Venezuela: a luta entre o cão e a lebre

Foto: Twitter oficial

Por José Álvaro Cardoso.

O cerco de fogo que os EUA exercem sobre a Venezuela, desde que o governo do país resolveu enfrentar minimamente o Império e colocar a renda petroleira à serviço da maioria da população, está ligado às questões econômicas, essencialmente. O imperialismo precisa derrubar o governo venezuelano, para atingir seu objetivo principal que é saquear o petróleo da Venezuela. Claro, como no Brasil e em outros países onde houve golpe, não é só petróleo. Além das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela tem muita água, a biodiversidade da Amazônia, ouro, etc.

Além do aspecto econômico, o governo da Venezuela é péssimo exemplo, para os demais países latino-americanos, de como se deve enfrentar o imperialismo com altivez e destemor. Por isso precisa ser derrotada através de todas as maneiras possíveis, especialmente neste momento em que se golpeou boa parte dos governos populares na América Latina. As estratégias de sabotagens e mentiras usada na Venezuela, desde os tempos de Chávez, é a mesma usada nos países desde sempre: iludir a opinião pública mundial com táticas de contra informação e mentiras, comprar colaboradores internos, e arruinar o país. A crise econômica, e a sabotagem do funcionamento da economia, são sempre muito eficientes no processo de desestabilização, porque dificulta muito a vida do povo, com as dificuldades de acesso a produtos essenciais, além de inflamar o ódio da classe média.

Os setores extremamente prejudicados com a inversão de prioridades dos governos bolivarianos, especialmente os EUA, há muito aguardavam a oportunidade de aprofundar a “guerra econômica”, forçando o desabastecimento de produtos essenciais, tática que desgasta qualquer governo. Na Venezuela, em função da sabotagem, faltam alimentos, remédios e outros, cuja escassez provoca imediata reação na sociedade, em função de sua essencialidade. Escassez de produtos essenciais, com consequente elevação de preços, constrói as condições para a desestabilização econômica e para um clima de desespero, especialmente dos mais pobres. Que é exatamente o objetivo dos movimentos golpistas. Ademais, a Venezuela tem bilhões de dólares nos bancos estadunidenses, bloqueados por ordem do Império, medida que impacta diferentemente nas finanças do país e dificulta ações de atendimento à população.

A situação da população só não é mais grave porque o governo venezuelano montou, ao longo dos últimos 20 anos, uma estrutura estatal de atendimento que atende a cerca de 20 milhões de pessoas (num país que tem população total de 32 milhões de habitantes). Atualmente 2,1 milhões de idosos recebem pensão ou aposentadoria, o que representa, 66% da população da chamada terceira idade. Isso explica em boa parte o apoio da população mais pobre ao governo, apesar da extrema gravidade da crise.

Os acontecimentos no país que detém a maior reserva de petróleo do mundo têm impacto em toda a América Latina. A principal força do golpe que está sendo desferido contra a soberania da Venezuela, é a mesma do golpe no Brasil: o imperialismo norte-americano. As razões do golpe, lá e aqui, também são muito semelhantes: petróleo, água, biodiversidade, Amazônia, nióbio e outros minerais. O que está em jogo no país vizinho, essencialmente, é uma luta de vida ou morte, entre a direita fascista da Venezuela, apoiada pelo Império, contra o governo Venezuelano, que tem o apoio da maioria do povo pobre do país.

Resta saber até que ponto os EUA irão carregar a sórdida empreitada de derrubar mais um governo legitimamente eleito na América Latina. Mas, ao contrário do Brasil, o golpe na Venezuela não será um passeio. Uma parcela significativa da população entende as razões dos ataques, e certamente não está disposta a capitular. Na Venezuela temos um caso raro de forças armadas comprometidas com a defesa do povo e do país. E que vêm sendo reequipadas desde 2002, quando ocorreu o golpe desferido pelos EUA e que foi revertido pela mobilização do povo venezuelano em algumas horas. Os comandantes militares têm se manifestado seguidamente em apoio à Maduro e em reconhecimento da legitimidade do processo eleitoral venezuelano.

A crise internacional do capitalismo, e a fúria do Império, acostumado a tratar a América Latina como seu quintal, pode levar a uma tentativa de agressão militar de algum tipo. Neste campo, existem algumas possibilidades, como a de se estruturar uma força de intervenção envolvendo países vizinhos, com governos títeres dos EUA (Brasil, Colômbia, Peru). É a chamada “guerra por procuração” que os EUA têm utilizado em várias partes do mundo, em muitos casos através de um exército de mercenários. Mas essa opção não seria brincadeira. O exército bolivariano é preparado, dispõe de equipamento militar moderno e está defendendo seu povo, seu território e as riquezas de seu país. Imaginem colocar milhares de jovens de países vizinhos, sem nenhuma motivação real para matar irmãos latino-americanos, em nome da cobiça da burguesia e dos bilionários do petróleo dos EUA.
Na guerra, a motivação dos soldados é mais importante do que armas modernas. Os EUA certamente não esqueceram a invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961, feita por um grupo paramilitar de exilados cubanos, treinado e dirigido pela CIA, com apoio das forças armadas estadunidenses. As forças armadas cubanas, muito bem treinadas e equipadas, e altamente motivadas pela defesa do seu chão, derrotaram os agressores em três dias, sendo que a maior parte destes se rendeu.

Numa eventual invasão da Venezuela os invasores estariam lutando por um soldo maior, já que não haveria nenhuma razão mais forte para arriscarem suas vidas. Os venezuelanos, por sua vez, estariam lutando por seu povo e seu pais, que estaria sendo invadido com o objetivo de saquear a maior riqueza nacional, o petróleo. No caso de uma invasão, a diferença de motivação entre o invasor e o patriota, seria semelhante a do cão (galgo) e a lebre: o primeiro corre para melhorar o jantar; a segunda corre para preservar a própria vida.

José Álvaro CardosoJosé Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

 

 

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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