Viajar é a melhor coisa do mundo. Sempre senti assim. Desde os cinco anos, quando aprendi a ler, debruçada sobre os livros que devorava eu já desejava pisar nos lugares que se descortinavam em fotos coloridas ou desenhos. Vivendo em São Borja, na fronteira com a Argentina, viajar era cotidiano. Aos sábados atravessávamos o rio, de balsa, para Santo Tomé, a comprar balas de leite, batatada, carne e compotas de doce. Aquilo já agigantava os horizontes. Outro país, outra língua, outras gentes. Também eram comuns as viagens de trem, de São Borja à Uruguaiana. Noite inteira sob o matraquear dos vagões, observando a paisagem iluminada pela lua, os campos sem fim, os ñhandus, os homens empoleirados nos cavalos, pastoreando o gado. Aquelas eram cenas que evocavam lonjuras sem fim, lugares misteriosos e fascinantes, coisas tantas para desbravar. Meus olhos de criança, grudados na janela, sabiam que era cheio de estradas o meu devir.
Depois, cresci, e segui meu destino. Andarenga, caminheira, atravessando terras, montanhas, lagos, mares. De meu, tenho pouco, quase nada. Meu tesouro vive em mim. Cheiros, cenas, sabores, sorrisos, toques, gentes, pequenas pedrinhas amealhadas nos caminhos. Por toda a vida trabalhei para andar, percorrer as estradas secundárias desse mundão. Viajeira de nascença. Talvez seja a herança charrua que me faz nômade, afeita a tendas e pradarias. Disso não abro mão. Gosto de andar pelas rodoviárias desse interior profundo, arrastando a mochila, passado perrengues, conhecendo o que há de mais lindo e mais escuro na alma humana.
Dia desses fui à Brasília, de passo, para seguir ao interior de Minas. Surpresa, deparei-me com a nova rodoviária estadual. Não mais a caótica e feia rodo-ferroviária. Outra, limpinha, enorme, chiquérrima. Dentro dela agora tem uma praça de alimentação, dessas, estilo xópin, com as famosas marcas de comida, estrangeiras e nacionais. Um café com pão de queijo custando nove reais. Pode?
O povo que por ali circula, a maioria migrantes, sempre para lá e para cá, visitando parentes, é pobre. A maioria não tem condições de comprar nas famosas lanchonetes. Fica todo mundo ali, sentado nos cantos, com suas marmitinhas aberta, ou com sacos de plástico cheios de biscoito caseiro e frutas. Por vezes se apropriam das mesas das lojas e se refestelam comendo as iguarias caseiras num inconsciente ato de protesto.
Como bem diz Ítalo Calvino, as cidades sempre escondem outra por trás do que aparentam. Brasília é assim. A nova rodoviária é a tentativa de retratar um esplendor que não há. A verdadeira Brasília salta aos olhos naquelas caras marcadas, por vezes tão tristes, dos sertanejos, dos trabalhadores, dos migrantes, que chegam todos pela entrada do metrô, arrastando suas malas e imensas caixas de papelão. E, na imensidão do novo prédio, cheio de lojinhas burguesas, esse povaréu que não se encaixa, vai construindo um universo paralelo. Aquelas gentes de rosto vincado, de mão calejada, é a vida real, pulsante e bela.
É isso que fazem as viagens, nos colocam de cara com a verdadeira face da vida.
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