Vencedor do Oscar, o documentário ‘Free Solo’ é uma odisseia existencial

Imagem: Divulgação.

Só e livre. Há tantas possíveis interpretações para Free Solo, título do longa-metragem vencedor neste ano do Oscar de melhor documentário. Do ponto vista técnico, mais específico, o nome do filme diz respeito à técnica utilizada pelo seu protagonista, o alpinista norte-americano Alex Honnold, para escalar montanhas: ele dispensa qualquer equipamentos de segurança e prefere enfrentar sozinho os desafios aos quais se propõe. Homem e montanha em um encontro, ou confronto, íntimo e pessoal.

Mas Free Solo transpõe os limites de um documentário de perfil mais expositivo, convencional, produzido para o canal National Geographic. Apesar das eletrizantes e espetaculares cenas de escalada, captadas com maestria pelos cineastas Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi, o maior mérito da produção é sua transcendência, a capacidade de, sem nunca de deixar de ser um filme de alpinismo, também revelar a subjetividade de Alex, um homem introspectivo, hoje com 33 anos, que fez a opção por viver, em seu entender, livre e só, o que dá ao título do longa uma dimensão bem mais existencial.

Com um ótimo roteiro, não linear, Free Solo inicia-se com Alex enfrentando o maior desafio de sua trajetória: escalar o perigoso rochedo El Capitain, situado no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia. É um imenso paredão, íngreme, desprovido de maiores rugosidades e pontos de apoio, e parece ser impossível de ser escalado sem cordas ou outro tipo de proteção. A possibilidade de uma queda é gigantesca e, talvez por isso mesmo torna-se uma obsessão para o alpinista. Esse desejo incontrolável de superar o desafio está no centro dramático do documentário, que acerta ao tentar explicá-lo, buscando traçar um retrato complexo, tridimensional de seu protagonista.

Free Solo, do ponto de vista cinematográfico, é muito mais interessante por contrapor sensacionais sequências de escalada e desconcertantes momentos de intimidade na vida de Alex.

Alex Hannold é uma celebridade nacional, capa de inúmeras revistas, mas herói improvável em uma cultura que estimula a superexposição – ele é um introvertido. Filho de uma família de classe média, teve com o pai, diagnosticado tardiamente com Síndrome de Asperger (forma leve de autismo), uma relação difícil, apesar de também afetuosa. Como havia pouco diálogo entre eles, em decorrência das limitações resultantes da condição enfrentada pela figura paterna, Alex encontrou refúgio nas atividades físicas, no alpinismo, e em uma forma de escalada que o libertasse da obrigação de manter um convívio contínuo com outras pessoas. Alinha-se, dentro da cultura dos EUA, à figura do cavaleiro solitário, recorrente nos westerns clássicos do cinema hollywoodiano. Uma de suas frases mais emblemáticas no filme é: “Nada de bom acontece tendo uma vida feliz e aconchegante”. Para Alex, o risco é sua zona de conforto.

Free Solo, do ponto de vista cinematográfico, é muito mais interessante por contrapor sensacionais sequências de escalada a desconcertantes momentos de intimidade na vida de Alex, grandes planos abertos e closes. As câmeras estão em drones, a fazer incríveis tomadas aéreas, mas também no interior da van onde o personagem “mora”. No veículo, ele discute sua complicada relação com a companheira Sanni McCandless, que de certa forma lhe serve como ponte com o mundo real – ele chega a cogitar romper o namoro quando sofre uma queda e machuca o tornozelo, após uma falha cometida por ela durante uma escalada em casal.

A escolha dos diretores de não filmar à distância a épica odisseia de Alex, assim transformando a escalada do El Capitain em uma espécie de metáfora dos seus desafios não apenas como alpinista, mas também como homem, faz de Free Solo muito mais do que um documentário de aventura, ou uma edificante história de superação. É um retrato, ao mesmo tempo íntimo e épico.

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