Por Norma Odara
“Depois da saída do gêmeo 1, minhas contrações pararam. Cheguei a achar que o gêmeo 2 poderia ficar lá. Mas em menos de 30 minutos a segunda bolsa estourou, sem contrações. O “doutor” disse que iria começar a introdução de ocitocina. Ao dizer que não queria, o médico começou a me ofender verbalmente:
-Tudo bem, se demorar muito seu segundo filho vai morrer também. Mas se você quer matar ele tudo bem. Por que você não faz força? Na hora de fazer não tava bom? Você vai matar seu filho se você não colocar ele pra fora logo.”
Esse é o relato desolador de Ana Paula*, grávida de gêmeos, que sofreu pelo menos nove violências obstétricas ao procurar atendimento depois de uma dor, no Hospital Geral de Fortaleza, no Ceará. Ela perdeu seus dois filhos com 22 semanas e 4 dias de gestação. (Leia na íntegra o relato de parto de Ana Paula)
Violência obstétrica é o nome dado para toda e qualquer tipo de violência física, verbal ou psicológica causada durante a gestação da mulher, no momento do parto, do pós-parto e no atendimento em situações de abortamento.
A Presidenta da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, Daphne Rattner, comenta como deveria ser o atendimento de Ana Paula.
“É preciso dar suporte com amorosidade para ela conseguir lidar com a dor da perda/ luto. Como ela não recebeu esse apoio da equipe isso se configura em violência obstétrica.”
Através de procedimentos médicos desnecessários, humilhações, impedimento da entrada de acompanhante e uma série de outras medidas, a violência obstétrica acomete uma em cada quatro mulheres brasileiras, de acordo com dados da Fundação Perseu Abramo.
Outra pesquisa da fundação, de 2010, intitulada “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado” mostra que 23% das mulheres ouviu alguma ofensa durante o parto.
“Não conseguia parar de chorar e dali em diante comecei a desejar a morte… é indescritível a dor da perda.”
Ana Paula foi submetida a ocitocina, que estimula contrações, contra sua vontade. Sofreu exames de toque desnecessários, além de agressões verbais pelo médico que a insultou constantemente. Também foi amarrada à maca e a auxiliar obstetra realizou a “manobra de Kristeller”, pressão na barriga, para expulsar os fetos.
Depois de tanta humilhação e sofrimento, ela relata que o médico a abandonou na sala de parto e foi almoçar. Ela perdeu seus dois filhos e quando achou que já tinha passado por todas as violações sofreu mais uma.
“Assim que acordei, me desceram pro pós-parto enrolada num lençol…. que dor! Chegar lá (no pós-parto) e ver todas aquelas mulheres com seus bebes, e eu sem os meus”.
Rattner explica que outro procedimento que deveria ter sido tomado: “O Ministério da Saúde recomenda que mulheres que passam por essa perda não fiquem no quarto com mulheres que recém pariram filhos vivos”.
As medidas para denunciar os abusos podem ser feitas pelo telefone, como explica Deborah Delage, representante da Parto do Princípio, Mulheres em rede pela maternidade ativa,
“Ao sofrer violência , a mulher deve procurar os canais de denúncia. As primeiras providências são as denúncias por telefone 180 – falar com a atendente que recebe as denúncias de violências contra a mulher em geral. Elas já são treinadas em receber denúncias de violência obstétrica e podem dar informações sobre outros canais legais pra seguir com a denúncia. 136 – denunciar no âmbito da saúde, explicar quais foram os profissionais e instituição onde ocorreu a violência”.
Na Argentina e Venezuela, a violência obstétrica é tipificada e considerada crime, no Brasil as mulheres ainda resistem, denunciando e não calando.
*A autora do relato de parto preferiu ter seu nome trocado por razões de privacidade.
Fonte: Saúde Popular