A Direita tem estratégia. E a Esquerda?

Por Emir Sader.

Como citou o jornalista Leonardo Attuch no artigo “As bondades agora, o saco de maldades depois” no 247, a direita readequou sua estratégia e trata, agora, de agir na direção de consolidar o golpe, garantindo os 2/3 de votos no Senado, através de bondades, preparando as condições para toda sua imensa caixa de maldades. Por mais que incomode a Meirelles e aos empresários que, interpretando o inquieto mercado, sempre querem mais sangue, Temer está temeroso do que ocorra no Senado e vai se concentrar, entre idas e recuos, em concessões que ele crê que garantam sua efetivação como presidente.

Para isso resta ainda apressar a votação no Senado, antes que a Lava Jato cause novos e ainda maiores desgastes ao governo.

Com isso a direita contornaria a possibilidade de volta da Dilma, que assusta, pelo apoio popular que ela vem recebendo, e os problemas do próprio governo, criando as condições de reinstaurar o duro pacote neoliberal que o governo tem pronto, combinando ajuste fiscal, privatizações, corte nos recursos para educação e saúde e nos direitos dos trabalhadores.

Faltaria ainda evitar a campanha por novas eleições e, caso estas se realizem, por alguma via incerta, impedir que Lula seja candidato. Mas esta ja seria uma outra batalha, caso a oposição consiga convocar eleições.

E a esquerda, qual sua estratégia? Não está nada clara. Até a decisão do Congresso de afastar a Dilma, era evitar o golpe. E depois?

Resta ainda a possibilidade de impedir que o golpe termine de se concretizar, evitando os 2/3 na votação final do Senado. Os cálculos aritméticos da busca de 2 ou 4 votos a mais não dão conta do problema. Os votos próprios foram 22, aqueles que se opõem ao golpe. Os outros teriam que ser ganhos não apenas pelo desgaste do governo, porque a não obtenção dos 2/3 significaria automaticamente a retomada do governo Dilma. Esses votos a mais estão dispostos a essa possibilidade? Terão que ser convencidos por outros argumentos, que talvez não bastem as linhas de condução de um novo governo Dilma, dado que se opuseram frontalmente a ela na primeira votação no Senado e se somaram ao golpe

Coloca-se aí o difícil dilema da esquerda atuar com audácia para tentar conquistar esses votos que faltam que, apesar da sua incerteza, seriam a via mais factível de terminar com um governo que está desmontando todos os avanços desde 2003 e evitar que o golpe se consuma. Se considera que a prioridade é terminar com esse governo – o Fora Temer -, tem que buscar as melhores formas de conseguir esse apoio que falta no Senado.

Já se viu que não bastam as maiores manifestações populares que o Brasil já viveu, embora elas sejam condições indispensáveis para impedir a realização final do golpe. Não basta tampouco ter razões, que o governo tem de sobra. Já se viu, não apenas pela vergonhosa votação daquele domingo na Câmara, mas também, depois daquele vexame, porque o golpe conseguiu 2/3 de votos na primeira votação no Senado, apesar das manifestações e da falta de argumentos legais para o golpe.

Se trata, portanto, de estabelecer aliança com setores que desejam novas eleições e, assim, implicitamente, o fim do governo Temer, mesmo que tenham estado a favor do golpe. Seja porque desejam candidatar-se em novas eleições, seja porque não querem ficar com a pecha de golpistas, seja pela incomodidade de apoiar um governo corrupto, de Marina à Folha de S. Paulo, passando pelo Cristovam, há setores que se somam à novas eleições, mas não ao retorno do governo da Dilma.

É um difícil dilema para a esquerda, porque ela luta, com razões, para que a Dilma cumpra com seu mandato até o final. Seria a melhor alternativa, sobretudo porque se vislumbra que seria um governo distinto, a começar pela mudança da política econômica. Mas não basta cair heroicamente, com razão e apoio popular, mas deixar o campo livre para o desmonte do país que o governo oriundo do golpe está plenamente disposto a colocar em prática. É preciso decidir se o mais importante é o fim desse governo, protegendo o país da sua sanha destruidora, ou é a manutenção do mandato da Dilma, mesmo se isto tira apoio da derrubada desse governo interino, e pode levar a deixar que ele, consciente como está, leve adiante sua sanha destruidora, mesmo sem nenhum apoio popular.

A outra alternativa é seguir lutando pela continuidade do mandato da Dilma e, caso não se consiga brecar o golpe no Senado, aí lutar por novas eleições, colocando ênfase na falta de legitimidade do governo saído do golpe e no imenso apoio popular à ideia de que o presidente do Brasil tem que ser eleito democraticamente por eleições diretas.

Essa alternativa, que combinaria a luta até o final pelo mandato da Dilma com aquela por novas eleições, caso aquele objetivo não seja conseguido, se choca com a necessidade – absolutamente improvável – do apoio do Congresso à convocação de novas eleições ou então ao apoio do Senado – tampouco improvável, mas menos impossível – à convocação de um plebiscito sobre a decisão dos eleitores de ter novas eleições ou não. Tampouco se vê claro que um Senado que tenha acabado de derrubar, por 2/3 de votos, uma presidenta legitimamente eleita, logo em seguida assuma uma posição dessas, mas hipótese não impossível.

São os dilemas que a esquerda diante, diante de uma direita que tem claro o que quer e as formas com que vai tentar colocar em pratica seus objetivos conservadores e restauradores do neoliberalismo. O que a esquerda não pode é se limitar às mobilizações populares – mesmo extraordinárias como tem sido -, sem uma estratégia para viabilizar o Não vai ter golpe e o Fora Temer. Pode estar tendo um triunfo moral, mas também uma derrota política, com consequências desastrosas para o país.

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Fonte: 247.

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