Por Luciane Recieri, para Desacato.info.
As pessoas me estranham porque acham que gosto de nada ou quase nada. Que nada me agrada, que nada me suspende. Em minha defesa, venho dizer que não: as banalidades, as gentes anônimas, as pegadas de cães falecidos impressas no cimento, as fotos das sepulturas antigas que o sol torna sépia, as bacias cheias de macarrão nos domingos fartos e simples, os dentes de ouro dos compadres muito velhos, as poucas coisas que sobram, o idoso que tenta aprender violão, a criança que arrisca um passo de dança, do céu que parece girar com o silêncio de agosto e um avião que ronca ao longe me dando tontura, uma seda de bombom que roda no remoinho, o cheiro acre das frutas que caem de podres ou de maduras ou de preguiça da vida e esborracham no chão, os varais cheios de fraldas como se pedissem a paz que não inventaram, as casas muito antigas que fazem eco, mesmo que mobiliadas. Os passos dos fantasmas conhecidos que se libertam das molduras à noite e me aguardam na escada ou no corredor. É nessa hora que invento as melhores histórias.
Foto: Greenbaby.com.es
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Luciane Recieri é cientista social e escritora, em Jacareí /SP