluo, defendem que a educação é a forma pela qual os sujeitos se apropriam daquilo que a humanidade produziu em termos artísticos, científicos e filosóficos.

Essas duas concepções são diametralmente opostas. Que elas existam diz respeito à liberdade relativa de pensamento que nossa sociedade tem hoje (bastante limitada) é importante, mas que sejam impostas em nome da pluralidade de ideias, não retiraria da equação justamente a democracia?

Em primeiro lugar porque se os que defendem a educação como mercadoria fazem impor sua concepção em nome da pluralidade, eles anulam a minha. Em nome da pluralidade de ideias, a minha ideia (meu projeto de educação) será atingida fatalmente. E assim, a pluralidade se tornaria uma justificativa para matar “democraticamente” as ideias contrárias. Teríamos uma “pluralidade” sem pluralidade.

Em segundo lugar, pois a existência de ideias diferentes não supõe que os sujeitos que as defendam estejam em igualdade de condições. Se quem defende que a educação é uma mercadoria for um empresário do maior conglomerado de universidades do país e eu (estudante) defender a educação como patrimônio cultural humano, certamente será uma luta de Davi contra Golias – porém com um desfecho trágico!

Por isso, os empresários juniores precisam parar de tentar carimbar nossas testas como “contrários à pluralidade”. O critério para uma verdadeira democracia é a coletividade e não a defesa individual de toda e qualquer coisa. Imagine por exemplo se em nome da pluralidade de ideias, tivéssemos que aceitar a existência de grupos nazistas e fascistas? A coletividade é o único critério de validade para uma escolha democrática.

Negar a coletividade é, isso sim, negar a pluralidade e um apelo antidemocrático. E mais que isso, é o assassinato premeditado da liberdade. Essa noção tão cara e tão problemática desde que foi tomada pelos liberais. Resgatemos a essência dessas palavras: a liberdade só poder ser definida como a possibilidade de dizer não! Você não pode medir a liberdade de um escravo até que ele diga não a ordem vinda do senhor. É no momento da negação que a liberdade se mede.

 Por tudo isso, uma mensagem direta e clara aos empresários juniores: comecem a responder nossas questões. Parem de tergiversar sobre a democracia e comecem a exercê-la! Comecem por defender suas concepções de universidade, expliquem porque o serviço modelo estudantil não compreender a formação que vocês desejam. E, sobretudo, lembrem-se de que a cada vez que vocês bradam aos ventos “pluralidade” para nos fazer calar e aceitar, vocês atacam a o coração da democracia! Vamos às perguntas centrais agora?

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