Por José Eustáquio Diniz Alves.*
“Deus quer evitar o mal, mas não pode fazê-lo? Então não é onipotente.
É capaz de evitar, mas não quer? Então é malvado.
Deus pode e quer evitar o mal? Então por que permite a maldade?
Deus não pode e nem quer evitar o mal? Então por que chamá-lo Deus?”
(Epicuro de Samos, 341-270 a. C.)
O Brasil está passando por um processo de transição religiosa (com queda dos católicos e aumento dos evangélicos), aumento da pluralidade (queda dos cristãos e aumento de outras denominações religiosas) e elevação do percentual de pessoas que se autodeclaram ateus, agnósticos e sem religião.
A pesquisadora Regina Novaes (2004) fala sobre os ventos secularizantes que têm soprado sobre a sociedade brasileira. De fato, o percentual de cristãos (católicos + evangélicos) caiu de 97% segundo o censo demográfico de 1970, para 96% em 1980, para 92% em 1991, para 89% em 2000 e para 87% no último censo de 2010. Concomitantemente, o percentual de pessoas que se declaram sem religião passou de 0,8% em 1970, 1,6% em 1980, 4,7% em 1991, 7,4% em 2000 e 8,0% em 2010.
O interessante a ser notado é que o percentual de pessoas que se declaram sem religião cresce no tempo e no espaço em que aumenta a disputa entre católicos e evangélicos (Alves, Cavenaghi e Barros, 2012 e 2014). Considerando os 5.493 municípios em que os católicos são a categoria majoritária, podemos perceber que quanto menor é a diferença em relação ao percentual de evangélicos, maior é a presença de pessoas que se declaram sem religião. Ou seja, maior pluralidade religiosa significa maior presença de pessoas sem religião.
O mesmo pode ser observado para os municípios em que os evangélicos são maioria. Em 2010, havia 73 municípios onde os evangélicos (tradicionais e pentecostais) superavam o percentual de católicos. De maneira semelhante, podemos perceber que quanto menor é a diferença dos evangélicos em relação ao percentual de católicos, maior é a presença de pessoas que se declaram sem religião.
Considerando as 27 Unidades da Federação, podemos perceber a mesma tendência, ou seja, quanto menor é a diferença entre o percentual de católicos e o percentual de evangélicos, maior é a presença de pessoas que se declaram sem religião. Ou seja, maior pluralidade religiosa significa maior presença de pessoas sem religião também para o nível estadual. Por exemplo, os Estados de Rondônia e Acre possuem maior percentual de pessoas sem religião do que o Estado de São Paulo, pois, neste último, a diferença entre católicos e evangélicos é menor.
Porém, é preciso ter cuidado ao identificar as pessoas sem religião com secularismo. De fato, o crescimento das pessoas que se declaram sem religião já é um sinal de mudança da sociedade brasileira, pois ficou para trás a antiga equação que mostrava: brasileiro = católico. Também fica cada vez mais fraca a associação entre brasileiro e pertencimento religioso.
Contudo, cerca de 95% das pessoas que se declaram sem religião estão mais próximos da categoria “acredita em Deus, mas não tem religião”. O censo demográfico de 2010, mostrou que do total das pessoas sem religião (15,3 milhões), o número de ateus era de 615.096, representando cerca de 4% dos sem religião e os agnósticos eram cerca de 1% dos sem religião. Entre os ateus, 67% eram homens e entre os agnósticos 63% eram homens. Na categoria sem religião predominam os homens e as crianças, adolescentes e jovens.
A origem da palavra Ateu (Atheos) vem do grego e significa “sem Deus”. Os dicionários apresentam o seguinte significado: 1) Que nega a existência de Deus ou de quaisquer outras divindades; Descrente; não demonstra respeito ou consideração por crenças religiosas; que não acredita em nada.
