A borracha negra da História

Vamos começar esse post um desafio rápido. Diga rapidamente o nome de cinco mulheres que você lembra dos seus livros de história da escola (se quiser pode responder nos comentários as que você pensou).

Foi fácil? Difícil? Então, já que hoje é dia da consciência negra, vamos lá: diga rapidamente o nome de cinco homens negros do seu livro de história da escola.

Foi fácil ou difícil?

Então quer uma questão realmente impossível?

Me diga o nome de cinco mulheres negras que você tenha lido no seus livros de história da escola.

Você tem até o ano que vem para me responder.

Enquanto você pensa, vou transcrever a fala da Leymah Gbowee, que ganhou o prêmio nobel da paz, quando ela fala das mulheres, no filme Mulheres Africanas:

” (…) Eu considero esse jeito de lutar, o jeito mais poderoso de lutar. E o jeito mais poderoso de lutar é, geralmente, como as mulheres lutam. Nós somos poderosas. Porque escolhemos lutar uma luta poderosa.

Por que nós celebramos Ghandi? Por que nós celebramos King? Por que nós celebramos Mandela? Nós dizemos que eles são homens poderosos. Nós deveríamos ter dificuldade em celebrar a mulher? Não. Porque o que King, Mandela e Ghandi fizeram, é o que você vê mulheres fazendo todos os dias nas comunidades.

Elas também deveriam ser celebradas.”

E aí, já achou suas cinco personagens históricas negras?

Para facilitar, eu vou te dizer uma: Cleópatra.

Tudo bem, tudo bem, a descoberta que Cleópatra era negra é recente, de 2009. Mas é curioso como quando pensamos em Cleópatra sempre vem uma mulher branca em nossas mentes? Curioso e sintomático.

Nossos livros de história não contam bem tanto a história né? A gente aprende o que querem que a gente aprenda. Isso também é sintomático no sentido que não há mulheres negras (ou mesmo mulheres.Conto nos dedos as que existem lá) em suas páginas.

A sociedade se volta tanto para uma normatividade masculina que ocorrem até distorções com relação a fatos históricos.

Por exemplo. Outro dia estava lendo um texto sobre uma aluna de antropologia que contava a história de como, há alguns anos, uma de suas professoras mostrava uma fotografia de um chifre com vinte e oito marcas. Ela disse:

“Isso é supostamente a primeira tentativa do homem de fazer um calendário.”

Os alunos então olharam admirados para a fotografia. E a professora prosseguiu:

“Mas me digam, que homem precisaria saber quando um período de 28 dias terminou? Então eu suspeito que isso é, na verdade, a primeira tentativa de uma mulher de fazer um calendário…”

Quando falamos de pré-história, inicio das civilizações e da agricultura, sempre nos vem a mente os homens caçadores indo atrás de mamutes gigantescos para darem de comer a sua microsociedade.

Curiosamente, hoje já se acredita, por exemplo, que a agricultura foi descoberta por, vejam só, as mulheres! Se os homens saiam para caçar, quem tinha tempo para notar que onde eram jogadas as sementes nasciam plantas, frutos e comida?

Na verdade, estudos recentes mostram que 90% da alimentação das pessoas pré-históricas era produzido pelas mulheres coletoras e 10% pelos homens caçadores.

Mas o crédito, você sabe, vai para o homem caçador. Até hoje.

É que, sabe como é, a história é escrita pelos que tem a pena e a tinta nas mãos.

Quando eu era criança, eu lembro de ter ouvido falar de Chica da Silva. Mas não lembro de ter lido sobre isso nos meus livros de história. Acho que minha mãe que me contou sobre ela. Lembro também de Chiquinha Gonzaga, que é mulata, mas eu sempre achei que era branca.

Mas é pouco né? Me pergunto quantas coisas importantes não perdemos nos passar dos anos da história sendo escrita por quem tem q pena e a caneta. Mas também vibro cada vez que corrigem algo desse tipo, como o fato da Cleópatra, por exemplo.

Eu só fui ouvir falar de Dandara Palmares depois de velho (ta, “velho”. Tenho 27 anos ainda haha). Se você não sabe quem ela foi, deve reconhecer pelo menos o seu sobrenome.

Ela foi líder, junto com Zumbi (esse você conhece né?), seu marido, na luta pela liberdade.

Como bem explica o texto:

”(…)Dandara além de esposa de Zumbi dos Palmares, com quem teve três filhos, foi uma das lideranças femininas negras que lutou contra o sistema escravocrata do século XVII. Não há registros do local do seu nascimento, tampouco da sua ascendência africana. Relatos nos levam a crer que nasceu no Brasil e estabeleceu-se no Quilombo dos Palmares ainda menina. Não era muito apta só aos serviços domésticos da comunidade, plantava como todos, trabalhava na produção da farinha de mandioca, aprendeu a caçar, mas, também aprendeu a lutar capoeira, empunhar armas e quando adulta liderar as falanges femininas do exército negro palmarino. Dandara foi uma das provas reais da inverdade do conceito de que a mulher é um sexo frágil. “

Assim como Dandara, a esquecida dos livros de história, existem muitas Chicas da Silva, Tia Ciata, etc… é mais fácil a gente saber de Rosa Parks do que quem foi Nêga Tatá.

