Por Luciane Recieri, para Desacato.info.
E sobre um sorriso inventado lá na infância, quando eu sabia sorrir de quase tudo. Aprendi a sorrir pra me defender. Sorrir é uma luta diária. Não sabiam bem o que eu era. Eu sabia: era menina. Alta demais pra idade. Os cabelos a la homme para controle das pragas e sossego de minha mãe. Cresci no meio de cinco meninos. Roupas herdadas, a idade regulava. Eles me ensinaram toda sorte de malandragem, mas das boas, do tipo saquear a goiabeira do português avarento, abrir tramela da carrocinha, escorregar no barranco, fazer pipa… Toda vez que ia visita, era a mesma ladainha: – Quantas meninas? Quatro? E vinha a Luci, Ciça, a menina. E olhavam sem entender a menina.
A vida toda foi ouvir “você é menino ou menina?”
Menina. Menina. Menina.
E teve vez que ia buscar uma boneca quando sabia que vinha gente.
Nossa! Um menino que brinca com boneca! E um dia. Era junho. Tinha festa. Tinha dez anos. Um moço, namorado de alguém, me perguntou se eu era menino ou menina. Sorri vencida. Não iria mais me dizer. E ele disse: – Menina!
Seu sorriso é de menina! Pronto!
Meu passaporte era o sorriso. Sempre que duvidam de mim, sorrio. Não que precisasse provar, mas eu queria era ser menina mesmo, mesmo que de cabelos a la homme, pés no chão, figurinhas pra bater.
Desde sempre.
Menina.
[avatar user=”Luciane Recieri” size=”thumbnail” align=”left” link=”attachment” target=”_blank” /]Luciane Recieri é cientista social e escritora, em Jacareí /SP