A corrupção é a maior instituição do Brasil

Como seguidos golpes militares e ditaduras oligárquicas institucionalizaram a corrupção brasileira e a direita, disfarçada de “Centrão”, se beneficia desse arranjo até hoje

Foto: Orlando Brito

Por Benjamin Fogel. Tradução: Aline Klein

A corrupção é intrinsecamente política. Nos dias de hoje é comumente definida como o abuso de cargos públicos, enquanto as iniciativas anticorrupção são apresentadas por parte da mídia como equivalentes à “boa governança”. A corrupção é considerada quase por unanimidade uma coisa ruim, e é excepcionalmente raro um político abraçar o rótulo de corrupto. Rotular de corruptos aqueles que chegaram ao poder público por meio da corrupção põe em questão sua própria legitimidade desse poder. O resultado é que a oposição à corrupção nunca é neutra. A anticorrupção geralmente assume a forma de uma nostalgia específica, baseada na suposição de que a política era mais limpa e ética no passado. Em essência, opor-se à corrupção promete retificar o que está fora de ordem, em vez de propor uma visão alternativa superior ao status quo. Em nenhum lugar as políticas contestadas de corrupção e anticorrupção são mais claras do que no Brasil.

Atualmente o país enfrenta uma crise política que ameaça explodir sua arquitetura democrática. A chave para entender essa crise é a Operação Lava Jato, criada em 2014 e que se tornou a maior investigação anticorrupção da história do Brasil. Ela foi responsável por “descobrir” uma rede de corrupção envolvendo bilhões de dólares em doze países e resultou em mais de trezentas denúncias e cem condenações, entre elas a prisão de dois ex-presidentes da República, Lula em 2018 e Michel Temer em 2019.

A operação ajudou a construir o resultado da eleições de 2018 quando o então juiz Sérgio Moro condenou Lula, que aparecia em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, a doze anos de prisão, impedindo-o de concorrer à presidência e deixando um espaço aberto para o neofascista Jair Bolsonaro assumir o cargo. Moro foi amplamente recompensado por seus esforços: Bolsonaro o nomeou para seu governo como seu novo ministro da Justiça, embora eles tenham se separado no início de 2020. A Lava Jato teve também um papel relevante na queda da presidenta Dilma Rousseff, que sofreu impeachment em 2016 acusada de “crimes de responsabilidade” e pedaladas fiscais para cobrir gastos sociais. Hoje sabemos, graças ao trabalho do The Intercept, que a Lava Jato não era uma investigação anticorrupção, mas um projeto político em si, com sua própria agenda. E mais do que isso: na suposta cruzada anticorrupção, a corrupção judicial foi institucionalizada como prática.

Com um toque de cinismo e uma dose ainda maior de revisionismo histórico, intelectuais, eruditos e políticos de direita e de centro promoveram o mito de que a corrupção brasileira foi sistematizada, ou mesmo inventada, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e seu líder Lula. O partido, portanto, representa uma aberrante força antidemocrática que a Lava Jato deveria eliminar. Um exemplo desse discurso está no que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em uma conferência no Wilson Center de 2017. Segundo ele, a corrupção antes do PT chegar ao poder em 2002, consistia em “atos individuais ou uma mistura de clientelismo com leniência, não um mecanismo fundamental para um governo ganhar e reter poder”. A suposta inovação do PT foi sistematizar a corrupção para que ela se tornasse uma forma permanente de governança.

A fim de disfarçar suas próprias falhas e menosprezar os triunfos políticos de Lula, o principal partido da oposição, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de centro-direita, criou a confortável ficção de que a corrupção foi responsável pelas quatro vitórias eleitorais sucessivas do PT. Seguindo essa lógica, outros partidos passaram a retratar a corrupção, como uma doença específica do PT e como uma ameaça existencial à democracia brasileira. fhc seguiu argumentando que a “questão moral” do caráter corrupto e antidemocrático do PT, que parecia “ser uma preocupação das classes médias educadas, agora se tornou uma preocupação do povo em geral” como um resultado da Lava Jato. A implicação era que a Lava Jato e a cruzada dos poucos iluminados haviam despertado as massas do sono político induzido pelo PT e pelo carisma de Lula. Esses sentimentos têm pouca relação com a história política do Brasil. Foi nessa base que muitos “comentaristas respeitáveis” justificaram o voto em Bolsonaro como um voto anticorrupção.

