A ignorância e a falta de curiosidade ditam nosso futuro no Brasil. Por Elissandro Santana

Por Elissandro Santana, para Desacato.info.

A ignorância, há anos, décadas, aliás, desde os primeiros processos de construção de nossa nacionalidade, tem decidido e pautado o nosso futuro em todas as esferas. Desde os equívocos nas relações que deveriam ser afetivas, aos desencontros no trabalho e, principalmente, no campo da política, sendo que este engloba uma série de outras ações e direções, temos sido conduzidos ao vazio inoperante do não pensar além. Diante desse quadro, estamos nos acostumando a um círculo de erros a partir de percepções incompletas em terrenos de mentiras.

A matéria-prima para vencer as mentiras em tempos que deveriam ser de informação (mas que se tornaram terrenos para a desinformação) é a curiosidade; acontece que o brasileiro perdeu essa capacidade, se é que algum dia já a teve.

Para quem ainda não havia parado para refletir sobre a importância da curiosidade, faço questão de trazer para discussão uma ideia de Gleiser, importante cientista brasileiro, a curiosidade é a maior aliada da liberdade. Segundo ele, querer decifrar os mistérios do mundo, não se dar por satisfeito com as explicações que todos, ou quase todos, aceitam passivamente, é o traço preponderante da personalidade daqueles que, ao longo dos milênios, transformaram a nossa visão de mundo.

Pensando na importância da curiosidade para nossas vidas e para nosso futuro, resolvi chamá-lo/a, caro/a leitor/a, para uma conversa. Você já parou para pensar por que estamos em um círculo de retrocessos? Já refletiu sobre o fato de que na morte da curiosidade pode estar a maior raiz de nossos problemas?

Sem curiosidade não avançamos, e se não avançamos, estacionamos em ideias, em concepções e em valores. O ser que não é curioso cristaliza o pensamento e, fazendo isso, deixa de pensar. Ao não pensar se torna um receptáculo dos desejos e das certezas dos outros, mergulha em fundamentalismos, em negacionismos, deixa-se ser governado pelos dogmas e não percebe a função da ciência nos processos de descobertas e de avanços para a humanidade. É inconteste que no corre-corre do cotidiano, sem que percebamos, damos as mãos à alienação e, de repente, perdemos até o poder de observar as coisas mais simples. Diante da agitação diária, não há espaço para o ser curioso e isso interessa muitíssimo ao sistema e a todas as suas engrenagens. Espíritos curiosos são perigosos para os donos do poder, aqueles que são os verdadeiros senhores das decisões. Eles governam e direcionam as nossas vidas nos dando a falsa sensação ou impressão de liberdade e aparente poder de escolha. O sistema brinca conosco e tudo isso com o suporte dos grupos políticos e religiões alienadoras que funcionam como aparelhos para adocicar os corpos para o mercado e para a geração de lucro para os capitalistas, aqueles que detêm o capital e que só nos deixam migalhas ao chão.

Se tivéssemos espíritos curiosos, teríamos entendido e aprendido tanto nesta pandemia. Teríamos compreendido como funcionam os jogos de poder e, cônscios disso, teríamos ido à luta. De posse da curiosidade, teríamos indagado sobre o papel do presidente em meio à crise sanitária e qual o modus operandi dele diante desse quadro de mortes, de desemprego e de mais empobrecimento do país. Curiosos, teríamos questionado sobre a inércia do judiciário diante do grave quadro de ingerência. Teríamos entendido qual o verdadeiro papel do Senado e da Câmara dos Deputados. Teríamos refletido mais acerca do papel da mídia e sobre o que ela tem feito.

O exercício contínuo da curiosidade nos faria escapar da mentira, das artimanhas do discurso daqueles que, para estarem no controle, no poder, manipulam a informação. E essa manipulação ficou mais fácil na atualidade com a difusão das redes, da alienação em massa e agitação frenética do cotidiano no capitalismo que suga nossas energias, contribui para a nossa preguiça mental e, consequentemente, intelectual.

Em meio à preguiça mental ou intelectual, fruto de um capitalismo alienador, em que o/a trabalhador/a não consegue refletir sobre a importância que possui para a geração de riqueza e sustentação dos poderosos, a ignorância vai se enraizando e ganhando um corpo tão confuso que entontece até mesmo as mentes mais inquietas.

Nesse cenário de fragilidades sócio-político-sanitário-econômicas, vários atores e atrizes da política (servos/as, com benesses, das elites) se aproveitam das mentes em torpor e operam a partir de fake news, de deepfakes e até mesmo de fatos incompletos para a construção de verdades incompletas. Mas para que isso ocorra, os manipuladores da informação na política estudam a forma de pensar ou até mesmo de não pensar da sociedade brasileira. Percebem que ainda estamos como os homens da caverna em relação ao que não entendemos e que suprimos essa lacuna com alguma religião que nos acalme. Nisso tudo reside o grande projeto de ignorantização e idiotização que nos impossibilita análises racionais.

 

Elissandro Santana é professor, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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