A origem da palavra Agnóstico (Agnostos) vem do grego e significa “desconhecido” ou “não cognoscível”. Agnóstico é a pessoa que considera os fenômenos sobrenaturais inacessíveis à compreensão humana. Os agnósticos consideram inútil discutir temas metafísicos, pois são realidades não atingíveis através do conhecimento, já que a razão humana não possui capacidade de fundamentar ou deixar de fundamentar racionalmente a existência de Deus.
Desta forma, percebe-se que existe uma diferença entre as categorias sem-religião, ateus e agnósticos. Muitos dos sem religião são pessoas que não possuem uma religião definida. Isto acontece, por exemplo, com as crianças de 0-4 anos, especialmente aquelas em que os pais pertencem a religiões diferentes. Na hora de responder ao questionário, os pais dizem que a criança não tem religião definida (pois ainda é muito nova). Acontece também com as pessoas que transitam entre diversas igrejas e que em determinado momento não estão frequentando nenhuma igeja específica.
Olhando o ciclo de vida, percebe-se que os maiores percentuais de pessoas identificadas como sendo da categoria sem-religião (8% do total da população brasileira em 2010) estão nos grupos etários abaixo de 30 anos. O percentual é de cerca 10% no grupo etário 0 a 4 anos, cai um pouco nos dois grupos seguintes e atinge um máximo de 10,6% no grupo etário 20 a 24 anos. Depois dos 30 anos o percentual cai constantemente, em primeiro lugar porque se trata de grupos de coortes mais velhas que nasceram quando o percentual de católicos no Brasil era muito elevado. Em segundo lugar, existe uma tendência universal do percentual de pessoas sem religião diminuir nas idades mais avançadas e que possuem maior probabilidade de morte.
Mas dentro do grupo que se declara sem religião, o percentual de ateus e agnósticos cresce com a idade. Evidentemente, o percentual de ateus e agnósticos de 0-4 anos é muito pequeno. Depois cresce rapidamente até os 30 anos, tem uma estabilidade entre 30 e 50 anos e volta a subir depois dos 60 anos.
Em síntese, parece que os ventos secularizantes vão continuar soprando no Brasil e fazendo com que a categoria de pessoas que se declaram sem religião cresça, especialmente nos locais onde a disputa entre católicos e evangélicos é maior. O percentual de sem religião é maior entre os jovens que nasceram depois de 1980. Isto quer dizer que a tendência a uma maior secularização da população brasileira como um todo deve aumentar na medida em que estas gerações mais jovens envelheçam. Além disto o Brasil está abaixo da média do Global Index of Religiosity and Atheism (2012) do WIN-Gallup International, que aponta uma média mundial de 23% para as pessoas que se declaram sem religião e de 13% para os que se declaram ateus.
Os censos anteriores não trouxeram a opção sobre ateus e agnósticos e desta forma o Brasil não tem uma série histórica para acompanhar aquela parcela da população que se declara não religiosa. Mas a análise por coortes mostra que os ateus e agnósticos crescem ao longo do ciclo de vida. Assim, quanto mais envelhecida for uma população maior será o percentual de pessoas que não acreditam ou não se importam com a existência de Deus (irreligião). Portanto, o Brasil tende a ficar cada vez mais secular na medida em que cresce a pluralidade religiosa.
Referencias:
NOVAES, Regina. Os jovens “sem religião”: ventos secularizantes, “espírito de época” e novos sincretismos. Notas preliminares. São Paulo, Estud. av. vol.18 no.52 São Paulo Sept./Dec. 2004
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000300020
ALVES, JED, BARROS, LFW, CAVENAGHI, S. A dinâmica das filiações religiosas no brasil entre 2000 e 2010: diversificação e processo de mudança de hegemonia. Rever (PUCSP), v. 12, p. 145-174, 2012.
http://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/view/14570
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro, PUC/MG, Belo Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e Demografia, v. 12, n. 36, out./dez. 2014, pp. 1055-1085 DOI–10.5752/P.2175-5841.2014v12n36p1055
http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2014v12n36p1055/7518
WIN-Gallup International. Global Index of Religiosity and Atheism, 2012
http://www.wingia.com/web/files/news/14/file/14.pdf
*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Fonte: Portal EcoDebate