Privatizando a vida pública

A República Populista do Brasil surgiu por meio de um golpe militar, que retirou do poder o então ditador Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945. Depois dessa data, três presidentes brasileiros foram destituídos do cargo após se verem do lado errado dos principais movimentos anticorrupção. Em 1954, o presidente Getúlio Vargas cometeu suicídio após o escândalo de corrupção conhecido como Mar de Lama e uma campanha violenta liderada por Carlos Lacerda, político e editor de direita. Em 1964, forças semelhantes desempenharam um papel fundamental na coalizão militar e civil que derrubou o presidente reformista João Goulart, levando o país a trinta anos de regime militar. Fernando Collor de Mello, um carismático outsider de um clã oligárquico de Alagoas, eleito em 1990 com a expectativa do expurgo dos funcionários públicos corruptos, foi cassado em 1992 após protestos anticorrupção. Agora, embora escândalos de corrupção sempre tenham feito parte da política brasileira, raramente resultavam em condenações e, portanto, acabaram em pizza. Collor, por exemplo, foi salvo da acusação e autorizado a retornar à política como senador assim que o escândalo cessou.

Os militares justificaram o golpe de 1964 como uma medida necessária para proteger o Brasil do comunismo e de uma classe política incuravelmente corrupta. Depois  justificaram suas medidas mais autoritárias como essenciais para livrar o país das “doenças” malignas do populismo e do comunismo, termos que carregavam fortes associações com corrupção. A retórica anticorrupção do regime militar provou ser basicamente isso, apenas retórica, já que políticos corruptos continuaram a prosperar sob a ditadura. Os próprios militares aproveitaram as amplas oportunidades de utilizar o poder do Estado em benefício próprio. Na verdade, a corrupção sob a ditadura atingiu níveis tão altos que começou a afetar a coesão e a eficiência operacional dos militares, levando os líderes a concluir que um retorno ao regime civil era necessário para salvar o regime militar da mesma doença que procurava erradicar.

A impressionante vitória de Bolsonaro em 2018 foi baseada em parte na mitologia de que o governo militar tinha sido menos corrupto do que o governo civil e que Bolsonaro poderia restaurar os valores dessa época, que se degeneraram sob o regime corrupto “comunista” do PT. No entanto, longe de ser uma inovação do PT, a corrupção política há muito está imbricada na estrutura da política brasileira. Sua persistência não é causada por nenhuma peculiaridade da cultura ou da moral nacional. Em vez disso, tem sido um instrumento central no controle das elites sobre o poder político.

A corrupção no Brasil reflete características específicas da economia política nacional e internacional. É uma questão sistêmica, não um produto das deficiências da cultura política brasileira. O retrato da corrupção como uma troca encoberta entre um mercado político e um mercado social ou econômico, envolvendo a troca ilícita de dinheiro ou favores por tratamento privilegiado, é apenas parte do quadro. Na verdade, a corrupção é uma estratégia política usada para permitir que atores privados exerçam influência sobre as instituições ou o Estado. Como argumenta Antonio Gramsci, a corrupção pode servir como uma forma de governo quando é impossível governar apenas por consentimento e a força é uma estratégia política muito arriscada. Nos Cadernos do cárcere, ele explica que a corrupção ou a fraude é uma estratégia implantada se a hegemonia do bloco dominante parece frágil. Permite a um grupo comprar apoio político. É, em essência, a privatização da vida pública.

A fluidez ideológica e a flagrante falta de disciplina partidária no sistema político brasileiro também podem ser atribuídas à manipulação desse sistema pela ditadura militar. A partir de 1965, os líderes da ditadura tentaram fortalecer sua posição por meio da criação de dois partidos: a Aliança pela Renovação Nacional (Arena), o partido oficial do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O governo concluiu que, como a oposição estava concentrada nas maiores áreas urbanas do Brasil, ele poderia se focar em oferecer favores comerciais para obter apoio das máquinas políticas predominantemente rurais do país. Segundo Thomas Skidmore, os Estados menores e mais pobres do Brasil tendiam a ser governados por máquinas políticas oligárquicas que eram pró-militares, ideologicamente conservadoras e mais do que dispostas a trocar votos por favores. O regime militar se solidificou ao garantir que seus apoiadores, principalmente no Norte e Nordeste, estivessem sobrerrepresentados no Legislativo.