Não sabe também que foi Nêga Tatá?

Em 1898 ela reuniu um grupo de negros e invadiu a casa grande que os mantinham escravos. Eles mataram o senhor do engenho e fugiram para fundar o Quilombo de Quibrobó.

Nunca ouviu falar mesmo? É porque ela não existe. Inventei agora. Em 1898 a lei Áurea inclusive já tinha sido assinada e não existe lugar que eu conheça realmente chamado Quilombo Quibrobó. Mas como não sabemos nada sobre mulheres negras da nossa história, eu podia inventar qualquer coisa que preencheria essa lacuna.

Na verdade, tem uma coisa que sabemos das nossas mulheres negras: elas rebolam como ninguém.

Ta aí o carnaval, que sempre põe em destaque as mulatas e globelezas da vida vida, sambando na avenida, num ponto de destaque maravilhoso, né?

Pena que não saibamos seus nomes, não saibamos suas histórias, nada. Sabemos apenas que são corpos bezuntados e prontos para serem mordicasdos.

Para que mais serviria uma mulher negra no carnaval? Quem quer saber se ela faz um projeto social na sua comunidade?Quero ver você rebolar essa bundona, sua linda.

A Jarid Arraes explica bem como isso funciona, nesse texto:

” (…) A mulher negra é cercada de dicotomias quando o assunto é seu corpo: por um lado, há um misto de invisibilidade e indesejabilidade quando o corpo feminino é negro, pois no mercado erótico, nas revistas masculinas e na representação midiática prevalecem as mulheres brancas e loiras como mulheres desejáveis. Mamilos, axilas e genitais negros, por exemplo, são considerados asquerosos, havendo uma infinidade de produtos com o fim de clarear essas partes. As qualidades sexualmente desejáveis são sempre aquelas associadas ao corpo da mulher branca e mesmo as características consideradas ruins, como cabelo crespo ou nariz largo, são muito mais toleradas em uma mulher de pele clara.

Nas raras ocasiões em que a sociedade expressa algum desejo por mulheres negras, é quase sempre pela idéia de que a mulher negra é um “sabor diferente” e “mais apimentado” de mulher. O corpo feminino negro é hipersexualizado e considerado exótico e pecaminoso. Quem nunca ouviu falar que a mulher negra tem a “cor do pecado”? Essa é a brecha que sobrou para que o patriarcado continue a impôr o racismo às mulheres negras: a dicotomia do gostoso, exótico e diferente, mas que ao mesmo tempo é proibido, impensável, pecaminoso e não serve para o matrimônio ou monogamia. Nossa sociedade já considera geralmente que o racismo é algo ruim; o problema, em grande parte, está em identificar o racismo dentro de atitudes e políticas do dia a dia. E segregar sexualmente as mulheres negras também é uma forma de racismo, mas é socialmente aceitável em pleno século XXI. “

Se a gente for entrar no campo da política então? Putz. Esse texto vai virar uma escada que só desce.

A começar que, segundo a UNEGRO, apesar de negros serem 97 milhões de brasileiros, formam apenas 0,0001% dos cargos do legislativo brasileiro. Se formos pegar apenas a câmara dos deputados, dos nossos 513 deputados, 44 são da raça negra. 9%.

Veja bem… Se formos contar apenas as mulheres, esse abismo é maior.

Antonieta de Barros

A primeira mulher negra a ter um cargo no governo do Brasil foi em Santa Catarina, em 1901. Antonieta de Barros, eleita Deputada Estadual na primeira eleição em que mulheres podiam se candidatar.

Logo depois, em 1909, tivemos o primeiro presidente negro – jocosamente chamado de “Mulato” pelos jornais da época. Tudo bem também que depois dele não veio mais nenhum. E que sua pele era esbranquiçada nas fotografias para não deixar aparente a sua “mulatice”.

Mas nossa sociedade é assim mesmo. Tem a primeira eleição de uma mulher negra, nove anos depois surge um presidente mulato, aí passam-se mais de 100 anos até chegar uma mulher à presidência, sem que outro negro tenha cumprido outro mandato de presidente e sem que uma mulher negra tenha sequer tido chance disso. A mais próxima foi a Marina Silva, que ainda assim passou relativamente longe.

Ou SEJE:

A mulher negra não tem história.

A mulher negra não tem identidade.

A mulher negra não tem representação.

Mas não existe racismo no Brasil também. Isso tudo coisa que botaram na nossa cabeça.

Porque, achar que “não existe racismo no Brasil” não foi coisa que colocaram na nossa cabeça.

Imagina…

Ah, e um bom dia da consciência negra para você.

Fonte: Tumblr Aquelas Mulheres

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