Por Rosely Rocha.
É um processo em cadeia que pode destruir pequenos negócios que giram em torno da “empresa mãe” aumentando mais ainda o número de desempregados. Se você ainda está se perguntando “e eu com isso?” – já que não trabalha nem tem parentes empregados numa empresa pública –, saiba que as privatizações vão impactar diretamente no seu bolso e no de cada um dos milhões de brasileiros.
E isso vai acontecer porque os preços dos serviços que a estatal oferece vão aumentar assim como serão reajustados os preços de outros bens que necessitam da matéria prima – energia, gás e petróleo, por exemplo – produzida pela empresa pública.
O Portal CUT decidiu fazer uma série de matérias mostrando como a privatização afeta a vida de todos os brasileiros. A primeira envolve as ameaças de privatização da Eletrobras. Se a empresa for vendida, além das contas de luz com preços exorbitantes, a população poderá ser afetada também com a falta de água. O desasbastecimento prejudicará ainda mais quem precisa de água em abundância, como é o caso dos pequenos agricultores, responsáveis por 70% da alimentação que o brasileiro coloca na mesa, e também do agronegócio.
“A Eletrobras tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de toda a água armazenada no Brasil. 70% dessa água são utilizadas na irrigação da agricultura”, diz o engenheiro eletricista da Eletronorte e dirigente do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF), Íkaro Chaves.
Imagine tudo isso nas mãos de uma empresa privada que só se interessa pelo lucro, alerta o engenheiro, ressaltando que os aumentos de preços serão em cadeia. “Lógico que o preço vai subir para a agricultura e será repassado para a população que vai pagar mais caro pelos alimentos que coloca à mesa”.
Além dos alimentos mais caros, o povo também terá de arcar com contas de luz mais altas e ainda vai sofrer com o desabastecimento, afirma Íkaro, que explica: uma usina hidrelétrica tem a “chave do rio”. Ela armazena água para que em época de seca tenha como transformar a água em energia. Mas cada gota utilizada na transformação da água em energia é uma gota a menos para o abastecimento.
“Vai ter conflitos entre uma empresa – que ganha mais em período de seca com o aumento do preço da energia –, a população e os agricultores – que vão querer utilizar a água para consumo. Já numa empresa estatal, esse conflito é minimizado porque o abastecimento da população tem prioridade, mas uma empresa privada que visa o lucro, não vai se importar com a falta de água na torneira da população”, avalia.
Já no Nordeste a privatização da Eletrobras vai afetar a transposição do rio São Francisco, cujo reservatório é controlado pela Chesf, que faz parte do holding da estatal. “O impacto será muito grande para todos, mas a privatização vai afetar, principalmente, o abastecimento de água no Nordeste porque a Região sofre com grandes períodos de seca”, diz o Íkaro.
Segundo ele, já houve conflitos com agricultores na região em que a Chesf atua, mas como é uma empresa estatal, os conflitos foram mais rapidamente resolvidos. “Uma empresa privada não vai ter este cuidado”, afirma.
Íkaro diz ainda que a privatização da Eletrobras vai impactar no emprego de trabalhadores de outras áreas, como os das empresas de turismo que exercem atividades na água, já que as hidrelétricas definem o fluxo de muitos rios.
Ele conta que o lago da hidrelétrica de Furnas, em Minas Gerais, foi formado pelo Rio Grande, e é a “praia dos mineiros”, com pousadas ao seu redor. Como o Rio Grande sai em direção ao Rio Tietê, houve uma grande disputa com a usina privatizada de Ilha Solteira, que alegou precisar de mais água para a navegação das barcas da hidrovia Tietê-Paraná. Conclusão: hoje tem mais água do que o necessário na hidrovia, enquanto a indústria do turismo de Minas sofre com a diminuição de água do lago de Furnas.
“A recente privatização de Ilha Solteira deu a ela a condição de venda de 30% de sua produção fora do mercado regulado. Manter aquele reservatório cheio na entrada do período seco na Região Sudeste pode ter propiciado milhões de reais aos proprietários da Usina Ilha Solteira e um lago muito vazio para Furnas”, afirma o dirigente.
Aumento das tarifas de energia
A venda da Eletrobras também vai prejudicar 99,7% da população brasileira que é consumidora de energia elétrica. A projeção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é de que as contas de luz subam, de imediato, entre 16% a 17% em todo o território nacional.
“Hoje a Eletrobras dita o preço da energia no país. O valor do megawatt/hora é de R$ 70. Com a privatização pode chegar a R$ 250, gerando impacto de até 17% no aumento de preço da energia elétrica para o consumidor”, afirma Íkaro.
O dirigente cita como exemplo de lucro a todo custo, a privatização da empresa energética do estado de Goiás, a Enel Goiás. O valor da tarifa subiu 40% e a população tem ficado sem energia elétrica, em média, 26 horas por ano contra 13 horas de limite que a Aneel considera um serviço satisfatório. Outros estados em que o preço da energia subiu após a venda das distribuidoras, no ano passado, foram: Roraima (38%), Rondônia (25%), Acre (21%), Amazonas (14,9%) e no Piauí (12%).
Segundo Íkaro, não foi à toa que no Chile, o primeiro lugar que os manifestantes tacaram fogo foi no prédio da empresa de energia, a Enel, que ao ser privatizada pelo governo daquele país, aumentou os preços abusivamente.
“Onde acontece a privatização de empresa pública de energia elétrica, acontece aumento de preço. O consumidor não vai ter alternativa, e sem garantias de uma prestação de serviço de qualidade, sem garantia de investimentos das empresas privadas, haverá apagões energéticos no futuro”, afirma.
“Os apagões afetam também a segurança pública. Sem energia a noite poderá ocorrer mais roubos, mais assaltos, mais acidentes de trânsito”, afirma o dirigente do STIU-DF, certo de que os brasileiros e brasileiros entenderam ‘o que têm a ver com isso’ e porque é importante ir às ruas contra a privatização da Eletrobras.