Corre na Câmara dos Deputados um projeto de lei para transformar uma das unidades de conservação mais biodiversas do Brasil, o Parque Nacional Serra do Divisor, no Acre, em área de proteção ambiental. Mais que possibilitar a construção de propriedades privadas e criação de gado, a medida pode abrir brechas para a exploração ilegal de madeira, latifúndio e grilagem, conforme teme o engenheiro florestal Lucas Matos, que mora em Rio Branco (AC) e coleta assinaturas em uma petição online para tentar barrar a aprovação do PL 6.024/2019.
A proposta foi apresentada pela deputada federal Mara Rocha (PSDB-AC) em novembro do ano passado e tramita na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA) da Câmara, aguardando designação de relator. Além de mudar o status de proteção integral da Serra do Divisor, a proposta também prevê a redução de quase oito mil hectares dos limites da Reserva Extrativista Chico Mendes, também no Acre.
Para Matos, a medida atende a um desmonte das políticas ambientais que “vem ocorrendo desde o primeiro dia de governo do nosso presidente Jair Messias Bolsonaro e tem apenas um objetivo: atender os ruralistas”. A preocupação do engenheiro florestal concentra-se principalmente no fato de que uma área de proteção ambiental (APA) é mais “permissiva” a atividades do que uma unidade de conservação (UC), atual categoria da Serra do Divisor.
“Em uma área de proteção integral, o uso dos recursos naturais é mais limitado. Você pode promover atividades de recreação, o ecoturismo, educação ambiental e pesquisas científicas. Tudo isso para proteger a biodiversidade e as riquezas do local, que é dotado de beleza cênica fantástica e de uma riquíssima biodiversidade, uma das maiores do mundo. Já uma APA é mais permissiva, você pode criar gado, construir, promover a agricultura, e nós sabemos que com isso você também promove o ilegal”, explica o engenheiro de 28 anos.
O receio do acreano encontra respaldado em índices do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mostram que a UC do Parque Nacional Serra do Divisor tem apenas 2% de área desmatada, enquanto duas APAs do próprio Acre – Lago do Amapá e Igarapé São Francisco – têm mais de 50%. “Como engenheiro florestal eu afirmo: é por isso que essa medida é prejudicial para os nossos ecossistemas”, garante o autor do abaixo-assinado, que atua na prestação de consultoria ambiental em regiões do interior do Estado do Acre.
Mobilizações em defesa de outras áreas pelo país
Matos lançou o abaixo-assinado com o objetivo de pressionar os parlamentares a arquivar o PL. O engenheiro florestal conta que foi inspirado pelo conterrâneo Gabriel Santos, que no ano passado coletou 5 milhões de assinaturas em uma petição, também aberta na plataforma Change.org, contra as queimadas na Amazônia. Recebida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a petição ajudou a conquistar a instalação de uma Comissão Externa de Políticas para Integração do Meio Ambiente e Economia na Casa.
Outra motivação para o acreano foi a “indignação” com o que chama de “políticas antiambientais” por parte de parlamentares do Acre. Ele cita a apresentadora do projeto de lei, deputada federal Mara Rocha, que no ano passado levou infratores ambientais para uma reunião com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que em conjunto com o também senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) chegou a propor, também em 2019, um PL para acabar com a reserva legal em propriedades rurais.
Outros parques e áreas de matas no Brasil, que há mais tempo sofrem ameaças vindas não só do governo ou de parlamentares, também são alvo de protestos.
A defesa do Vale do Itamboatá, santuário da Mata Atlântica na Bahia, reúne mais de 440 mil pessoas em um abaixo-assinado contra a instalação de um aterro. Partindo para Minas Gerais, uma mobilização online engajou 221 mil apoiadores para impedir novas licenças ambientais à Mina Casa Branca, no Parque Estadual da Serra do Rola Moça. Já no Rio de Janeiro, uma petição acumula 193 mil assinaturas com o objetivo de proteger o Parque do Pasmado, onde ocorre uma polêmica construção de memorial às vítimas do Holocausto.
Lançado há menos de duas semanas, o abaixo-assinado “Todos pela Serra do Divisor” já ultrapassa a marca de 27 mil assinaturas e não para de receber apoiadores em todo o Brasil. Somente nas últimas 24 horas, mais de 1,4 mil se juntaram à causa. Para o autor da petição, a razão desse apoio rápido e crescente é que a população teria entendido a suposta intenção que há por trás do PL: “beneficiar os grandes produtores, os grandes latifundiários”, diz.
Considerado um dos locais de maior biodiversidade da Amazônia e o maior patrimônio ecológico do Acre, o parque abriga povos indígenas e possui inúmeras cachoeiras, montanhas e trilhas, além de várias espécies da fauna e da flora encontradas somente no local.
O posicionamento da parlamentar
No manifesto, que segue aberto na Change.org, o engenheiro deixa uma reivindicação: “Pedimos aos nossos parlamentares políticas que fomentem o turismo ecológico, atividades de recreação e pesquisas científicas como forma de desenvolver economicamente a região e não projetos que fortalecem a criminalidade e invasões na Amazônia”. Em suas redes sociais, a deputada Mara Rocha manifestou-se sobre a polêmica gerada em torno da proposta.
“A aprovação desse projeto vai ser de extrema importância para o desenvolvimento do nosso Estado e para a região do Vale do Juruá”, fala em vídeo. “Com a aprovação desse projeto de lei as pessoas vão poder ter acesso à Serra do Divisor, vão poder ter uma estrutura para o turismo. E é isso que a gente quer. Esse projeto de lei visa fomentar o turismo na região do Vale do Juruá, permitir que nós tenhamos estradas naquela localidade para levar o turista com conforto”, acrescenta a parlamentar. Mara Rocha ainda esclarece que o PL é de autoria do senador Márcio Bittar e que solicitou a ele a apresentação na Câmara dos Deputados.
Ainda no posicionamento, Mara destaca que o “único objetivo” com a apresentação do projeto é “alavancar o turismo na região”, e diz “amar o meio ambiente” e preservá-lo.