Li um texto genial, escrito por Antônio Souza Capurnan, intitulado : Ponta D’estoque – ESCRITOS DO SUL II – Porto Alegre amanheceu, hoje, nevoada.
Antônio narra, através de linhas cheias de emoção e engajamento, um de seus dias, desde o sonho da noite, passando pelo café numa padaria, até chegar à Cozinha Solidária, no Bairro Azenha, que fornece marmitas e café às pessoas desabrigadas pelas enchentes e aos moradores de rua. Antônio, já dentro da cozinha, dialoga com pessoas e se dá conta de que, naquele ambiente pleno de generosidade, a maioria das pessoas são jovens.
A narrativa de Antônio nos convida a ver nos jovens a esperança, a mesma que – nos corpos velhos – aos poucos, vai se perdendo, dando lugar à impaciência.
Mas, frente aos gigantescos desafios colocanos em nossos dias, confesso que ainda vejo poucos jovens engajados na fundamental tarefa de mudar o mundo.
Eu passei, na noite de quinta-feira, 30 de maio – não lembrava tratar-se de feriado – pelo Bairro Bom Fim – enquanto levava minha filha Camila em casa, porque ela, na manhã seguinte, retomaria às aulas presenciais em Sapucaia, onde é professora. Nessa travessia pela Cidade Baixa vi, nos bares do bairro, uma multidão de pessoas jovens bebendo e confraternizando como se nada do que estamos vivendo do Rio Grande no Sul existisse.
Lá, pelo que percebi, havia boa música, bom papo, muitos sorrisos, bebidas, roupas alinhadas, ambiente leve. Alguns carregavam seus cães na guia e até no colo.
Observei tudo e pensei: a vida, para toda essa gente, é bela.
Retornando para casa, observei, pelo caminho, entre luzes e calçadas, dezenas de pessoas em situação de rua, deitadas no chão envoltas em cobertores ou andando de um lado ao outro, sem terem para onde ir.
A imagem confronta com aquela dos bares do Bom Fim. Vidas urbanas paradoxalmente opostas… E pensei: para alguns a vida continuará sendo sempre bela.
Na manhã seguinte saí de casa cedo, encontrei-me com dois queridos amigos, Flávia e Sílvio, e juntos fomos à Tekoa Mbya-Guarani do Pekuruty, acampamento localizado às margens da BR 290, Eldorado do Sul, km132, onde agentes do DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes – destruíram as casas dos indígenas, que há mais de 20 anos habitam aquele lugar à espera que se cumpram os procedimentos administrativos de demarcação das suas terras. Havia tristezas nos rostos dos Guarani, mas elas se misturavam com sorrisos ao nos verem chegando. Sofreram, sofrem e permanecerão sofrendo naquela beira da estrada, porque sabem que há mais inimigos do que aliados em todos os lugares.
E lá, olhando os carros e carretas que passavam aceleradamente, tive a certeza de que o mundo, ignorando as dores daqueles que nada têm, segue o fluxo do capital, que promove vida bela para alguns e destruição, devastação, desespero e solidão para multidões.
Eu me senti mais velho, mais triste, menos capaz de sonhar. Mas a esperança que me resta, que eu ainda encontro em pequenas porções de solidariedade e colaboração espalhadas entre escombros, me pressiona a seguir andando e crendo num outro tempo.
Porto Alegre, 01 de junho, 2024