Venezuela, Rússia, China, Coreia do Norte e Irã anunciaram a formação de um novo bloco dentro da Organização das Nações Unidas. A proposta, apoiada por 17 países, vem sendo debatida desde 2019 e busca defender a carta de fundação da ONU contra o “unilateralismo” dos Estados Unidos.
Na América Latina, além dos venezuelanos, os governos de Cuba, Bolívia, Nicarágua e São Vicente e Granadinas também apoiaram a iniciativa.
“O mundo está vendo o crescimento do unilateralismo, marcado por ações isolacionistas e arbitrárias, incluindo a imposição de medidas coercitivas unilaterais ou a retirada de países de acordos e de instituições multilaterais históricos, assim como tentativas de minar os esforços críticos para combater desafios comuns e globais. O multilateralismo está atualmente sob um ataque sem precedentes, que, por sua vez, ameaça a paz e a segurança globais”, afirmam em nota.
O prazo para a adesão de novos países seria o dia 9 de abril.
“É um grupo de amigos que defende sem ambiguidades o princípio de não ingerência em assuntos internos, a busca por soluções pacíficas aos conflitos, sem uso de ameaças. Todos são princípios consagrados na carta da ONU, mas temos que defendê-los”, afirmou o vice-ministro de Relações Exteriores da Venezuela para a América do Norte, Carlos Ron Martínez.
Durante a administração de Donald Trump, a Casa Branca se retirou do Conselho de Direitos Humanos da ONU, da agência cultural da ONU, da UNESCO, do Acordo de Paris, sobre mudança climática e do acordo nuclear com o Irã. Além de ameaçar suspender o financiamento da Organização Mundial da Saúde em plena emergência sanitária global.
A Casa Branca também não atendeu os pedidos da ONU de dar fim às sanções econômicas durante a pandemia.
Nos primeiros 100 dias de gestão, Joe Biden rescindiu a retirada da OMS, voltou ao acordo climático, e assegura que voltará a assumir o compromisso do acordo nuclear.
Para o analista venezuelano Orlando Romero, a gestão democrata tentará a doutrina do soft power para manter sua influência geopolítica
“Querem justificar com esse capitalismo verde a entrada de empresas privadas em países satélites e a perda de importância dos Estados com um papel permissivo aos projetos verdes. Já foi demonstrado que além disso representará maior consumo de energia fóssil”, afirma Romero.
Não alinhados
O novo bloco surgiria num momento em que Biden insiste na importância de neutralizar a influência chinesa nos organismos multilaterais e na América Latina. E em um contexto em que a China deve se tornar primeira potência mundial em 2025 e já possui quase 1/3 dos títulos da dívida externa estadunidense.
“É um passo a mais nessa guerra de posições entre China e Estados Unidos. Na semana passada, houve uma reunião do QUAD, uma articulação entre Austrália, Japão, Índia e EUA, criada há anos para isolar a China no contexto asiático. Com Trump, esse grupo assumiu caráter militar e Biden está dando continuidade”, analisa Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC.
No entanto, o professor explica que é muito cedo para medir a importância do novo grupo. “É mais uma das várias frentes da China para defender o que considera ser uma ameaça ocidental”, aponta.
Com a aliança, o Partido Comunista da China estaria novamente exercendo sua doutrina do multilateralismo, através de uma diplomacia baseada em alianças econômicas.
“Esta aliança favorece os interesses da China, já que a Venezuela possui a primeira reserva energética mundial e já se demonstrou que esse capitalismo verde que Estados Unidos pretende posicionar na opinião pública não parece ser tão efetivo, imediato e nem ecológico”, destaca o especialista em comunicação política, Orlando Romero.
Romero acredita que a nova articulação poderia se somar ao Movimento dos Países Não Alinhados (MNOAL), fundado em 1961, para unir países-membro das Nações Unidas num contexto de Guerra Fria.
Já o vice-ministro venezuelano explica que a proposta tem como objetivo central o multilateralismo e diplomacia de paz.
“Aqui não se trata de projetar nenhum país em particular, nem de dividir o mundo segundo simpatias políticas, mas fazer um chamado consciente de respeito ao direito internacional”, declarou Ron Martínez.