“Não tenho tempo para pensar em abstrato sobre o jornalismo” .
Victor Hugo Morales, jornalista uruguaio, há três décadas se desempenha no espectro radial da Argentina, onde é reconhecido como o melhor narrador de futebol da atualidade. Polivalente, Victor Hugo conduz um programa matinal de 4 horas na Rádio Continental da Argentina, de propriedade do conglomerado Prisa, da Espanha: A Manhã com Victor Hugo Morales, de grande audiência, com a política como elemento central. Morales apresenta ainda o programa de TV em canal 9, Baixada de Linha (de análise política nacional e internacional) e conduz um programa de música clássica na Rádio Nacional da Argentina. Victor Hugo também tem sua trincheira na internet e este ano apresentou a segunda edição do livro “Um grito no deserto”.
A presente entrevista foi realizada pela Diretora Geral do Portal Desacato, *Tali Feld Gleiser, na sexta-feira, 17 de agosto de 2012, na Casa Argentina em Paris, França.
“Uma empresa de comunicação não pode dirigir outra pelo fato de controlar sua matéria prima”
TFG: Que experiência e ensinamentos deixa o debate do “Papel Prensa” (papel de jornal)?
VHM: A certeza, para mim, de que o que é material para fazer os jornais deve estar em mãos de pessoas sem nenhum interesse direto na utilização desse papel. Não pode ser um jornal, também não pode ser um governo, tem que ser algo independente dos jornais e dos governos. Mas absolutamente independente de ambos. Tem que ser uma entidade do Estado, embora isto a deixe em mãos do governo, mas depende de como se integre essa gestão estatal, se se derem garantias e seguranças da liberdade com a que vão se mexer dentro do Estado. Me parece que o que com certeza não deve acontecer é que seja um a empresa privada a que dirija as outras empresas privadas através da matéria prima. Portanto, o meu ensinamento do caso “Papel Prensa” é que às vezes não observamos a importância que certos assuntos têm na democratização da vida dos países, porque quando os meios de comunicação estão demasiado controlados por entidades privadas e corporativas, os riscos de uma ditadura, de uma opinião única, etc. são ainda maiores que as das próprias ditaduras militares que, por exemplo, já tiveram os países americanos. Ou seja, o que aconteceu com “Papel Prensa” tem sido um aprendizado muito interessante para nós.
A Sociedade Interamericana de Imprensa não se parece à verdade
TFG: De que forma pode se superar na América Latina essa “verdade única” que, por exemplo, nos impõe a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) ou estes monopólios midiáticos que existem?
VHM: Na verdade, a SIP não nos impõe nada, porque todos estamos prevenidos sobre o caráter que tem de defender seus próprios interesses, porque seus integrantes são os que tem interesses midiáticos muito fortes em todos os países. Ou seja, poucas coisas são menos críveis, poucas entidades no mundo, do que a SIP. Não existe como fator de credibilidade. Não existe salvo para defender esse tipo de interesses através dos meios que a integram que são os que dão importância à SIP, mas para o cidadão comum não tem, de jeito nenhum, alguma implicância com algo que se pareça à verdade. Portanto, a defesa está feita no mesmo momento em que dizemos SIP, algo dentro de nós nos diz do que se trata a SIP. A mim não me preocupa, lógico que a combato. Igualmente, tem pessoas desprevenidas que não sabem quais são os interesses da SIP e o que há por trás dos meios e é bom dizê-lo e lembra-lo permanentemente. Mas quem sabe o que é a SIP, quando aparece defendendo Clarín ou outros meios dominantes da América, não sabe que a SIP é isso, em consequência, não tem nenhum valor. Quem não sabe, o cidadão comum, tem que ser informado de que isto é assim, e quem está informado não lhe dá importância.
Os poderosos dominam a agenda midiática
TFG: E como chegar a esse cidadão, porque uma coisa é teu caso que com a possibilidade que você tem, até te admiro, trabalhando dentro de Prisa, mas para os outros é bastante difícil chegar de um jeito mais massivo.