As reformas constitucionais aprovadas em 1967 e 1969 liberaram os projetos econômicos do Eestado de qualquer tipo de supervisão, reforçando ainda mais o patrimonialismo como forma de governar. O sociólogo Francisco de Oliveira observou que não houve nenhum esforço “para acabar com o patrimonialismo, ou para resolver o agudo problema do financiamento interno da expansão capitalista, que fora o calcanhar de Aquiles da constelação de forças anteriores”. O efeito foi a separação da moralidade e da legitimidade do processo de acumulação de poder, a corrupção destacando-se como uma característica da estratégia de desenvolvimento da ditadura. A distribuição de favores tornou-se necessária para preparar o caminho para projetos de desenvolvimento em grande escala, enquanto a regulamentação informal da política econômica por meio de acordos de bastidores isentos de gestão democrática fortalecia o vínculo entre funcionários do Estado e capitalistas.

No final dos anos 1970, a ditadura do Brasil perdia o fôlego,folêgo, atormentada por escândalos de corrupção, fraco desempenho econômico e uma oposição renovada. Essa oposição estava dividida em dois campos: a oposição oficial representada pelo  Movimento Democrático Brasileiro (reorganizado em 1979 como PMDB) e novos movimentos e organizações mais radicais. O PMDB reuniu uma gama diversificada de tendências políticas dentro da política brasileira: liberais, conservadores da velha escola, oligarquias políticas tradicionais e até mesmo elementos da esquerda nacionalista e comunista. O segundo campo foi representado, entre outros, pelo crescente movimento sindical militante do Brasil, localizado na esquerda radical, que incluía ainda aqueles que tinham abraçado a luta armada, bem como os que a rejeitaram, e a esquerda católica agrupada em torno da Teologia da Libertação. A oposição à ditadura culminou com uma aliança entre os dois campos de oposição por meio da campanha das Diretas Já.

A ditadura finalmente acabou com a eleição indireta do candidato do MDB, Tancredo Neves, um ex-ministro solidamente centrista do gabinete de Vargas. Em uma bizarra reviravolta do destino, Neves morreu logo após assumir o cargo e foi substituído pelo vice-presidente José Sarney, um forte defensor da ditadura militar e uma das faces mais visíveis dos coronéis corruptos do Brasil. Após a queda da ditadura, o PMDB solidificou sua posição de partido de centro, rejeitando tanto a oportunidade de incorporar as reivindicações da esquerda ao seu programa como os apelos dos movimentos sociais para o exercício de uma nova forma de política, por medo de alienar seus constituintes patrimoniais.

O pt foi fundado em 1980 por meio da união da esquerda católica, do novo movimento sindical, dos trotskistas e dos radicais que sobreviveram à malfadada luta armada brasileira. Tornou-se uma grande força política, atraindo novos movimentos sociais para seu rebanho, incluindo os movimentos de trabalhadores rurais e os crescentes movimentos lgbti e feministas. Podemos dizer, na verdade, que o pt incorporou todos aqueles que o PMDB tinha deixado de lado. A transição para a democracia foi, portanto, negociada em um fórum moldado pelo regime autoritário que excluiu a maioria dos poderosos movimentos sociais do país.

Em sua encarnação atual, a corrupção sistêmica no Brasil é, em grande parte, resultado do acordo político enraizado na Constituição de 1988, que simultaneamente institucionalizou direitos sociais fortes e solidificou o poder das forças políticas que apoiaram a ditadura. A esquerda podia se gabar de suas vitórias em termos de direitos sociais, mas, ao mesmo tempo, a Constituição preservou o sistema político criado pela ditadura militar. Ao conceder a cada Estado, independentemente de seu tamanho, um mínimo de oito e um máximo de setenta deputados, o sistema político deu peso especial aos Estados que apoiaram a ditadura, uma vez que os Estados rurais menores controlados por aliados corruptos dos militares receberam representação igual aos maiores e mais urbanizados. Como resultado, o sistema político brasileiro ainda está em dívida com pequenos partidos locais que representam máquinas políticas que existem principalmente para trocar votos por favores. Havia uma lógica política distinta por trás disso: ao garantir que qualquer governo de esquerda teria que lidar com a máquina política corrupta se quisesse fazer algo, os militares e a burguesia foram capazes de se isolar dos perigos de um futuro governo de esquerda.

