É, nenhuma vitória no tapetão é tão gostosa quanto a que viria ali, na avenida, no 10 narrado por Jorge Perlingeiro na quarta-feira de cinzas. Imagina então, não a vitória, mas o não rebaixamento vindo pelo tapetão. Imagina agora, que esse tapetão nem foi por sua causa, que foi por causa da sua colega de queda, ou seja, você permanece na elite como um brinde que veio com a real homenageada. Estranho, né? Já viu colocarem água pro cachorro e você é o pombo que pega o que cair fora da tigela? É estranho sim. Mas eu fico dividido e vou explicar.
O que houve, Saga?
Titio Saga explica, meu pequeno gafanhoto: Tanto Império Serrano quanto Grande Rio tiveram problemas sérios de evolução e harmonia (entre outras coisas, mas o principal aqui é isso). A Grande Rio teve um carro alegórico que não entrou na avenida, o que provocou buracos e o atraso em 5 minutos no cronômetro oficial. O Império Serrano teve um problema semelhante no tocante ao tempo regulamentar, mas foi um pouco mais peculiar… Minha escola conseguiu passar 2 minutos adiantada. Não teve alegoria faltante, mas, como eu falei, outros fatores contribuíram para a péssima colocação. Resultado: Grande Rio em penúltimo e Império em último, seriam as rebaixadas de 2018, convidadas a disputar o grupo de acesso (chamado de Série A pela mídia) em 2019. Tá, não foi o que aconteceu e um decreto da prefeitura estabeleceu que, pelo segundo ano consecutivo, ninguém vai cair.
Como foi isso, Saga?
Do jeito que a coisa toda se desenhou, está na cara que foi uma medida de proteção à Grande Rio, assim como foi favorável para priorizar a Tijuca em 2017. Naquela oportunidade, Paraíso do Tuiuti veio no apêndice como o Império Serrano veio agora. Tanto Unidos da Tijuca quanto Grande Rio são queridinhas da Globo, a detentora do monopólio de transmissão dos desfiles e todo merchandising que isso implica. Tanto que até o desfile das campeãs, que a emissora não exibe pra não atrapalhar sua programação, não tem nem cedido para concorrentes para não perder audiência. Se a platinada não deixa de mudar sua programação nem bem nos desfiles oficiais, que dirá num dia que já não tem competição. Mas estou divagando, deixa eu voltar à vaca fria.
Se por um lado, a Unidos da Tijuca cairia por provocar, junto com a Tuiuti, acidentes gravíssimos na avenida no desfile, tentaram usar um argumento meio sentimentalóide de poupar a todos por causa da tragédia. Tipo como fizeram há alguns anos quando um incêndio na Cidade do Samba destruiu barracões e foi decidido que ninguém cairia devido à falta de condições de algumas escolas (a Grande Rio estava ali no meio também que eu lembro) e a falta de culpa na fatalidade. Ok, naquela vez, colou. Um acidente, uma fatalidade, as prejudicadas não tiveram culpa e achei justo. Mas ano passado foram acidentes diretos provocados por escolas. Mas entrou o fator pistolão, e no pistolão, rolou o tapetão. Na outra ponta a Mocidade também já veio mordendo o troféu junto com a Portela numa justificativa de última hora estranha, então… Carnaval é esse vale-tudo até no sambódromo mesmo? Prossegue.
Tá dividido porquê, Saga?
Bem, estou dividido entre dois princípios, um do coração imperiano e outro do ponto de vista político e prático. Primeiro vou falar do ponto moral e cultural. Já disse no facebook e em conversas de zap e presenciais que tapetão não me faz a cabeça. Antes ver meu Império defendendo sua bandeira dignamente no acesso e voltando quando for merecido do que sendo favorecido em reviravoltas políticas. Meu reizinho de Madureira tem uma história de lutas e defesa cultural, de vanguarda e tradição ao mesmo tempo que apaixona quem apenas chega perto. É só ver os nomes que estão aí no imaginário popular imperiano: Dona Ivone Lara, Arlindo Cruz, Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, Jovelina, Beto Sem Braço, Wilson das Neves, Aluísio Machado, Roberto Ribeiro, Mestre Fuleiro, Aniceto, Tio Hélio e muitos outros.