VHM: Bom, eu também tenho dificuldades nesse sentido, o qual não é errado, mas eu não chego a todos, no entanto a mídia dominante sim chega a todos, a diferença é muito grave, é aviltante, doída, mas é a que devemos combater permanentemente. Alguma vez conseguiremos um determinado equilíbrio e aí é quando aparece o Estado, tentando criar através das leis de radiodifusão mecanismos que permitam uma democratização tal que não haja ninguém que determine a agenda midiática para o restante dos meios, que tenha um poder tão grande que ficam com absolutamente toda a opinião e conseguem um pensamento único ou, pelo menos, tendem a isso.
Se a Lei de Meios não vigora antes de janeiro terá sido apenas um sonho
TFG: A lei de regulação da mídia (chamada Ley de Medios) a partir de quando vai se aplicar legal e oficialmente?
VHM: Temos uma data decisiva proximamente que é a de 7 de dezembro, e aí vamos saber efetivamente se a Lei de Regulação da Mídia entra em plena vigência ou se tem sido um sonho. Porque se não consegue ser antimonopólica a lei fracassa. A lei tem um valor enorme devido a que fixa pautas monopólicas os atuais monopólios ou os que venham a ser criados. Esta é a única forma de democratizar a informação, porque se não for assim estamos perdidos outra vez. Teremos que começar de novo e procurar outros caminhos. Mas a Lei de Regulação da Mídia em 7 de dezembro, como máximo em 10 de janeiro, início de 2013, é uma lei em plena vigência porque depois de 7 de dezembro terão mais trinta dias, de acordo com o que eu sei. Se não entrar em vigência antes de janeiro de 2013 terminar, terá sido um sonho.
Clarín da Argentina tem um jornal, um canal central e mais 300 canais
TFG: E como é importantíssimo, para o país, Argentina, e como antecedente para todos os outros países que estão em um caminho parecido, então é muito importante para todos.
VHM: Sim, as novas pautas midiáticas geraram a partir dos anos 80 e 90 a concentração do que chamamos multimídia. Todos esses multimeios entraram em uma batalha entre eles até que houve uns dominantes que devoraram os outros multimeios, seja nas suas sociedades ou na sua influência e tem quatro ou cinco pessoas em cada país que são os que manejam o que se informa, de que jeito, contra quem, a favor do quê. São poucas pessoas e têm um poder imenso. Se não der para abater esse poder, não tem luta que valha a pena neste mundo. Porque eles são os que têm a chave de tudo. Temos que conseguir que essa chave a tenham não quatro, mas centenas ou, pelo menos dezenas e que haja um equilíbrio de poderes na informação. Tem alguns países que ainda mantém isto, onde há meios mais importantes que outros, mas não que são devorados. O Uruguai me parece, por exemplo, que é um caso onde há um jornal muito importante, tradicional, liberal, que vem ser como Clarín, mas o único poder que tem é seu jornal. Não é um jornal, mais um canal mais 300 canais no país e pelo fato de ter tanto poder os pequenos poderes também lhe pertencem, não podem lutar contra esse poder.
O que acontece na Argentina, não sei como é no Brasil, é dos mais perversos mecanismos de informação que existem no mundo inteiro.
TFG: No Brasil é muito parecido.
VHM: Sim, intuo que sim. Me custa avançar sobre isso porque não tenho os elementos que me permitam falar com propriedade e então corro o risco de ser rapidamente contestado.
TFG: Mas o problema é mais ou menos ou mesmo em toda parte. Você fala de uma exceção, pelos menos entre o que eu conheço.
VHM: Um poder tão vil e tão forte como na Argentina tem suas manhas, mas não posso dizer que a cidadania esteja plenamente informada ou informada por esse grupinho de senhores que são os que tem a chave de tudo.
