Você sabe por que o agro é pop, é tec, é tudo?

  Foto: CC.0 Wikimedia Commons

Por Paulo Lindesay.*

Na década de 90, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a lei Kandir era um dos principais pilares da política do seu governo. Consistia em aumentar as exportações dos produtos brasileiros, através de benefícios para as grandes empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados, com imunidade de ICMS. Entretanto, o ICMS é o principal tributo dos estados, não do Governo Federal. Criou-se então um artifício pelo qual os estados deixavam de cobrar o tributo, depois lhes transferia os recursos equivalentes.

Entre 1999 e 2018, as empresas exportadoras deixaram de pagar aos estados, a título de imunidade de ICMS, cerca de R$ 637 bilhões. No mesmo período, a União repassou aos estados, através das transferências obrigatórias consolidadas , pouco mais de R$ 45 bilhões ou cerca de 7% das receitas devidas, de acordo com dados oficiais do Tesouro Nacional. Se deflacionarmos (IPCA/IBGE) , os valores entre junho de 2018 e maio de 2024, chegaremos a mais de R$ 886 bilhões.

Em maio de 2020, o plenário do STF homologou o acordo de compensação das perdas de arrecadação decorrentes das isenções do ICMS segundo a lei Kandir. A União, nos termos desse acordo, deverá repassar em parcelas anuais aos Estados e seus Municípios, pouco mais de R$ 65 bilhões em 17 anos (2020 a 2037) referentes a uma dívida (atualizada pelo IGP-DI, até junho de 2018), de R$ 637 bilhões. Isso é acordo ou um crime de lesa-pátria?

Em 2020, o Senado Federal aprovou o acordo infame, convertido na lei complementar n0 176/2020, que, além, das transferências, prevê leilões dos Blocos de petróleo de Atapu e Sépia, com repasse dois bilhões de reais. Com a revogação do Art. 91 do ADCT e sem a revogação da Lei Kandir, os Estados e Municípios continuarão a amargarem prejuízos ainda maiores porque não haverá mais a compensação por parte da União das perdas de receitas de ICMS. Entretanto, a Lei Kandir continuará a dar imunidade de ICMS às empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados.

Os grandes empresários do agronegócio, do setor da mineração e do setor energético são os grandes beneficiados da imunidade de ICMS. Exportam seus produtos em dólar, euro ou outras moedas estrangeiras, sem pagamento do principal imposto estadual, o ICMS, já que são produtos primários ou semielaborados. Em contrapartida, deixam um rastro de destruição no solo e no subsolo brasileiro, assim como nas florestas, devido a explorações predatórias realizadas sobretudo pelas grandes empresas transnacionais e nacionais.

Essas grandes empresas têm lucros fantásticos, mas deixam poucas divisas no território brasileiro. Pagam poucos impostos e, devido ao avanço tecnológico do setor, geram poucos empregos. Ao lado disso, sob o pretexto de flexibilizar a exigência de cobertura cambial nas exportações, o Conselho Monetário Nacional aprovou uma medidas de simplificação na área de câmbio anteriores à entrada em vigor da Lei nº 14.286, de 2021, que autorizou o Banco Central, apoiando-se na Lei nº 11.371/2006 , a ter competência junto ao Conselho Monetário Nacional para estabelecer o percentual dos recursos de exportação que pode ser mantido no exterior, fixou um limite de 30% para isso. Em 2008, entretanto, esse limite foi elevado para 100%. A justificativa para a eliminação do limite era que isso consistia em importante instrumento econômico e gerencial para as empresas exportadoras, contribuindo ao mesmo tempo para uma melhor inserção do País no mercado internacional.

É um imperativo em favor da sociedade brasileira que a Lei Kandir seja revogada, diante dos prejuízos que continuará trazendo às receitas estaduais passadas, presentes e futuras, de ICMS. De fato, entre 1999 e junho de 2018, a União deixou de repassar aos Estados, pelas transferências obrigatórias, a título de imunidade de ICMS às empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados, cerca de R$ 637 bilhões. Nesse período, a União repassou aos Estados através das transferências obrigatórias consolidadas pouco mais de R$ 45 bilhões, o equivalente a pouco mais de 7% do total de receitas não pagas de ICMS, de acordo com dados oficiais do Tesouro Nacional.

No caso do estado do Rio de Janeiro, em 2017, o repasse foi de pouco mais de R$ 1,8 bilhão, com uma perda de receita de ICMS acumulada entre 1999 e junho de 2018 no montante de cerca R$ 34 bilhões. Se deflacionarmos os valores entre junho de 2018 e maio de 2024, essa perda alcançará a cifra de aproximadamente R$ 70 bilhões.

Em 2022, o governo Bolsonaro piorou ainda mais a situação financeira dos Estados ao aprovar a Lei Complementar 192/22 , que isentou do pagamento de ICMS combustíveis e outros produtos. Jogando essa conta no colo dos governadores.

No caso do Rio de Janeiro, a perda de receita de ICMS apontada no projeto de lei Orçamentária de 2023 ficou entre R$ 5 bilhões e 10 bilhões. Essa conta será paga pela população fluminense.

É nesse contexto que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, está submetendo ao Congresso um projeto de lei para que os estados paguem suas dívidas à União. Não seria o caso de fazer uma compensação com o estoque histórico de dívidas da União para com os estados, mesmo porque a maioria deles não tem recursos sequer para cumprir suas mínimas funções constitucionais? E não seria o caso, também, de os governadores assumirem uma posição menos submissa ao Governo federal, não fazendo descaso desses direitos?

No caso do estado de Minas Gerais, o governador Zema, renunciou a uma receita de mais de R$ 135 bilhões de receitas de ICMS, da Lei Kandir, que poderiam ser trocadas pela dívida do estado de Minas Gerais. Hoje uma dívida pública, devida a União, equivalente a mais de R$ 160 bilhões.

Os governadores não deveriam questionar essas dívidas públicas estaduais ilegais, ilegítimas e odiosas? Dívidas gestada por elas mesmas. Ilegalidades jurídicas, apontadas pela sumula 121 do STF. O chamado anatocismo, juros sobre juros. No caso do Estado do Rio de Janeiro, precisamos exercer o nosso direito constitucional do cumprimento ao Art. 36 dos Atos Diretos Constitucionais Transitórias. Auditoria com participação cidadã da dívida pública do Estado do Rio de Janeiro.

* Diretor da ASSIBGE-SN/Coordenador do Núcleo Sindical Canabarro

Coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã RJ.

 

 

 

 

 

 

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