A história que acontece

globo ditaduraPor Alessandra Terribili.

Sobre a postura da mídia diante das manifestações de 17 de junho de 2013.

Eu também serei prudente, como vários amigos(as), e controlarei a ânsia de produzir análises sobre o dia de ontem e o processo como um todo. Mas uma coisa não dá pra me furtar a falar logo: a postura da grande mídia, particularmente, a da Globo, me assusta.

A tal “autocrítica” do cretino do Jabor é sintomática. A mudança de tom na cobertura é evidente. Não só de um dia pro outro. De sempre para ontem.

Eu vou pra rua desde 1998. Já apanhei da polícia, já vi colegas e amigos apanharem, já tomei gás de pimenta na cara, já tomei gás lacrimogênio, já tive amigo preso acusado de liderar a “baderna”… Já soube de tantos, no campo, mortos em luta. Conseguimos arrancar vitórias nesses processos. Mas tomamos muita porrada e sofremos muito preconceito.

A Globo sempre se preocupou mais com o trânsito que com a gente. Essa sempre foi a chave da cobertura. Os tantos pobrezinhos que, de dentro dos seus carros, perderam a hora de voltar pra casa, e expressavam em rede nacional sua raiva da nossa necessidade de nos manifestarmos. A Globo nunca abordou a violência policial, a Globo sempre tratou as ações irresponsáveis isoladas como produtos da ação coletiva.

Agora, me digam… 15 anos se passaram. Por que mudou de repente?!!

Ontem, a cobertura falava que as manifestações foram pacíficas, e atribuía a uma minoria os “excessos” que despertavam a ira militar. A emissora expôs na TV gente de dentro dos seus carros dizendo que a causa é justa, e que não se importava com os problemas causados no trânsito. Aí que eu fiquei boquiaberta.

Obviamente, nada sobre as palavras de ordem que buscavam denunciá-la. Uma das iniciativas que achei geniais em São Paulo foi justamente a de dirigir-se à sede da Globo. A mim, soou como um: “nem vem tentar me manipular, que eu tô de olho em você não é de hoje”.

Não é à toa, também, que a tal ideia de que “o gigante acordou” tem sido valorizada pela mídia como um todo. Estar atento(a) a isso não é birra, não é dispensar a ampliação do movimento – ao contrário, lógico! Eu milito há 15 anos sonhando com esse dia, o de sermos centenas de milhares, o dia de sermos milhões. Mas mesmo para chegar aí, é preciso entender o que a mídia quer provocar ao mudar de discurso com esse “cavalo de pau”. Por que reforçar a ideia do gigante adormecido que acorda?

Afirmar que acordamos agora significa ignorar o processo de luta popular que nunca deixou de existir em nosso país e que levou até onde estamos. A história tem percurso, a história não cai do céu, nem é inventada em posts de facebook. Conhecer os processos e reivindicá-los ajuda a ter consciência do que foi e de pra onde queremos ir. Creio que é isso que “eles” querem evitar. Desassociar o tanto que lutamos há 500 anos de tudo que se viu ontem mostra que “eles” também querem disputar os rumos do nosso movimento.

Eu estive nos atos contra o relógio da Globo, em 2000. Dizíamos que queríamos que nossa história fosse contada por nós mesmos. Eram 500 anos de resistência negra, indígena e popular. Mas ali, éramos vândalos. Como éramos vândalos na semana passada.

Não somos vândalos, não somos irresponsáveis, não somos “diferenciados”, não queremos ser rotulados. Queremos ser livres. É por isso que vamos às ruas e não vamos sair delas – porque nelas estamos há muito tempo.

Eu reivindico a história de lutas do meu povo.

Fonte: O Blog Terribili

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