Mesmo assim, o jornalismo no Uruguai é um jornalismo que tem a ver com o liberalismo, com todas as ideias políticas que fazem à liberdade de mercado, liberdade de portos, liberdades econômicas que nunca se compadecem com as verdadeiras liberdades individuais, liberdade para eles, liberdade para fazer negócios, liberdade para crescer e dominar as liberdades dos outros. Eu tenho uma infinita rejeição pelo mundo assim como ele é.
TFG: Sim, por isso te falo que o problema é mais ou menos o mesmo, as pessoas acreditam que só acontece no seu país.
VHM: Sim, a América Latina é como um copo de vinho que se derrama na mesa toda a toalha está nessa hora…
TFG: Com matizes, mas é mais ou menos igual.
Só para te contar sobre o Brasil, você deve saber muito bem pelo assunto do futebol, por exemplo, que os horários do futebol são pautados de acordo com os horários da novela da Rede Globo. Isso já te dá a dimensão do poder que tem.
VHM: Do poder que tem, é claro.
“Não tenho tempo para pensar em abstrato sobre o jornalismo”
TFG: Qual será o teu próximo grito no deserto?
VHM: Eu não sei se vou escrever outro livro porque estou tão atrapalhado nas conjunturas pessoais, estas que tem determinado, há campanhas, estou tão envolvido nos mecanismos de defesa disto, que o único livro que poderia fazer é sobre tudo o que juntei para me defender dos ataques dos outros. Não sei quem pode se interessar nesse assunto como livro. No dia-a-dia, a minha briga tem um significado. A minha página é a minha trincheira de onde luto e falo as minhas coisas, um lugar pequenino comparado com o mundo informativo. Mas estou tão envolvido nisso que o único que tenho hoje em dia como elemento para compartilhar com as pessoas é o que eu quero dizer por que me acontece o que me acontece, por que a minha briga e onde se situa essa briga. Então não tenho tempo para pensar em abstrato sobre o jornalismo, etc. Só consigo pensá-lo a partir do que me acontece e do que vejo que acontece na Argentina, por exemplo. Estou muito envolvido nessa conjuntura como para conseguir sair dela e fazer um livro como “Um grito no deserto”. É claro que tenho, como todas as pessoas, a gente vive carregada de ideias que gostaria de aplicar, mas neste momento estou devorado pela situação.
TFG: Por esta realidade e além do mais, com todo o trabalho que você tem, porque você não para quieto.
VHM: É verdade, além do mais tenho uma atividade muito intensa que me obriga a muita informação do que acontece hoje e essa necessidade de estar informado me demanda o tempo que não estou no microfone.
TFG: ME lembrei de uma coisa. Que me fale da sua paixão pela rádio, porque ontem você me perguntou por que você escuta o programa. Na hora não respondi e depois pensei “Porque gosto de rádio bem feita”. Como eu me criei em Buenos Aires dos 9 aos 21 anos, quem passa pela Argentina, o Uruguai também, imagino, cresce ouvindo rádio e eu sou apaixonado. Sei que você também gosta demais da rádio. Então queria que me falasses algo sobre ela.
A rádio é o veículo mais mágico
VHM: Que é o mais mágico que existe como meio de comunicação, que passa pelo mais diferenciador que temos os seres humanos do resto dos animais que é a capacidade de imaginar, mais ainda que a de pensar. Porque a de pensar está ligada com a de imaginar. Para mim, a rádio é imaginação. A imaginação sempre tem algum viés por onde a arte se mistura. Portanto eu acho que é a arte de imaginar.
TFG: Muito obrigada.
Tali Feld Gleiser, Paris, agosto de 2012.
Áudio original da entrevista (em espanhol)
*Diretora e fundadora do portal Desacato, Tali Feld Gleiser é comunicadora social, tradutora, revisora e editora.
Fotos: Tali Feld Gleiser e Jorge Forbes.
Excelente a entrevista e a oportunidade de aprendermos com este jornalista tão renomado.
MUY BUENA LA ENTREVISTA CON VICTOR HUGO MORALES.FELICITACIONES A LA PERIODISTA