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Historiadora reúne 14 crônicas de artistas com gêneros e sexualidades diversas no livro “Vozes transcendentes: Os novos gêneros na música brasileira” lançado em São Paulo
Nos últimos dois anos, uma nova cena musical surgiu no país. Entre os temas abordados por esses artistas estão o enfrentamento social, a luta por igualdade e a quebra de barreiras de gênero e sexualidade.
A historiadora e pesquisadora Larissa Ibúmi Moreira observou de perto o surgimento e fortalecimento desse movimento, encabeçado por artistas LGBT. O resultado pode ser visto no livro “Vozes transcendentes: Os novos gêneros na música brasileira”, lançado pela Editora Hoo.
Amiga de faculdade das vocalistas trans Raquel Virgínia e Assucena Assucena, do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, Larissa acompanhou de perto o nascimento dessa cena que, além de ser musical, abriu caminho para um movimento estético e comportamental.
Na noite de lançamento, a autora conversou com a Ponte. “Percebi uma importância histórica com o surgimento dessa nova cena. Há muita coisa envolvida nesse movimento, não só a questão de gênero, mas de raça e classe também”, conta Larissa.
“Minha formação em História ajudou muito, principalmente na hora das entrevistas e das abordagens. A intenção, além de ter um registro histórico, era ter minibiografias dos artistas, como personagens de resistência nos tempos de hoje, como isso pode inspirar as novas gerações a saber que se pode ser quem se é”, completa.
Entre as referências da autora, estão as filósofas Judith Butler, com a teoria queer, Angela Davis, com a interseccionalidade, e Djamila Ribeiro, com as questões do lugar de fala. Essas influências foram fundamentais para a elaboração do livro e a escolha dos personagens.
Com minibiografias contadas em primeira pessoa, na voz dos entrevistados, Larissa usou a metodologia conhecida como História Oral, em que a escuta é o fator determinante para conduzir as trajetórias de cada personagem.
As histórias de Raquel Virgínia e Assucena Assucena, do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, Rico Dalasam, Liniker, São Yantó, Linn da Quebrada, Tiely, Luana Hansen, Jup do Bairro, Tássia Reis, Erick Barbi, Luedji Luna, Paula Cavalciuk e Johnny Hooker aparecem nessa ordem.
“A escolha [dos personagens] partiu da necessidade de enxergar essa diversidade, pois é um movimento plural e que vem principalmente da periferia. Então busquei artistas com uma diversidade em relação ao gênero, trazendo mulheres e homens trans, e de sexualidade, com mulheres cis bissexuais, mulheres cis lésbicas, homens cis gays. Busquei um panorama completo dessa cena, não só aquilo que está mais na lente da mídia, mas que tivesse uma liga mesmo, em relação a gênero, raça e classe interseccionados”, explica a autora.
Assucena Assucena acredita que os artistas desse movimento precisam ser agentes das ações, não só parte da nova cena. “Esse elenco surgiu entre 2015 e 2016 sem que ninguém combinasse nada. De repente tínhamos uma cena LGBT inteira, reivindicando posturas políticas e comportamentais. A importância é participar e ser agente nesse tempo histórico. Precisamos propor linguagens, novos olhares, novas posturas e novos comportamentos”, argumenta a cantora.
Para a cantora Liniker, o livro é um registro histórico, principalmente para artistas trans e travestis. “É importante colocar a nossa história em registro, falar que a gente existiu e tem existido, que tem outras formas de viver e que a gente escolheu fazer isso juntas, sabe? Ter tudo isso em um livro é resistência. A minha geração não tinha material para ler sobre o assunto. Várias pessoas foram apagadas ao longo dos anos, principalmente as mulheres trans e travestis”, afirma.
A rapper Luana Hansen também lembra a importância de registrar essas trajetórias. “É uma grande representatividade ter a minha história registrada enquanto mulher lésbica negra. Entrei no rap pra viver, para largar o tráfico [de drogas], e hoje eu vejo a luta para me manter sendo lésbica dentro desse movimento ainda muito machista. Daqui pra frente, as pessoas vão saber quem é a Luana Hansen”.
Assim como Liniker e Luana, Linn da Quebrada enxerga que o processo da escrita materializa as vivências LGBT, sobretudo de pessoas trans e travestis. “Ter parte da minha história transcrita nesse livro é uma forma de materializar memórias, é uma forma de que eu mesma me sinta representada. Estar inserida na história, que é comumente contada uma versão que exclui pessoas trans, pessoas pretas, essa versão tradicional que exclui essas memórias. Essas pluralidades nos ajudam a abrir o leque de imaginário social de estéticas de resistência”.
Tiely Queen, homem trans e rapper, acredita que essa nova cena musical é uma continuação da luta iniciada por artistas LGBT na década de 1980. “Desde criança, eu já acompanhava alguns artistas dos anos 80, como o Ney Matogrosso. Na época que surgiram esses artistas, era tudo fechado, não era tão aberto quanto é hoje. Isso sempre foi uma forma de resistência dentro da classe artística, e mostra, ainda hoje, que temos muito talento pra apresentar”.
Para a cantora Paula Cavalciuk, o surgimento dessa cena musical tira das margens pessoas antes silenciadas. “Não sei se posso chamar [essa cena] de movimento, mas a gente não pode negar que está em movimento, está empoderando muita gente. Está dando voz pra muita gente que até então não tinha. É necessário existir esse empoderamento pra gente não se invisibilizar, ficar cada vez mais retraído”, pondera Paula. Ela também reforça a importância do lugar de fala nesse processo. “É importante que as pessoas escrevam as suas próprias caminhadas para que ajude as pessoas a saírem das amarras dessa sociedade, em que seguimos um padrão. Quando você descobre que pode fazer muito mais sendo você mesmo é libertador”, afirma.