Por José Álvaro Cardoso.
Nenhum dos problemas econômicos e sociais importantes do Brasil atual poderá ser resolvido pelas políticas defendidas por Bolsonaro e Paulo Guedes. Pelo contrário, as políticas ditas ultra neoliberais estão agravando todos os problemas do Brasil. Vamos lembrar o que foi a primeira grande onda neoliberal do Brasil, nos tempos de Fernando Henrique Cardoso. Com este cidadão na presidência o Brasil teve que recorrer três vezes ao FMI, completamente sem recursos para pagar os compromissos relativos à dívida pública. A política de FHC terminou de desmantelar o país em várias áreas: a taxa de desemprego disparou, direitos trabalhistas foram liquidados e venderam, a preço de banana, estatais fundamentais para o país.
Já naquele período ficou evidente que os pressupostos da política neoliberal estavam errados. Por exemplo a ideia de que tudo que é público é pior do que o existente no setor privado. E, sendo assim, tem que privatizar o que for possível, empresas, estruturas públicas, organizações. Ou o pressuposto de que tem que acabar com o que for possível de direitos trabalhistas e sociais, pois assim as empresas irão voltar a investir e a economia irá retomar. A turma que raciocina com base em dogmas insiste em querer contrariar os fatos: quando o emprego e a formalização do trabalho expandiam no Brasil (entre 2004 e 2014), o Brasil estava entre os primeiros países do mundo (juntamente com EUA e China) na recepção de Investimentos Externos Diretos.
Um dos problemas dramáticos dos governos alçados ao poder através de golpes de Estado, portanto, totalmente ilegítimos, é a incapacidade de retomar o caminho do crescimento. Aqui no Brasil no período anterior ao golpe de 2016, dizia-se que era só tirar a presidente Dilma que os investimentos e o crescimento voltariam como num passe de mágica. Há uma monumental crise caracterizada por baixo crescimento praticamente no mundo todo. Nos países onde houve golpes recentes, no entanto, a retomada do crescimento tem uma dificuldade adicional que é a total ausência de credibilidade dos governos. Bolsonaro é fruto de golpe combinado com a fraude eleitoral de 2018.
No caso do Brasil a situação é agravada pela total incompetência do núcleo duro de poder, para qualquer ação política eficaz. Os quadros do governo são um verdadeiro show de horrores. Um dos motivos é o de que Bolsonaro é uma improvisação. Ele não era o candidato dos golpistas. Mas como ficaram sem candidato viável em 2018, tiveram que apoiar Bolsonaro, um político de extrema direita, com apagada atuação parlamentar, apesar de quase 30 anos exercendo a função de deputado.
As políticas desenvolvidas por este governo são completamente anti crescimento. Desde o golpe eles veem destruindo o mercado consumidor interno com uma série de medidas, aumentando o desemprego e a precarização e levando os indicadores de pobreza a explodirem. A chegada da Covid-19, claro, potencializou enormemente essas tendências. É claro que o PIB não irá crescer, com o aumento do número de pessoas que passam fome, e com a entrega das riquezas nacionais, o mais rápido que podem, para os capitais estrangeiros.
O ataque aos direitos trabalhistas nos países subdesenvolvidos, assim como a entrega das riquezas, procura aumentar a transferência de riqueza da periferia para o centro capitalista, para ajudar a suavizar, para os países ricos, a maior crise da história do sistema. Esse tipo de formulação pode soar um pouco abstrata. Por isso, para ficar mais claro, é bom nos fixarmos, por exemplo, no caso concreto da Eletrobrás, no qual o governo de aloprados quer entregar de mão beijada um patrimônio estratégico, que gera bilhões de lucro líquido para o governo, todo ano.
As privatizações, assim como o conjunto do programa de guerra contra o povo não são defendidos somente por Bolsonaro. Este programa é ainda mais da direita tradicional formada pelos golpistas de 2016, que são os mesmos fraudadores de 2018. Não nos deixemos enganar, Bolsonaro está no poder porque a direita tradicional o colocou lá, mas o programa econômico é o mesmo.