O Brasil agora tem um sistema de representação proporcional de lista aberta sem nenhum mecanismo efetivo de representação partidária no legislativo. Como resultado, o sistema político está preso no pântano da fragmentação dos partidos, às vezes caracterizado como “presidencialismo de coalizão”, o que significa que o presidente deve montar uma coalizão que não seja partidária para aprovar qualquer coisa no Congresso. Esse sistema incentiva os eleitores a apoiarem os candidatos com base em suas qualidades pessoais, motivando os políticos a cultivar um relacionamento direto com os eleitores, em vez de mediado por um partido.

O presidente está à frente do sistema político que centraliza o poder no governo e descentraliza o poder no legislativo por meio de um sistema de lista aberta em que os candidatos não apenas competem contra outros partidos, mas contra candidatos dentro de seu próprio partido, minando a disciplina partidária e sua identidade. Os legisladores têm poucos motivos para temer a retribuição dos líderes de seus próprios partidos por quebrar as fileiras e têm fortes incentivos para trocar seus votos pelos materiais necessários para aplacar seus apoios. O resultado é um sistema que força o presidente a usar seu poder de barganha com um legislativo difuso. Para formar uma coalizão governamental eficaz, o executivo precisa distribuir os benefícios pelo Congresso, entregando os cargos de gabinete a partidos menores ou distribuindo benefícios econômicos aos parceiros do governo.

Corrupção: do PT a Bolsonaro

O PT se adaptou a esse sistema depois de chegar ao poder em 2002, fazendo coalizões com vários partidos rentistas para governar por uma variedade de meios, alguns justos, outros ilegais. Nesse caso, a corrupção é praticada como forma de governança. O escândalo do Mensalão de 2005, centrado na revelação de que o PT vinha pagando a deputados e senadores de partidos menores uma mensalidade de cerca de R$ 30 mil em troca de apoio à legislação petista, ilustra essa dinâmica. O escândalo envolveu várias das principais figuras do PT, principalmente o chefe da Casa Civil de Lula e principal estrategista do partido, José Dirceu, que renunciou e mais tarde foi considerado culpado de uma série de acusações e condenado a sete anos de prisão. Ex-guerrilheiro, ele continua sendo uma figura lendária da esquerda brasileira. Também implicados no escândalo estavam o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que mais tarde serviria como chefe da Casa Civil de Dilma, atualmente cumprindo doze anos de prisão; o presidente do partido, José Genoino, e o tesoureiro do partido Silvio Pereira.

O Mensalão nasceu da tentativa do PT de evitar uma aliança com o PMDB. Fazer isso significaria que o PMDB exigiria cargos de gabinete e controle sobre elementos do gasto público em troca de seu apoio. Comparado a protestar contra o PMDB, subornar membros de partidos pequenos para apoiarem o governo parecia o mal menor, como argumentou Perry Anderson. O Mensalão teve como alvo as principais figuras do PT, mas deixou PMDB e PSDB ilesos. Restou ao PT chegar a um acordo com o PMDB para garantir a sobrevivência de sua coalizão de governo, o que levou o partido aos trágicos acontecimentos da presidência de Dilma.

Tendo chegado ao poder com a promessa de erradicar a corrupção e instituir uma nova forma de fazer política, Bolsonaro enfrentou, desde os primeiros momentos, as mesmas dificuldades que seus antecessores encontraram no governo do Brasil. Já de início ele provou ser excepcionalmente inepto na política de coalizão do país, alienando aliados antes leais e amigos em potencial por meio de uma combinação de ignorância, preguiça e incompetência.

O resultado foi um governo mudando a cada crise, enquanto os filhos do presidente insultavam alguns dos atores mais importantes da política brasileira e apoiadores leais de seu pai nas redes sociais. Bolsonaro declarou que seu reinado será de “nova política” e se recusou terminantemente a negociar com o Congresso, deixando seus poderosos patrocinadores cada vez mais nervosos sobre o futuro de suas queridas políticas, em particular a reforma previdenciária. A recusa inicial de Bolsonaro em jogar bola com os caciques que dominam a política brasileira produziu um governo incipiente e sem direção em seu primeiro ano de mandato, dominado por intrigas cada vez mais bizarras e travessuras imprudentes no Twitter.