Esses caras não aceitariam brigar contra rebaixamento através de virada de mesa. Uma história bonita demais pra ameaçar com essas pseudo-regalias. E mais: Com a estrutura e organização que apresentou esse ano, o glorioso talvez tivesse até dificuldade pra se reerguer, ainda mais disputando com a Grande Rio, mas o crescimento que isso traria – ou não – poderia levar tempo, mas traria de volta um Império forte e calejado, malandreado pela corda bamba. Em suma, minha escola ia apanhar, mas ia crescer, igual massa de bolo e aí ia ser ruim de segurar.
Tá, mas você falou que também tem um ponto de vista político, Saga? Fale mais sobre isso.
Claro, gafas (diminutivo carinhoso para gafanhoto, rá!), a questão política e prática é bem… er… prática: Escola que não cai, já deu um passo a mais – ou pelo menos, um passo menor – pra ficar na elite. Ou seja, já nos poupamos da briga do acesso, o que pode ser como colher verde pra ver se dá pra madurar, mas pode dar um gás na confiança da escola. Lembremos que a Paraíso do Tuiuti seria uma franca concorrente a cair ano passado e, tendo sido poupada, veio com um carnaval simples, mas lindo e eficiente. Quem sabe o Império não pega a visão e aprende a lição? Eu acredito. Pelo menos torço muito.
Tem também o lado político das relações entre as escolas. Se o decreto decidiu – não importa a lógica do argumento – que a Grande Rio fica e o Império se segura na carona, quem vai ser o maluco de falar ‘ei, LIESA, eu quero cair pra manter maior dignidade e merecer estar no especial’? Isso pode ser um tiro no pé e o Império já teve problemas no passado por não andar com os populares do colégio, entende? Não alimentou estreitas relações e nessas horas de regalias, era o primeiro a ser sacrificado pelo cumprimento do regulamento à risca. Pra ilustrar, ir contra essa decisão agora, seria como recusar um favor não pedido. Olha a desfeita!
Além de retaliação ou abandono, a escola pode acabar se mantendo no grupo, mas de forma isolada. E se já levou um monte de tesourada dos jurados só por ser a ‘escola que acabou de subir’, imagina se for a escola que despreza ou contesta favores? Se a Liga da Justiça te dá um presente, você não rejeita com um tapa na mão do Superman. É uma galera que pode te incinerar só de olhar e escola nenhuma tem essas tendências suicidas. Vamos receber o presente, agradecer à Unidos da Tijuca e Acadêmicos do Grande Rio pela sequ~encia de fatos e eventos que culminaram nisso.
Tá, Saga, falou à beça, mas e aí?
Olha, eu preferia ganhar com a bola no pé do que com uma rasura no regulamento embaixo do braço no escritório, mas estar no grupo especial é melhor do que levar sei lá mais quantos anos brigando pra subir entre bons desfiles, desfiles estranhos e possíveis acidentes ou incidentes que estragam em minutos um trabalho de um ano. Só torço pra que o Império faça como a Tuiuti que de uma das culpadas da desgraça de 2017, se tornou a campeã do povo de 2018, um único décimo atrás da toda-poderosa Beija-Flor.
Aliás, um desfile das campeãs já me emociona só de pensar, mas espero que o Império venha simples, bonito e se mantenha sobre as próprias pernas ano que vem. É o que eu falo, desfile de sambódromo é pra inglês ver, pra turista achar que tá inseridão na nossa cultura, mas até desfilando na Serrinha o Império vai me emocionar. A cultura mesmo, a escola, a história, essa é no cotidiano, quem frequenta, quem vive lá dentro sabe. Daí que vem o medo de ser salvo igual borboleta tirada do casulo antes da asa estar firme pra voar sozinha. Não é pra comemorar, é pra fazer igual aquele personagem de filme que descobre que tudo foi um pesadelo e que tem a chance de aproveitar a melhor a vida.
Cair dois anos seguidos do mesmo grupo seria uma facada no orgulho cultural imperiano. Mas, enfim, é Império Serrano de volta ao grupo especial. Aproveitemos a chance pra começar a brilhar de novo pela luz de São Jorge e da Estrela de Madureira.