Violência política pré-eleições salta 130% em quatro anos; pesquisa mostra chance de nova escalada em breve

ONGs alertam que curva mostra fenômeno acentuado e exige ações estatais pedagógicas

Nikolas Ferreira [ao centro] e André Janones [de costas] durante briga no Conselho de Ética; os dois foram cercados por deputados e seguranças para evitar violência física – Lula Marques/ Agência Brasil

Por Cristiane Sampaio, Brasil de Fato.

Na esteira do acirramento das disputas políticas dos últimos tempos, o Brasil foi palco de pelo menos 299 casos de violência política entre 1º de novembro de 2022 e 15 de agosto deste ano. Foram 145 apenas em 2024, com destaque para 14 casos de assassinatos, o ponto alto desse tipo de ocorrência. Os dados são de um estudo desenvolvido pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, que identificaram ainda um salto de 130% nos episódios de violência política no período pré-eleitoral deste ano, cuja largada se deu oficialmente em 16 de agosto, no comparativo com o pleito de 2020.

A pesquisa contabilizou casos de violência manifestados em forma de agressões físicas, ameaças, atentados, invasões, ofensas, criminalização e assassinatos. Observados em retrospectiva, os dados apontam não só para uma crescente dos casos, mas também para uma frequência cada vez maior dessa modalidade de violência no país: no pleito de 2018, uma pessoa foi vítima de violência política a cada oito dias; em 2020, o estudo mostra um caso a cada sete dias; agora, em 2024, a regularidade tem sido de uma vítima de violência política a cada um dia e meio.

Discussão entre deputados Zé Trovão (PL-SC) e Guilherme Boulos (Psol-SP) na Câmara / Lula Marques/ Agência Brasil

Os casos mais comuns foram os de ameaças, com 153 registros, e atentados, com 41. O número total de 299 episódios de violência política entre 2022 e agosto de 2024 teve a seguinte distribuição: foram 22 assassinatos, 26 agressões, 153 ameaças, 41 atentados, 15 criminalizações, 38 ofensas e 4 invasões.

Segundo as organizações, 77% dos ataques foram dirigidos a vítimas que exercem mandatos políticos. Além disso, o segmento da esquerda concentrou a maioria das ocorrências. PT e Psol foram alvo de 56 e 33 ataques.

Os pesquisadores acompanham o fenômeno da violência política desde 1º de janeiro de 2016 e, de lá até aqui, identificaram um montante de 1.168 ocorrências no Brasil.

“Quando a gente começou a observar o problema, em 2016, a gente tinha uma incidência maior de violência concentrada em partidos mais no campo da direita ou do centro. Nos últimos anos, a gente vê que ela está mais concentrada naqueles partidos que se colocam à esquerda. Se a gente pensa no ambiente eleitoral marcado pelo discurso de ódio e violência gerado pelo Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, a gente vê [agora] que aquele cenário não sofreu tanta alteração. Ao contrário, [o fenômeno] segue em elevação. O Brasil precisava aprender a enfrentar isso porque isso coloca em risco a própria democracia”, comenta a coordenadora do Programa de Proteção de Defensoras/es de Direitos Humanos e da Democracia da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho.

Gênero

A especialista chama atenção ainda para um conhecido recorte relacionado à dinâmica da violência: as mulheres foram o destino de 46% dos ataques registrados pela pesquisa entre novembro de 2022 e agosto deste ano. Nesse caso, as principais ocorrências foram de ameaças, responsáveis por 73 registros, e ofensas, estas com 34 episódios. Sandra Carvalho destaca ainda outras nuances dos números.

Pré-candidata a vereadora por Nova Iguaçu (RJ), Juliana Lira foi uma das vítimas em 2024; ela foi morta a tiros em julho juntamente com o filho, de 27 anos / Divulgação/Terra de Direitos

“As mulheres, mulheres negras e trans, estão menos representadas nos espaços de poder na política. A gente tem uma representação de homens brancos bem maior, mas chama a atenção como elas estão sendo mais atacadas neste cenário [contemporâneo]. No período analisado, a gente identificou 15 casos de ameaças de estupro a mulheres parlamentares, por exemplo. A gente vê que também tem as especificidades de que, quando [a vítima] se trata de uma mulher, a questão da ameaça de violência sexual é um instrumento [comum], e a gente não identificou nenhum caso desses contra homens, por exemplo.”

A pesquisa

O estudo, intitulado “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, está em sua terceira edição e ainda terá outras partes divulgadas adiante, após o primeiro turno do pleito deste ano. Com relação ao material de análise, os organizadores do levantamento consideraram, para a coleta de dados, um conjunto de materiais pescados a partir de busca ativa de notícias em veículos jornalísticos, redes sociais, buscadores de internet e ainda de rastreamento automatizado de notícias em código Python, um tipo de linguagem de programação. Foram consideradas somente ocorrências nas quais havia indícios de motivação política.

Vestindo uma peruca, deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) ofendeu mulheres trans na Câmara ao proferir ataques ao segmento / Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

“A gente ampliou, ao longo das últimas edições, os nossos mecanismos de buscas, até mesmo as palavras-chave. A partir disso é que a gente reúne os casos mapeados”, explica a coordenadora de Incidência Política da Terra de Direitos, Gisele Barbieri.

Contenção

Para a especialista, o cenário de violência política exige um amplo comprometimento do Estado brasileiro e ações articuladas de combate ao problema. “A gente precisa de uma união dos órgãos de Justiça, do Legislativo e até mesmo de um trabalho de conscientização da sociedade. Uma crítica que a gente faz às legislações que existem para punir a violência política é que elas têm um caráter meramente punitivista: elas encarceram, cobram multas, mas não ensinam aos agressores nem à sociedade o que é esse fenômeno e como ele vem interferindo na nossa sociedade.”

Gisele Barbieri ressalta que faltam ainda ações capazes de gerar uma cultura de prevenção da violência no campo político. “Por isso é tão importante pensarmos um caráter pedagógico para as nossas legislações. A gente precisa fazer com que esse debate seja de todos na sociedade. Enquanto não tivermos ações coordenadas e voltadas a isso, vai ser difícil superar. É necessário que o Estado assuma esse fenômeno como instrumento que tem comprometido a democracia brasileira e que por isso precisa ser combatido.”

Edição: Nicolau Soares

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.