Então a Covid-19 chegou ao Brasil. Quando o governo de Bolsonaro lançou o que poderia ser a pior resposta do mundo à pandemia, ele enfrentou uma revolta dentro de seu próprio gabinete e mais de trinta pedidos de impeachment sentados na mesa do Presidente do Congresso. Pareceu por um tempo, enquanto as conspirações estrondeavam todas as noites aos gritos de “Fora Bolsonaro”, que a pandemia poderia acabar com seu governo. Mas aconteceu o oposto. Bolsonaro mudou de rumo e finalmente concordou em jogar com o Centrão, repassando bilhões para as seções mais venais do Congresso em busca de garantir o futuro de sua presidência. Ele então rompeu definitivamente com Lava Jato, ao nomear um procurador-geral domesticado e intervir diretamente na Polícia Federal para anular as investigações sobre seu clã. Moro renunciou e as principais figuras da Lava Jato foram expulsas e seus poderes reduzidos. Embora isso possa ter acabado com quaisquer ilusões persistentes de que uma ruptura fundamental com a cultura de corrupção endêmica do Brasil foi alcançada, também institucionalizou a anticorrupção como o caminho para travar batalhas políticas.

Institucionalizando a anticorrupção

Uma grande ironia da história recente do Brasil é que a Lava Jato só foi possível por causa das reformas anticorrupção aprovadas pelo PT, que foram usadas por seus inimigos para destruir o governo Dilma. Desde que Bolsonaro chegou ao poder na onda anticorrupção, seu governo começou a desmantelar os mecanismos legais que ajudaram a trazê-lo ao poder para proteger o presidente e seu clã mafioso, que está sob investigação federal por tudo, desde lavagem de dinheiro a financiamento de esquemas de notícias falsas.

Outra ironia é que o discurso anticorrupção talvez tenha se tornado a maior linha de ataque contra o governo Bolsonaro. Muitas das mesmas vozes que atacaram a Lava Jato e o uso oportunista do discurso anticorrupção contra o PT agora estão apontando o grau de corrupção no governo e nas ligações do presidente e sua família com a milícia carioca. Embora Bolsonaro seja claramente corrupto – ele passou a maior parte de sua carreira no partido de Paulo Maluf, argumentando que ser corrupto não é o suficiente para prejudicar seriamente um presidente. A política anticorrupção agora representa o fato de que a oposição carece de uma alternativa programática coerente a Bolsonaro, especialmente desde a implementação do subsídio de emergência da Covid. A centro-direita compartilha mais ou menos a mesma visão de economia e agenda social de Bolsonaro, sem o olavismo, enquanto a esquerda está presa em apelos nostálgicos e moralistas ou muito fraca e dividida para formar uma oposição unificada.

O exemplo mais recente disso é a queda do governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, que foi destituído do cargo em agosto sob a acusação de desvio de dinheiro reservado para aquisições emergenciais relacionadas à Covid. Witzel, que foi eleito aproveitando a onda bolsonarista, logo se tornou um potencial adversário do presidente nas eleições de 2022 e entrou publicamente em confronto com Bolsonaro por causa de medidas de quarentena. Embora Witzel seja quase certamente culpado, sua destituição do cargo deve ser vista como um precedente para o futuro, a anticorrupção será usada para resolver disputas políticas em vez de eleições. O discurso anticorrupção substituirá os políticos de que você não gosta, em vez de qualquer tentativa de reformar o sistema político do país. O Brasil agora institucionalizou o combate à corrupção como uma extensão de sua crise política permanente.O debate anticorrupção não será uma fórmula política vencedora em 2022. Não é exatamente uma plataforma confiável durante uma crise econômica sem precedentes e uma pandemia global ir atrás de fundos de campanha mal aplicados ou contratos públicos cobrados em excesso não colocará comida na mesa das pessoas nem aliviará a carga dos hospitais do país. De fato, o “rouba mas faz é uma plataforma eleitoral a ser testada e comprovada durante o que talvez seja a pior crise econômica da história.

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