Com o conjunto de políticas previstas no programa de guerra, que representa um verdadeiro lança-chamas contra a população trabalhadora, o país só conseguiria crescer se houvesse uma conjuntura internacional muito específica, na qual o mundo crescesse a taxas vigorosas e estivesse ingressando na economia brasileira generosas somas de capital internacional para investimentos. Mas o cenário é o oposto, as empresas estão saindo de países onde a rentabilidade cai, mesmo com subsídios públicos, como no caso da Ford. Além disso, o mundo vive hoje o risco de mais uma grande recessão global.
A fórmula aplicada por Paulo Guedes (chamada de ultra-neoliberalismo) não funcionou em nenhum lugar do mundo. Claro, me refiro ao ponto de vista dos interesses do país. Evidentemente que funciona para os grandes capitalistas. Onde foi aplicada o crescimento estancou, o desemprego aumentou e o patrimônio público foi dilapidado. Para os que prescrevem a fórmula para os países atrasados (e que eles mesmos não seguem), funciona perfeitamente. Um exemplo: o Brasil perde sistematicamente posições no ranking de complexidade econômica nas exportações (depois de ter ocupado a 25ª posição, pelos dados mais recentes, de 2018, mostram que o país está na 49º posição), interessa diretamente à países como China, EUA, Alemanha, França, etc. Estes são países que dominam a indústria e, portanto, querem menos concorrência possível.
Os governos do golpe (Temer e Bolsonaro), que são os mais entreguistas da história do Brasil, não tem interesse e nem proposta para resolver nenhum grande problema nacional. Bolsonaro e Guedes, e toda a turma, são funcionários do imperialismo. Foram colocados ali para vender patrimônio nacional a preço de banana, destruir as estruturas de atendimento ao povo pobre. Estão ali para devastar o país a serviço dos países imperialistas, que promoveram o golpe no Brasil.
Na fase atual do capitalismo, a financeira, as chamadas operações fictícias, especulativas, se tornam mais importantes que a própria produção real de riqueza. Há um descolamento total entre a esfera real de produção de riqueza, e a esfera financeira, do dinheiro. Isto significa que o volume de dinheiro e de papeis circulando na economia mundial é muito maior do que a riqueza real existente.
Como um dos frutos do golpe, o Brasil talvez seja o país subdesenvolvido mais exposto às atuais turbulências mundiais. A dureza com que a crise financeira tem se manifestado no país revela o quanto está vulnerável às crises mundiais. É muito possível que a trajetória da dívida pública tenha acelerado essa vulnerabilidade da economia brasileira. Até outubro última, a despesa do governo com juros da dívida pública tinha somado R$ 350 bilhões em 12 meses, equivalente a 4,96% do PIB. Como o sistema da dívida é também político e cultural, ninguém questiona os 5% do PIB gasto com 20.000 famílias.
Esta é diferença entre os gastos com a dívida pública e os gastos com o enfrentamento da pandemia. A renda emergencial e outros gastos com a pandemia (que chegou a R$ 509 bilhões) ajudou a tirar da fome mais de 60 milhões de brasileiros. Os quase R$ 350, bilhões de reais pagos aos credores da dívida (em 12 meses até outubro) engordam cerca de 20.000 rentistas, sendo que boa parte nem ao menos mora no Brasil.
No Brasil, ao mesmo tempo em que os governantes são bastante avessos em socorrer o pobre, até nas situações mais extremas, para a burguesia nunca falta dinheiro do Estado. Segundo Maria Lúcia Fattorelli, da Auditoria Cidadão da Dívida, os rentistas contam atualmente com um “colchão de liquidez”, para ficarem mais tranquilos. São mais de R$ 4 trilhões em caixa à disposição dos grandes capitalistas.
Tudo indica que a crise que temos assistido ao nível mundial seja apenas o começo de um processo que tende a ser cada vez mais dramático nos próximos anos. Não se sabe exatamente quais países sobreviverão e como funcionará uma possível nova ordem econômica internacional. Uma conjuntura difícil como essa, somada à um governo de aloprados torna todo esse processo ainda mais difícil.
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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