Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.
“Roubar da cana a doçura do mel e se fartar de mel”
(Cio da Terra, Nascimento e Brant).
A agricultura não é o forte da Europa.
Ainda assim, a Espanha, onde eu moro, é das mais fortes nisso.
Porém, somente 1 de cada 25 trabalhadores espanhóis, o segundo país de agricultura mais subvencionada da Europa, tem relação direta com a agricultura. No Brasil, potência da agricultura (familiar! Pequena, porém gigante!), esse número cresce de 1 em cada 4.
Uma quarta parte, 25% do trabalho brasileiro, tem tudo a ver com o que melhor sabemos fazer: plantar e colher, pra dar de comer à imensa maioria do povo brasileiro– sem ser agronegócio somente pra exportar.
Nunca fui agricultor – hoje, no meu pueblo, tenho uma hortinha.
E tenho orgulho de muitos de todos os meus trabalhos urbanos. Comecei aos 16 anos (como bancário), num país onde a maioria dos trabalhadores da agricultura começa – infelizmente – na infância.
Na Europa, por outro lado, já varri rua, colhi uva, carreguei cadeiras, preguei cartazes e tomei conta de um cemitério.
Entre tantos outros ofícios. Todos empregos dignos.
No Brasil, um dos trabalhos que mais me orgulharam foi o de assessor dos movimentos sociais rurais.
Um dos mais importantes foi o de Formador e Assessor da FETAPE, a mais importante federação de sindicatos rurais do mais importante país ocidental em matéria de agricultura, o nosso.
Passei anos sendo chamado, por eles, de Professor (eu retificava, persistente: Educador!).
Quando o que mais me fizeram foi pagar-me para aprender. Universidade da Vida, freireana, a melhor de todas (que me perdoem os 8 anos de academia, na UFPE).
Ninguém educa ninguém; todos nos educamos, em conjunto, pela soma das nossas vivências.
A gloriosa FETAPE, onde eu convivi durante anos com os melhores mestres, jamais foi reconhecida como merece.
Ao escutar falar da grande greve que ajudou a derrubar a ditadura militar brasileira, no final dos anos 70, será fácil escutar algo sobre a (fundamental!) greve geral dos metalúrgicos do ABC Paulista – berço do sindicalismo operário brasileiro. E, claro, do PT.
Lamentavelmente, pouco se fala que naquele mesmo ano de 1978, a maior e mais importante greve brasileira ocorreu no campo, no meio rural. Foi a que sofreu maior repressão da história daquela época.
O preconceito contra os nordestinos atuou até mesmo na historiografia de esquerda, e mais ainda em detrimento dos “rurais” – que acabaram “esquecidos” também pela maioria da intelectualidade USPista.
Os sindicalistas protagonistas da grande greve que ajudou a derrubar aquela ditadura, foram os da Federação dos Trabalhadores na Agricultura em Pernambuco. Sim, da FETAPE.
A FETAPE onde apareço, nesta foto, abrindo uma garrafa de Sidra Cereser, no aniversário do ex-Presidente, Zé Rodrigues (junto com sua companheira, Georgina, em primeiro plano, de boné branco).
Foi em Carpina, onde passei boa parte daqueles dias, na Zona da Mata pernambucana. A FETAPE de Mané de Serra Talhada (hoje também “descansado”), o melhor ministro da agricultura que o Brasil não teve.
Zé Rodrigues, bom matuto, era um Gentleman (um gentil homem), entre outros destacados atributos pessoais.
Junto a ele, percorri quase todos os quilômetros daquele infinito interior pernambucano.
Chegou-me hoje a notícia de que ele agora sobrevoa todos aqueles infinitos quilômetros.
Infinito é o homem.
Valeu, Zé.
Bom descanso, guerreiro.
Georgina, família, e toda a gloriosa FETAPE, aquele abraço.
—
Flávio Carvalho é sociólogo, escritor e participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya.
@1flaviocarvalho, @quixotemacunaima. Sociólogo e Escritor.
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
—